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Jovens iniciam campanha contra aumento da passagem em São José dos Campos

Jovem com cartaz durante o protesto contra o aumento da passagem. Foto: Felipe Junqueira.

São José dos Campos, interior de São Paulo, é mais uma das cidades em que a possibilidade do aumento na tarifa do transporte público gera insatisfação e leva parte da população a se manifestar nas ruas.
Nesta quarta-feira (11/01) cerca de 100 pessoas, na maioria estudantes, protestaram contra o pedido feito pelas empresas concessionárias do transporte público na cidade que, no final de 2011, solicitaram que o preço da passagem aumentasse de R$ 2,80 para  R$ 3,00.
O ato aconteceu na praça Afonso Penna, região central, e foi convocado pelo OJE  (Organização dos Jovens e Estudantes).  Antes de começar a marcha, os manifestantes resolveram que além do preço da passagem também iriam expressar o seu apoio à favor dos moradores do bairro Pinheirinho, que receberam uma ordem de reintegração de posse e podem ser despejados pela polícia militar até o fim dessa semana.
Em carta distrubuida à população, o movimento explica que os principais eixos da luta são: passe livre para estudantes, aposentados e desempregados; manuntenção dos cobradores nos coletivos; renovação da frota.
Para as empresas o aumento é justo porque os gastos com combustível e manutenção subiram. No início de 2011, a passagem de R$ 2,40 subiu para 2,80. Vários moradores reclamam que, apesar de pagarem mais, a qualidade do serviço não melhorou no início do ano passado.
Suzana Beatriz, integrante do OJE, afirma que o interesse das empresas é aumentar o próprio lucro. “A melhora do transporte não é uma preocupação das empresas, elas não estão preocupadas se os ônibus estão lotados, demoram para passar e não oferecem conforto”, disse a manifestante.
Por sua vez, a prefeitura de São José afirmou que o setor de transporte está analisando o relatório enviado pelas empresas e vai anunciar se aprova ou não o aumento.
Passagem não é mercadoria

‘Nem só de trabalho vive o homem’: Fábrica ocupada promove festival de cultura

Foto: Natasha Mota.

A célebre música de Chico Buarque “Pedro Pedreiro” conta a história de um trabalhador que passa os seus dias a esperar uma vida melhor, um descanso do trabalho, a volta para sua terra natal. “…Talvez no fundo espere alguma coisa mais linda que o mundo… mas prá que sonhar se dá o desespero de esperar demais”, diz a letra.
Ao menos para os trabalhadores da Fábrica Ocupada Flaskô, Pedro Pedreiro já não precisa mais ter medo de sonhar, de esperar que a vida ofereça outras oportunidades que não seja a jornada de trabalho do próximo dia.
Entre os dias 12 e 14 de Agosto, foi realizado dentro da fábrica o 2º Festival de Cultura Flaskô. O evento aberto para a toda comunidade atraiu trabalhadores e principalmente universitários interessados em conhecer a fábrica que desde de 2003, ano que os patrões declararam falência, é controlada pelos próprios funcionários.
De acordo com Pedro Além Santinho, coordenador da fábrica, a preocupação com a questão cultural na Flaskô surgiu naturalmente. “Após termos assumido o controle da fábrica percebemos que havia muito espaço ocioso e que poderíamos usar este espaço para oferecer outras atividades como dança, aulas de judô, aulas de música, entre outros”, explica Pedro
Batata, ou Rafael Dias, responsável pela organização cultural, comenta que o festival tem como objetivo oferecer aos trabalhadores e a comunidade manifestações culturais que estão fora do circuito comercial.
“Alguns trabalhadores nunca tinham visto uma peça de teatro, então é muito positivo proporcionar isso. Mas, é óbvio que se fosse um show com o Luan santanna viria bem mais gente”, avalia Batata
Segundo os organizadores, a divulgação da luta dos trabalhadores e a estatização da fábrica são os outros objetivos do festival. De fato, a visita guiada pelas instalações da Flaskô foi uma das atividades que mais despertou o interesse dos visitantes.
Mas isto é teatro?

Foto: Natasha Mota.

Durante o festival foram apresentadas três peças. As exibições começaram com a “Brava Companhia“, que apresentou uma versão dinâmica e com toque de humor da saga de Joanna D’Arc. O texto valorizou a necessidade que o ser humano tem de ser livre, de questionar as estruturas existentes e como aqueles que controlam a sociedade se movimentam para impedir que isto aconteça.
No segundo dia foi a vez da companhia “Dolores” apresentar o espetáculo “Conjugado”, um retrato vívido e sem esteriótipos da vida nas periferias das grandes cidades. A última apresentação ficou por conta da companhia “Estável“, que inspirada em texto de Bertold Brecht contou a história ” A exceção e a regra”, uma viagem em meio ao deserto que expõe o caráter desumano e cruel da relação entre patrões e chefes.
A relação entre cultura e política foi abordada em um dos grupos de discussão do evento. Para os participantes ficou claro que o teatro de cunho político cumpre o importante papel de ajudar na politização e na tomada de consciência do público, apesar de sofrerem preconceito da crítica que diz que tais grupos não fazem teatro de verdade.
Debate e música

Oswald de Andrade não é “apenas um personagem, mas um autor cuja obra merece ser lida”, avalia biografa do escritor

Se os tablets, twitter e facebok são vistos com desconfianças pelos mais conservadores,  Oswald de Andrade não só seria um entusiasta, como usaria essas ferramentes “magistralmente” , analisa  Márcia Camargos,  pesquisadora que acaba de lançar “Semana de 22 – entre vaias e aplauso”, da Boitempo. Seu  livro apresenta uma interessante análise de como o modernismo se tornou um dos eventos artísticos mais impactantes do país.
Oswald de Andrade foi o homenageado deste ano da nona edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paratí –, evento que conta com a participação de diversos autores renomados, nacional e internacionalmente.
Apesar de elogiar o evento, seu papel de fomento cultural e a preocupação em agregar diferentes públicos, Márcia lamenta o fato ter sido a única escritora brasileira convidada pelos organizadores para fazer parte da programação e recomenda mais cuidado quanto à isso nas próximas edições.  “Uma festa em sua (Oswald) homenagem demandaria um maior equilíbrio de gênero”, avalia.
O que representa a escolha de Oswald de Andrade como o homenageado da Flip? Qual o papel dele e da sua obra para a cultura nacional?
Esta escolha traduz o espírito desta festa literária alegre, descontraída e que se quer de vanguarda como o próprio Oswald de Andrade. Esta escolha também tem o mérito de mostrá-lo não apenas como um personagem, mas como um autor cuja obra merece ser lida. Porque além de um dos articuladores da Semana de Arte Moderna, Oswald de Andrade deixou seu nome marcado no panorama cultural brasileiro. Ele foi um escritor de primeira grandeza, tendo percorrido todos os gêneros literários. Um dos mais inovadores entre os modernistas, com sua linguagem sempre transgressora abriu caminhos que influenciaram grande parte da poesia brasileira posterior em Carlos Drummond de Andrade, Cabral de Mello Neto, Manuel de Barros e o próprio concretismo.
Ele participou de diferentes movimentos culturais e promoveu encontros entre diversos artistas. Temos alguém que assume esse papel de agitador, de ponto de encontro cultural?
Creio que no nosso mundo diversificado, pluralista e globalizado, as instituições ocuparam o lugar dos antigos mecenas ou agitadores culturais. Pode haver um ou outro nome que se sobressai como o Zé Celso Martinez, por exemplo, mas são casos pontuais. Hoje não há um, mas vários pontos de encontro culturais, em geral mantidos por instituições como o Sesc, que de certa forma procuram “socializar” a cultura, dando acesso à produção contemporânea a uma larga fatia da população. Ou seja, na contemporaneidade, os locais de encontro procuram dar vez às expressões populares por meio de incentivos e apoios, por meio de preços acessíveis. Eles então se multiplicaram e se pulverizaram para atender à crescente demanda.
Há algum significado especial em ser a única brasileira a participar da programação da Flip?
Eu me perguntei por que fui a única mulher brasileira convidada na programação principal. E assim mesmo como estudiosa da obra oswaldina, como uma historiadora e pesquisadora do modernismo brasileiro do que como uma autora ao pé da letra, embora também o seja. Isso nos leva a refletir sobre o papel da mulher hoje, se em pleno século XXI ainda vivemos numa sociedade conservadora e patriarcal. Pois sendo Oswald um feminista e defensor do matriarcado, uma festa em sua homenagem demandaria um maior equilíbrio de gênero. A importante produção literária feminina brasileira não deve ficar na sombra, ofuscada, pois ela é profícua tanto em quantidade, mas, sobretudo, em qualidade. Quem sabe a instituição de quotas levaria a uma harmonia nas próximas edições.
O meio literário tem menos pré-conceitos e tabus que os outros setores da realidade? Por exemplo, existem menos barreiras para as mulheres e homossexuais no universo artístico?
O meio artístico tende a haver menos preconceito do que em outros segmentos da sociedade, justamente por se tratar de uma área que atrai pessoas questionadoras, que desafiam o status quo e os valores morais vigentes. Pois se o artista é, antes de tudo, um demolidor de conceitos cristalizados, se ele pretende enxergar para além das aparências e da superfície e quebrar tabus, então consequentemente tem que ser mais aberto e mais tolerante, indo na contracorrente do senso comum.
As mulheres, ao longo da história ocidental, sempre foram relegadas a um segundo plano. A elas cabia o papel de filhas, irmãs e esposas. As que fugiam do figurino eram prostitutas ou transgressoras, e pagaram caro pelas suas atitudes ousadas e de vanguarda. Para voltarmos a Oswald de Andrade, vejam o exemplo da Pagu, uma precursora, uma mulher à frente do seu tempo e que acabou presa, torturada e duramente perseguida até o final da vida. Aos poucos, após muitas lutas, as conquistas foram acontecendo e hoje temos até uma presidenta no comando do país, algo impensável até pouco tempo atrás.
A ampliação dos espaços ocupados pela mulher, que se desdobra em mãe, esposa, amante, profissional, militante e artista, reflete-se em todas as áreas da atividade humana. No passado, certas escritoras usavam pseudônimos masculinos para publicarem. Agora são reconhecidas e reverenciadas até mesmo no âmbito ultraconservador da Academia de Letras. Por isso, acho que o número reduzido de mulheres convidadas na última edição da Flip vai na contramão da história. Com toda e absoluta certeza, não foi algo proposital, mas simplesmente um acaso que precisa ser evitado no futuro, prestando-se mais atenção à questão de gênero, entre os critérios de seleção dos escritores(as).

Você acha que Oswald de Andrade estaria contente com a atual produção cultural e, mais especificamente, literária do Brasil?

Oswald estaria sim feliz com os rumos da nossa produção literária, sobretudo com a internet, os blogs e os twitters, que ele saberia usar magistralmente. Ele ficaria feliz ao constatar que o citizen journalism que ele de certa maneira praticava no seu tempo, alastrar-se pelas ruas e mudar os rumos políticos de um país. E como bom arauto da antropofagia, veria esta variedade de estilos, esta interpenetração do nacional e do estrangeiro, do periférico e do centro, do erudito e popular, da tradição e da vanguarda com muitos bons olhos. Era o que ele defendia, o que pregava e praticava.
A Flip pode ser considerada um espaço que incentiva e promove a cultura para o grande público ou ela ainda está fechada a um público específico e elitizado?


Vi na Flip gente de todas as idades e origem social. Claro que há sempre um público cativo, formado pelos leitores, por aqueles que acompanham a produção nacional e estrangeira e aproveitam a Flip para entrar em contato mais direto com este universo dos escritores contemporâneos. Muitas destas pessoas conhecem os autores, os editores, frequentam os mesmos restaurantes e são convidados para as festas e jantares oferecidos pelos organizadores e pelas editoras durante o evento. Mas percebi que vem gente mais humilde, gente que aprecia o clima de festa e que procura uma maior proximidade com aqueles personagens que costumam ver na televisão ou no jornal.
E de qualquer forma, há atividades para todos os gostos e idades, com a inclusão da Flipinha, da Flipzona e outros eventos que chamam de off Flip, justamente para dar conta do público crescente e diversificado. Outro detalhe que me chamou a atenção foi a presença participativa dos moradores de Paraty. Quer dizer, não se trata de um festival no estilo do turismo predatório, que se aproveita do lugar e depois vai embora sem acrescentar nada mais além da devastação ambiental e social. Há toda uma preocupação em engajar a comunidade desde os primeiros momentos da montagem da programação, de modo a respeitar os limites dos habitantes, escutá-los, dar a eles espaço próprio de atuação e diálogo e, principalmente, deixar  sementes frutificando quando a Flip termina. Essa constatação me animou e me deixou de consciência tranquila.
Ficha técnica do livro
Título: Semana de 22
Subtítulo: entre vaias e aplausos
Coleção: Pauliceia
Autor(a): Marcia Camargos
Páginas: 184
Ano de publicação: 2002
ISBN: 85-7559-020-0
Preço: R$ 32,00
Editora: Boitempo
(*) Paulo Pastor Monteiro é estudante de jornalismo da Unesp.

O desafio da integração na América Latina

A América Latina passa por um processo de transformações geopolíticas bastante intenso. É fácil perceber o crescente nível de mobilização popular, uma participação de maior destaque nas discussões globais e a rápida recuperação pós-crise. O “III Simpósio de Comunicação e Cultura da América Latina”, realizado pelo CELACC ( Centro de Estudos Latinos Americanos de Cultura e Comunicação), entre os dias 29, 30 3 31 de março, no Memorial da América Latina (SP), colocou em pauta esse importante momento histórico e propôs, no seu próprio tema, uma nova forma de se observar essa realidade: “Integrar para além do mercado”.
O professor doutor Dennis de Oliveira(ECA/USP), um dos responsáveis pelo Simpósio, explica que é bom perceber o maior peso econômico da América Latina no mundo e a aproximação entre os seus países. Porém, lembra que a vida das pessoas não se limita à índices da economia: “devemos pensar em uma integração dos povos, não queremos somente integrar as economias, mas levar em consideração as demandas dos movimentos sociais, dos direitos humanos”.
O pensamento mais humanístico e abrangente que leva em conta o passado, as raízes culturais, o desenvolvimento social e as relações culturais foram temas sempre lembrados nos grupos de trabalhos e mesa-redonda do encontro. De acordo com Oliveira, “somos ( América Latina) mais parecidos do que pensamos”, o conhecimento das diferentes expressões culturais dos países latinos colabora para essa aproximação.
Integração e Novos Horizontes
Na palestra de abertura realizada pelo professor Emir Sader,  foi feito um recorte das novas experiências da América Latina apresentando uma visão muito positiva: “Somos a única região do mundo que oferece alternativas ao neoliberalismo, só aqui é feito algo de diferente”.
Na visão do sociólogo, para se entender as transformações políticas e sociais devemos trazer à lembrança dois fatores: a onda dos governos neoliberais e a ação isolada e autoritária da única superpotência do mundo, os EUA.
Sader aponta que a sequência de governos defensores do estado mínimo, de uma maior participação do setor privado na sociedade e da liberalização econômica, foram os responsáveis por criar uma situação de tensão no continente. Pois pequenos grupos, muitos deles estrangeiros, enriqueciam com o desmonte do estado e a população não recebia políticas sociais adequadas.
O acúmulo dessa insatisfação foi determinante para que lideranças que pregavam um valor de políticas públicas voltadas para as classes mais carentes conseguissem chegar ao poder.“Os povos sentiram necessidade de governos voltados para todos e não só para os poucos detentores do capital, o sucesso deles é que fez os antigos governos sejam tão mal avaliados hoje”, explicou Sader.
O fim da União Soviética e assim da bipolarização do mundo, deu aos Estados Unidos da América a liberdade necessária para agir de acordo com os seus interesses e de interferir em qualquer parte do mundo. As intervenções militares, de forma direta ou indireta, colaboraram para a desestabilização de governos e acabou sufocando os movimentos sociais contrários aos seus interesses.
Além da presença por meio da força física, outro artífice usado foi a indústria cultural- comunicacional estaduniense. Ao englobar a cultura à lógica do mercado de consumo eles conseguiram disseminar os seus valores e idéias e, mais do que isso, transformá-los em pensamento único, verdades absolutas. Sader aponta dois exemplos dessa substituição de conceitos: “ Democracia liberal, que é a que temos na maioria dos países, virou sinônimo de democracia, tanto que nem se usa mais a palavra liberal. O mesmo aconteceu com economia capitalista, a impressão que se tem é que economia capitalista é a única economia possível”
Os governos mais progressistas da América Latina são, portanto, importantes não só para os seus povos, mas, também, para todos os países que querem construir projetos de sociedades mais preocupados com as pessoas do que com os lucros. Questionado se a América Latina vive só uma fase ou processo estável de transformação, Emir Sader responde: “em alguns casos o processo vai continuar, como Bolívia e Uruguai , Argentina e Brasil são os próximos. O povo vai decidir se o governo Lula é um parênteses ou uma ponte para se sair desse modelo. A decisão de continuidade cabe aos povos”.
Proximidade cultural
O bom momento econômico da América Latina e a preocupação dos seus líderes em estabelecer políticas e parcerias comuns têm proporcionado uma aproximação e mais diálogo entre os seus países.  Oliveira (USP) acredita que é importante aproveitar essa oportunidade para conhecermos melhor os novos vizinhos. “Um dos lemas do CELACC é ‘conhecer para transformar’, o simpósio tem esse objetivo de produzir a troca de experiências de produção cultura e social”
Para o professor da USP, esse distanciamento se deu, principalmente, por causa das elites que controlaram os países desde o período colonial. Elas sempre tiveram um “olhar para fora, para a elite dominante da vez”. Ao alinharem os seus interesses aos das nações mais poderosas, as relações intercontinentais eram ignoradas ou relegadas.
Esse posicionamento político e econômico acabou interferindo negativamente na relação cultural entre os países da América Latina, porque também nesse assunto as elites privilegiavam a Europa ou Estados Unidos. Quanto a isso, Dennis Oliveira considera que “esse olhar para Europa que as elites possuem é um olhar de submissão e não é possível você olhar uma cultura que é totalmente diferente e que foi opressora no processo de integração.”
A nova postura dos atuais governos latinoamericanos, pelo menos aqueles que se posicionam como antiliberais, tem colaborado na criação de relações não só econômicas como também culturais, sociais e educacionais.
Quanto à relação do Brasil com o restante da América Latina, Oliveira concordou com a ideia de que os brasileiros não se sentem latinoamericanos. Segundo ele, isso de fato acontece e se deve a preferência dos grupos dominantes em consumirem e reproduzirem a cultura européia e, ultimamente, estadunidense. No entanto, esse quadro tem mudado nos últimos anos, principalmente pelo papel de líder do continente que o Brasil tem assumido.
A média da comunicação
O debate da comunicação foi apresentado como extremamente importante para a compreensão do continente. A veiculação e produção cultural dentro da lógica de mercado, a função da mídia no debate público e o quadro de disputa dos grupos hegemônicos com o governos foram alguns dos pontos debatidos.
A professora doutora Mariângela Haswani Furlan (ECA/USP), disse ter percebido uma abordagem muito interessante da indústria cultural. Os trabalhos apresentados no Simpósio não se limitaram a criticar a relação, algumas vezes perversa, da cultura e indústrias, mas souberam perceber que ela pode ser um importante meio de divulgação e consumo dos bens culturais.
Para o professor Dennis Oliveira a grande concentração dos meios midiáticos na América Latina é a responsável por tirar do público o direito de se manifestar, de ter voz. Os governos progressistas, os quais estão sendo acusados de desejo de controlar a mídia e restringir a liberdade de expressão, na verdade, buscam garantir, através da regulamentação, a participação dos grupos sociais dentro dos espaços públicos de comunicação que, por serem concessões, pertencem a nação e não a pequeno grupos.
Próximos Passos
Tanto Emir como o Dennis julgam como bastante interessante e com um grande potencial o atual momento do continente. Porém, de acordo com os professores, é preciso observar com atenção esse processo, pois há forças externas contrárias a ele.
O professor Dennis confessou ter se surpreendido com a participação do público e com o grande número de trabalhos inscritos, ambos os números praticamente duplicaram, sendo que nesse III Simpósio foram apresentados 200 trabalhos e feitas 600 inscrições.
Segundo ele, isso é um indicador que a temática da América Latina vem atraindo um interesse maior tanto dos pesquisadores como do público em geral. Talvez, no futuro tenhamos uma América Latina para latinoamericanos.
(*) Paulo Pastor de Carvalho é estudante de jornalismo. Colaborou Alessandra Possebon.

O Pão e Circo de cada dia

Será, que vivemos em um repetição da política que ocorria no tempo dos Césares?
Um pouco de história: A política do pão e circo foi a forma encontrada pelo Estado Romano para controlar as massas que, mesmo em face à miséria e exploração que viviam, não se revoltavam devido à distração proporcionada pelo pão barato e os jogos, como os de gladiadores, que o Império oferecia. O aprendizado: as massas podem ser controladas, independente do grau de penúria em que se viva, basta oferecer algo que ocupe as mentes delas e afaste o pensamento dos reais e graves problemas que as afligem diretamente.
Li alguns artigos comentando que a cobertura jornalística e atenção do público para a tragédia sobre o Haiti acabaria perdendo espaço para outros assuntos, digamos, com um grau de importância relativamente menor. Alguns exemplificam apontado o Big Brother Brasil como um dos prováveis novos assuntos pautados e abordados pela grande mídia.
Nas páginas dos principais provedores, as chamadas de matérias e fotos referentes ao país mais pobre da América Latina já perdem lugar para o rosto dos “brothers” que estão no paredão ou a última briga da casa. Em um dos textos, havia um comentário de um leitor lembrando da política do pão e circo – por isso a introdução – para explicar esses fenômenos de alteração de foco, os quais acontecem por aqui com uma incômoda frequência. Será, que vivemos em um repetição da política que ocorria no tempo dos Césares?

As diferenças com o passado

Assim como em Roma, existe uma grande massa a ser controlada e boa parte dos meios de comunicação funciona, na sua essência, da mesma forma que o palco da luta dos gladiadores. Mas, será que naquela época havia tantas pessoas que, conscientemente, queriam o “pão e o circo” para ignorarem ou substituirem os problemas a sua volta, para lidar melhor com a realidade?
Se antes os imperadores romanos precisavam conquistar outras terras e fazer diversos acordos para manter a alta produção e o baixo preço do trigo, hoje é boa parte da população que escolhe entretenimentos que ignoram ou tratam a realidade com superficialidade. É verdade, que parte considerável da população não consegue ver a estrutura usada para controlar a sociedade. Pode-se acusar a falta de formação, porém não foram só as pessoas com pouca educação formal e crítica que transformaram Avatar no filme mais visto da história.
Mesmo os que percebem o quão pouco o BBB acrescenta no seu cotidiano, perdem algumas horas do seu dia vendo algum ‘acontecimento importante’ da casa. As novelas com as praias do Leblon e com carros luxuosos são a última preocupação, antes de ir para a cama,da maioria das famílias brasileiras. Por que isso acontece? Por que um desastre que mata mais de 100 mil pessoas só merece atenção da mídia televisa durante duas semanas e os realities shows conseguem repetidas edições que duram dois ou três meses?
Vivemos em uma sociedade que ensina valores como a conquista sobre os outros, a vitória do mais forte, o individualismo, a ostentação, a alegria fácil e rápida, tudo é uma mercadoria que pode ser comprada com meu esforço. Passar muito tempo voltado para questões como a vida de 80 % da população de um país abaixo da linha da pobreza ou pessoas que não têm onde dormir e que perderam filhos por causa de desabamentos não combina com o ideal de realidade que as televisões, jornais e revistas desejam vender. Quando essas questões saltam aos olhos, afinal não podem ser ignoradas sempre, o tratamento é cosmético, superficial. Dessa forma, fica fácil acalmar e tranquilizar o público com as maravilhas tecnológicas do Campus Party.
Seguindo o mesmo roteiro?
Os grandes veículos de comunicação que deveriam cumprir a função de alertar a sociedade, parecem estar esperando ocorrer novos deslizamentos, no próximo ano, para, seguindo o script de sempre, chocar a sociedade com o choro de mães, filhos e pais e o olhar desolado de quem perdeu o pouco que tinha.
Será que algum repórter que, hoje, visita os bairros pobres vai acompanhar o planejamento – ou a falta dele – para se evitar novos desastres e mostrar para as pessoas o que está ou não está sendo feito? Ou a cobertura jornalística, assim como em um circo, tem servido para distrair por algumas horas e simplificar a realidade. Não seria o ideal ir até a raiz do problema, contextualizá-lo? No caso do Haiti, quem faz um acompanhamento um pouco mais ligeiro das notícias, pode ficar com a sensação de que o terremoto do dia 12 é o culpado de toda miséria e falta de estrutura do país, quando sabe-se que a história do país está ligada à exploração imperialista das nações mais poderosas militarmente.
Não dá para isentar de culpa nem os comunicadores que informam sem criticidade, ou o público que tem uma ‘distorção’ das prioridades. Mas, a responsabilidade dos que têm os canais de informação não pode ser relativizada, são eles que oferecem o conteúdo com o qual a população toma ciência do mundo. Infelizmente, a opção escolhida é de alienar a sociedade com doses de divertimento sem sentido ou notícias de baixa qualidade e pouca profundidade.
(*) Paulo Pastor Monteiro de Carvalho é estudante de Jornalismo da Unesp.