Num texto datado de 1882, um mestre da comunidade dos Himalaias (próximo ao planalto tibetano) escreveu que “a natureza uniu todas as partes do seu Império por meio de fios sutis de simpatia magnética, e há uma relação mútua até mesmo entre uma estrela e um homem”.
Quem traz esse texto à tona é Carlos Cardoso Aveline, em seu livro “A Vida Secreta da Natureza” (ed. Bodigaya, 156 págs), procurando destacar a essência da percepção ecológica da vida.
Tudo, absolutamente tudo que está ao nosso redor, ligados à nossa vida, tem uma íntima relação com a natureza. Não por acaso, “no universo e na natureza tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias”, disseram os físicos Niels Bohr (1885-1962) e Werner Heisenberg (1901-1976).
Somos parte do universo, feitos do mesmo pó cósmico que se originou com a explosão das grandes estrelas vermelhas. Nossa relação com as estrelas é ainda maior, afinal, são elas que auxiliam o processo de conversão do hidrogênio em hélio e, da combinação entre esses gases efluem o oxigênio, o carbono, o nitrogênio, o fósforo e o potássio.
Sem essa rica combinação, não seriam possíveis os aminoácidos (essenciais para a produção de mais de 50 mil proteínas e mais de 15 mil enzimas, incluindo as enzimas digestivas), indispensáveis à vida. Por isso há uma especial relação entre uma estrela e um homem, conforme mencionado.
Fato inexorável é que a grande comunidade da vida une todos os seres numa mesma relação, abrigados numa mesma Casa (Eco), do grego (oikos) que, em conjunto com logos, (logia, cujo significado é ciência), fez surgir o termo Ecologia, empregado pela primeira vez em 1866, pelo biólogo Ernest Haeckel (1834-1919).
Das bactérias aos seres humanos há em todos o mesmo código genético de base, os mesmos aminoácidos e as mesmas bases fosfatadas, diferenciando apenas as combinações destes elementos.
Somos, assim, parte da biodiversidade e não é com muito esforço que se pode concluir que nosso corpo é um ecossistema, afinal, abrigamos, dentro de nós, mais ou menos 71% de água (a mesma porcentagem que há no Planeta Terra); nossa taxa de salinização do sangue (3,4%) é a mesma dos mares. Simplesmente, 60% do nosso corpo é oxigênio. Há dentro de cada um de nós mais de 100 trilhões de células compartilhando átomos com tudo o que está ao nosso redor. Certamente, essa é uma clara percepção ecológica da vida.
Habitamos uma Terra que se formou em sua origem de matéria cósmica, composta basicamente de silício, oxigênio, alumínio e ferro. Essa relação homem-seres vivos-natureza-Terra-vida é tão intensa que até mesmo em ambientes inóspitos é possível encontrar sinais de vida, como nas profundezas oceânicas de mais de três quilometros, aonde a luz solar não chega e a pressão é extrema; ou nas crateras de vulcões com temperaturas assustadoras; ou ainda, em regiões com alta radiação, nos diz Henrique Lins de Barros, em “Biodiversidade” (ed. Fiocruz, 94 págs).
Assim, com as coisas da natureza a vida vai evoluindo, moldando-se e se afirmando, sempre num processo de contínuo aperfeiçoamento, pois a natureza, tal como a própria vida, dia a dia nos apresenta uma novidade, basta olharmos com atenção para isso.
Leonardo Boff, reiterando a relação vida-natureza, comenta que sem os elementos da natureza, da qual o ser humano é parte e parcela, sem os vírus, as bactérias, os micro-organismos, o código genético, os elementos químicos primordiais, ele (ser humano) não existiria.
Somos filhos e filhas de Gaya (a Mãe Terra) que nos abriga. A percepção ecológica da vida humana, bem como a percepção da vida ecológica, se reflete por toda parte, em todos os cantos, em todo momento, quer seja numa simples gota d´água ou na queda de uma cachoeira, nos ventos que produzem energia, num grão de areia que junto ao cactus é capaz de embelezar a aridez escaldante do deserto, na massa de ar, nas folhas verdes, na chuva que faz florir, no lírio que floresce no lodo, na multiplicidade da vida aquática, no afinadíssimo canto dos pássaros, nas abelhas que polinizam as flores nos dando o alimento, nos fitoplânctons que produzem o oxigênio que respiramos. Isso tudo é a abundante riqueza ecológica que perfaz a essência da vida, que embeleza, sobremaneira, a magia do viver.
Carl Sagan (1934-1996) certa vez afirmou que “há seres que deslizam, rastejam, flutuam, planam, nadam, escavam, caminham, galopam ou apenas ficam imóveis e crescem verticalmente durante séculos. Alguns pesam 100 toneladas, mais a maioria é menor que um bilionésimo de grama. Há organismos capazes de enxergar sob luz infravermelha ou ultravioleta; e há seres cegos que percebem o ambiente envolvendo-se num campo elétrico. Alguns armazenam luz solar e ar; alguns são plácidos comedores de pastagens; outros caçam sua presa com garras, dentes e venenos neurológicos. Alguns vivem uma hora e, alguns, um milênio”.
Assim é a vida no seio do sistema ecológico, e é assim que ocorre a percepção ecológica da vida.
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Menos produção e mais proteção
Nos últimos 60 anos, a economia mundial expandiu-se de forma considerável. Em 1950, o PIB mundial era de quase US$ 5 trilhões; em 2000, saltou para US$ 50 trilhões. Nove anos depois, já estava em US$ 70 trilhões. Em 2012, chegou a US$ 71,3 trilhões. Em 1945, os Estados Unidos, concentravam, sozinhos, 50% do PIB mundial; hoje respondem por 1/3 da produção global. Entre 2000 e 2050, a taxa anual de crescimento econômico deverá ficar, na média, em 3,5% ao ano. Nas próximas quatro décadas, a produção global irá crescer quatro vezes mais. Em 2050, muito provavelmente teremos um PIB global próximo a US$ 280 trilhões.
Se a maior economia do planeta – EUA – de um lado, terá seu tamanho econômico global reduzido, como já vem acontecendo, do outro, o resto do mundo continuará pisando firme no acelerador do crescimento, expandindo a produção econômica.
Buscando afirmar todo esse crescimento econômico, a atividade industrial mundial, como já o faz em larga medida, continuará não respeitando os limites da natureza, ultrapassando as fronteiras ecossistêmicas, fazendo adoecer mais ainda o já gravemente enfermo planeta Terra.
Desde as últimas seis décadas, esse crescimento econômico sem limites virou sinônimo de derrubar árvores, queimar florestas, aquecer o planeta, poluir o ar, a água e destruir os principais serviços ecossistêmicos (serviços de manutenção da vida no planeta).
Ao praticar essa depredação ecológica, agredindo a natureza na extração, produção e no consumo final ao descartar resíduos e poluir o planeta, a economia mundial vêm contribuindo para que a qualidade da vida humana se dilua no ar.
Ao agir assim, a atividade econômica, conduzida pelos fiéis defensores do crescimento econômico como “receita” infalível de prosperidade, ignora dois importantes pontos: 1) a finitude da biosfera; e 2) os passivos ambientais decorrentes do rompimento dos limites impostos pela natureza.
Contudo, como o mercado pressiona (e continuará pressionando) por mais e mais crescimento econômico, por níveis de produção cada vez mais expansivos, pouca importância darão os “administradores econômicos” aos estragos ocasionados sobre o capital natural.
Com isso, confrontar-se-á ainda mais a “necessidade” de crescimento econômico versus a capacidade de suporte da Terra.
Assim, se intensificará a agressão ecológica, agravando mais ainda a debilitada saúde do planeta Terra.
Para conturbar um pouco mais esse candente confronto, todo dia chega mais gente ao mundo, aumentando a pressão sobre a natureza. A cada novo dia, 220 mil crianças nascem no mundo. Ao ano, são mais de 80 milhões de novos habitantes num planeta que não aumentará de tamanho. Em 2050, dividiremos o mundo (o mesmo espaço físico de sempre) com 9,5 bilhões de pessoas, aumentando consideravelmente a pressão por mais produtos, desequilibrando mais ainda o meio ecológico, provocando mais desigualdades socioeconômicas.
Atualmente, 20% da população mais rica do mundo utilizam ¾ dos recursos naturais, abocanhando 80% de toda a produção global, enquanto 1 bilhão de pessoas (14% da população mundial) dormem todas as noites com as bocas esfaimadas e os estômagos vazios.
Nesse conflito, os recursos naturais se exaurem, o planeta adoece e a vida se degrada.
A agressão sobre o meio ambiente e os serviços ecossistêmicos é intensa. Os oceanos – o maior dos ecossistemas – em 2048, segundo a FAO/ONU, não nos fornecerão mais alimentos, dada à taxa de extração exagerada que vem sofrendo. Vinte e cinco por cento dos solos do planeta estão hoje degradados e a tendência é que isso aumente ainda mais nos próximos anos.
Não obstante, a economia continuará sua sanha exploratória por mais produção, queimando petróleo, gás e carvão, derrubando e queimando florestas, contribuindo assim para o aquecimento global (efeito estufa) que tenderá a se tornar mais insuportável.
Isso tudo resulta numa agressão sem limites imposta pela atividade econômica sobre a base dos recursos naturais. Se isso tem um nome apropriado, certamente chama-se desastre ecológico! A culpa? Grande parte dela, como deixamos claro, pode ser creditada na conta da atividade econômica.
De uma vez por todas, é importante reiterar que o mundo não precisa de mais PRODUÇÃO; precisa, sim, de mais PROTEÇÃO.
Um convite à ação
(Para Cristovam Buarque,
nosso mais proeminente semeador de utopias)
Profícua, mobilizadora e instigante a leitura do novo livro de Cristovam Buarque (“Reaja”, ed. Garamond, 54 páginas). Um pequeno livro – no formato – mas “grande” em conteúdo, com uma capacidade ímpar de nos chamar à mobilização em torno de um único movimento: reação.
O livro é um “convite” para reagirmos frente aos desmandos políticos e institucionais, frente às desigualdades socioeconômicas, às incoerências do setor público, à brutal agressão ambiental patrocinada pela sanha consumista alimentada por produções excessivas, à corrupção em diferentes níveis, a falta de moral que permeia algumas Instituições do “alto poder” nacional.
Com mais esse livro, Cristovam Buarque promove, na verdade, um panfleto-manifesto. Uma espécie de “grito de alerta”, um convite/chamado à ação para a reação, para que não nos acomodemos; para que não deixemos escapar a arte de sonhar, ainda que sejam sonhos impossíveis, meras quimeras ou tópicas utopias, mas que, nem por isso, deixam de ser possível realizá-las, dentre essas, a de transformar o mundo.
A cada página, uma reflexão nos chamando a tomar consciência. A cada tópico, um especial pedido para que lutemos bravamente na construção de um mundo melhor, de um meio ambiente que não sofra com o descaso da economia produtivo-expansiva e possa “respirar” aliviado, sem a pressão exercida por uma economia do crescimento que destrói para se fazer grande e pujante.
Um convite, um chamado, uma conclamação para que todos lutem, por exemplo, “contra uma civilização que produz quase setenta trilhões de dólares por ano, dez mil por pessoa”, mas que, em muitos casos fecha os olhos para as “crianças com fome, sem roupas, brinquedos, higiene” (p. 9).
O texto brada para que não deixemos de protestar frente aos desmandos de uma estrutura econômica que destrói a natureza em nome do progresso, em nome de fazer a economia crescer para assim fazer sorrir o mercado de consumo, de uma economia que pouco se importa se, para produzir mais mercadorias, rios são poluídos, o ar é contaminado, os recursos hídricos são escasseados, a biodiversidade é ultrajada.
Por isso o autor de “Reaja” pede para que não nos acostumemos “com o fato de que, para acender a luz de sua casa, foi preciso destruir florestas, expulsar índios de seus hábitats, exterminar espécies biológicas e até biomas inteiros” (p. 10)
O texto de Buarque ecoa como um grito de ordem para que reajamos às imposições vindas do mercado, consubstanciadas numa economia brutalmente desigual que separa e não inclui, de uma macroeconomia da injustiça social, de uma estrutura política perversa e tacanha que, em pleno século XXI, ainda privilegia quem tem os bolsos e as contas bancárias mais cheias de cédulas ou influência e apadrinhamentos múltiplos, que apenas nos vê (só em épocas de campanha eleitoral) como “eleitores”, não como cidadãos.
“Reaja à propaganda que amplia suas necessidades e manipula seus gostos e gastos” (p.24). Eis aqui um grito contra esse “deus mercado” que nos quer “converter” à “religião do consumo fácil”, conspícuo (como gostam de dizer os economistas), regado de futilidades (como observam e nos alertam os filósofos)
“Reaja contra a economia que considera produtos as armas que matam e comemora o aumento da riqueza medido pelo uso delas” (p. 27). Eis aqui a estupidez de um indicador chamado PIB que contabiliza de bom grado as mortes, os terremotos, os desastres automobilísticos, a poluição dos rios, pois tudo isso faz a economia crescer, faz o PIB disparar e ajuda a eleger (dá votos) muita gente.
Ao nos chamar à reação contra todos esses desmandos, Buarque deixa expresso nas páginas de “Reaja” o sentimento de que a vida só tem sentido quando passamos por ela com o intuito de transformar algo, de não nos acomodarmos à letargia, mas, antes, de colocarmos mãos na massa para moldarmos um novo mundo, um mundo diferente, mais fraterno, pautado numa nova maneira de construir às relações que enlaçam o nosso dia a dia numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida.
Esse “reaja” propagado por Buarque vem nos alertar para o “não se acostume”, evidenciando que uma eficaz saída para superarmos os mais diferentes desequilíbrios passa pela mobiliz(ação), pela re(ação) e pela agiliz(ação).
“Não se acostume com o conforto pessoal que vem da concentração de renda e com o custo de destruição ambiental. Lembre que hoje não nos acostumaríamos com os privilégios da nobreza ou com a exploração de escravos. E naquele tempo todos estavam acostumados. Não se acostume agora com o luxo dos ricos ao lado da miséria dos pobres. Escravocratas são todos os que vivem indiferentes à pobreza que os rodeia.” (p.36)
Esse “Reaja” se enquadra naquela linha de análise defendida por Leonardo Boff: “Ideias boas podemos até tê-las aos montes, mas o que de fato move o mundo são as nossas ações”.
Dito ainda de outra forma por L. Boff, esse “Reaja” de Cristovam Buarque pode ser assim resumido: “O que convence as pessoas não são as prédicas, mas as práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem em marcha”.
Para sorte de todos nós, a história está repleta de exemplos que corroboram com o texto apresentado por Cristovam Buarque. De nossa parte, que não deixemos “escapar” mais essa oportunidade.
Crescimento destrutivo
Atrelado a isso, têm-se que o processo econômico produz calor pelo consumo de natureza, que se degrada em calor tal qual descreve a lei da entropia. Assim, uma economia que entra acelerando na rota do crescimento contínuo produz mais calor que é aprisionado pelo efeito estufa, aquecendo a atmosfera, provocando na ponta final catástrofes ecológicas e a destruição socioambiental.
Estudos realizados mostram que nos últimos 160 anos a temperatura média da Terra sofreu uma elevação de 0,5 ºC e, se persistir a atual taxa de poluição atmosférica (no mundo, a cada minuto, 10 mil toneladas de dióxido de carbono são lançadas na atmosfera), prevê-se que entre os anos 2025 a 2050 a temperatura sofrerá um aumento de 2,5 a 5,5 °C. As principais conseqüências seriam a alteração das paisagens vegetais, que caracterizam as diferentes regiões terrestres, e o derretimento das massas de gelo, provocando a elevação do nível do mar e o desaparecimento de inúmeras cidades e regiões litorâneas. Na Antártida, cerca de 3 mil Km2 de geleiras viraram água entre 1998 e 1999. Dezenas de ilhas da Oceania, entre elas Fiji, Nauru, Tuvalu e Vanuatu, correm o risco de submergir com o aumento do nível dos oceanos. No Recife, capital de Pernambuco, o contorno da praia está encolhendo ano a ano.
O fato real é que para “custear” o crescimento econômico promove-se a destruição ecológica. Para fazer a economia se expandir, mina-se as bases de sustentabilidade destruindo os frágeis equilíbrios ecológicos dos quais depende a conservação dos ecossistemas e da própria vida. Isso explica o fato de a ciência econômica “dominar” o mundo através do automatismo do mercado, tratando a natureza como mero objeto de trabalho.
Lamentavelmente, o planeta não “gira” regido pelas leis do universo e da natureza, mas pelas ordens impostas no mercado global. Isso resulta que estamos submetidos a uma racionalidade de um poder concentrador da riqueza, gerador de desigualdades e insustentabilidade.
A economia neoclássica (a economia tradicional) não faz nenhuma “força” para entender que a degradação ambiental não se deve a causas naturais; sua existência está relacionada às ações antrópicas. Não obstante, como bem apontou o economista mexicano Enrique Leff, “os tomadores de decisões continuam dando mais importância aos imperativos do crescimento econômico e à estabilidade macroeconômica nas políticas de desenvolvimento sustentável que aos estudos prospectivos sobre o risco ecológico e o desencadeamento do aquecimento global”.
Essa economia neoclássica não pode desconsiderar um fato primordial: a economia se alimenta da natureza; o processo econômico ao se “alimentar” de matéria e energia transforma esses recursos em calor, respeitando assim a segunda lei da termodinâmica (entropia). Com o avanço do processo econômico avança-se junto à concentração de GEE.
Até antes da Revolução Industrial essa concentração de gases de efeito estufa na atmosfera manteve-se abaixo dos 280 ppm (partículas por milhão). Atualmente, os níveis de CO2 na atmosfera equivalem a 430 ppm. O otimismo fica por conta do seguinte: se forem tomadas medidas a tempo, em 2050 poderá ocorrer um equilíbrio entre 450 e 550 ppm.
Até chegarmos lá, cabe pensar e repensar seriamente em “refundar” a economia sobre suas bases ecológicas ajustando os “mecanismos” da economia às leis da termodinâmica, fazendo com que a economia neoclássica deixe de negar a contribuição dos processos ecológicos para a produção e passe a “entender” definitivamente que o crescimento não é a solução, mas sim o problema.
Overshoot ecológico
Essa sociedade de produção e de consumo, na verdade, de hiperprodução e hiperconsumo, produziu em escala mundial o overshoot ecológico (transbordamento), ou seja, esgotou-se o estoque da natureza sob a forma de biocapacidade – o montante de recursos que o planeta regenera a cada ano – e o compara à demanda humana. Transbordou-se o montante necessário para produzir todos os recursos vivos que consumimos e absorver nossas emissões de dióxido de carbono.
Desde 1970, nossa pegada de carbono (quantidade de terra e área marítima necessária para absorver todo o CO2 que emitimos) mais do que duplicou. De acordo com o Living Planet Report 2010, a humanidade usava em 2007 (último ano para o qual se têm dados) o equivalente a um planeta e meio para suportar suas atividades.
E por que isso aconteceu? Porque a economia não respeita (na verdade, ignora) os limites da natureza. A atividade econômica produtiva (o sistema econômico que nada mais é que um subsistema da natureza) ignora as fronteiras ecossistêmicas e obedece cegamente à ordem que emana do mercado que “pede” mais crescimento com mais produção.
Isso resulta na depredação dos vitais ecossistemas, no aquecimento global, na erosão da biodiversidade, na degradação dos recursos hídricos. Lamentavelmente, o sistema econômico não leva em conta a premissa de que mais crescimento físico da atividade econômica significa completo esgotamento de recursos da natureza; em outras palavras, em aumento de entropia (degradação).
Não há como negar: aumento da produção econômica (mais produtos) representa menos florestas, solo, água, ar, clima estável e, no final, mais resíduos e poluição. Para se fazer um hambúrguer de 100 gramas são necessários 11 mil litros de água. A fabricação de um jeans consome 8 mil litros de água e o equivalente a 32 quilos de recursos naturais. Esse raciocínio é bem simples: a partir de certo tamanho da economia, há mais custos (e perdas) socioambientais que benefícios (e ganhos) oriundos da produção material.
Não por acaso, desde os anos 1960, o PIB mundial foi simplesmente multiplicado por cinco; nos anos 2000, o produto bruto mundial cresceu, em média, a um ritmo de 3,7% ao ano; entretanto, desde os últimos 60 anos, a partir do pós-Segunda Grande Guerra, quando se consolida a busca pelo crescimento econômico como paradigma supremo das políticas governamentais, mais de 60% dos principais serviços ecossistêmicos foram destruídos (transbordou) à exaustão.
Vale reiterar: esse “transbordamento” (overshoot) deve ser creditado à estapafúrdia ideia de fazer a economia (um sistema aberto dentro do ecossistema) crescer, entendendo, erroneamente, que diante disso repousa a melhora substancial do padrão de vida das populações.
Com isso, implica-se em mais poluição (a poluição dizima 1,5 milhão de pessoas ao ano ao redor do mundo), mais produção de lixo (o mundo produz cerca de dois milhões de toneladas de lixo domiciliar por dia; são cerca de 730 milhões de toneladas ao ano), considerável perda de ecossistemas/biodiversidade, consumo exagerado de matérias-primas não renováveis, mais e mais emissões de CO2 (se durante os anos 1990 as emissões de CO2 aumentavam ao ritmo de 1,3% ao ano, durante os anos 2000 esse ritmo subiu para 3,3% ao ano) e, claro, como consequência, menos meio ambiente.
A perda de ecossistemas é gravíssima. Para ficarmos apenas num único exemplo: o maior de todos os ecossistemas, os oceanos (mares e oceanos representam 71% da superfície da Terra), estão em corrente processo de esgotamento. O Fundo de Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) já declarou que em 2048 não poderemos tirar dos oceanos nenhum recurso alimentar significativo. Mais de 90% dos estoques de peixes predadores de grande dimensão, como o atum, peixe espada e o bacalhau já foram capturados. Entre os anos 1950 e o momento presente, a pesca total em águas abertas e abrigadas passou de 20 milhões para 95 milhões de toneladas métricas.
Período “antropoceno”
As extinções de fauna e flora, fruto da ação antrópica, alcançou ritmo jamais visto no último século; razão essa que levou o Nobel de química, Paul Crutzen, a declarar que desde o final do século XVIII “entramos” no período “antropoceno”, ou seja, na era em que predomina a influência (agressão) humana sobre a biodiversidade.
Por tudo isso é urgente à necessidade de reconstruir a sociedade (e, especialmente a maneira como a economia atua em sua relação com o meio natural) em torno de outros valores, longe da sanha consumista.
Se pretendemos alcançar com eficiência a política da sustentabilidade, obrigatoriamente o sistema econômico deverá passar pela capacidade de atingir prosperidade sem crescimento. Uma vez reconhecendo que a pressão humana sobre o sistema ecológico é expansiva e dilapidadora, três fatores precisam ser contornados para essa reconstrução acontecer satisfatoriamente: i) segurar o aumento populacional (em 1900, a população mundial era de 1,5 bilhão de habitantes. 85 anos depois, o planeta atingiu 5 bilhões de pessoas e, em apenas 28 anos depois, o mundo “ganhou” mais 2 bilhões de habitantes); ii) estancar o nível de consumo e, iii) reduzir o uso de novas tecnologias voltadas exclusivamente ao aumento da produtividade do trabalho – base de aceleração da economia.
Esse conjunto de fatores – em especial, os dois últimos – passa por “encaixar” a atividade econômica dentro dos limites dos ecossistemas. A economia não pode mais “funcionar” sob o paradigma do crescimento. Tão importante quanto isso, é o fato da economia neoclássica – fascinada pela ideia de equilíbrio e liturgicamente adepta do dogma do crescimento – reconhecer aquilo que é mostrado com bastante clareza pela segunda lei da termodinâmica (parte da física que estuda as transformações energéticas) que o “circuito econômico” não funciona no vazio, mas dentro da biosfera.
Urge “renovar a economia” substituindo a obsessão material, privilegiando o elo social ao invés da satisfação individual, como bem apontou Hervé Kempf. Por fim, cabe perguntar: seria isso mera utopia? Não! Definitivamente, não. Utopia maior consiste em acreditar que podemos continuar no caminho atual de exploração desenfreada dos recursos naturais e que isso, num breve amanhã, não afetará os destinos da humanidade.
(*) Marcus Eduardo de Oliveira é professor de economia. Mestre em Integração da América Latina (USP).
O posicionamento ecológico deve estar acima do econômico
Na essência, busca-se alcançar e cumprir três princípios básicos que estão referenciados no Relatório Brundtland (publicado em 1987), também conhecido como “Nosso Futuro Comum”: desenvolvimento econômico (aspiração imanente da humanidade), proteção ambiental (o cuidado para com a nossa Casa Comum, a Mãe Terra) e equidade social (a inclusão dos excluídos).
Com isso, para superar a dicotomia acima referenciada tem-se um evidente questionamento do ecologismo sobre a racionalidade econômica, tendo em conta que essa última, pelas lentes do pensamento neoclássico – que em geral forma a maneira de pensar dos economistas – pouco se importa com as consequências (degradação do capital natural) ambientais advindas de uma política de intenso estímulo ao crescimento econômico.
Por sinal, alcançar o crescimento a qualquer custo se transformou numa espécie de obsessão da macroeconomia convencional, ignorando com isso os graves distúrbios gerados na biosfera, pondo em risco a base de sustentação da vida, uma vez que, em decorrência da expansão econômica produtiva, os limites biofísicos são completamente desrespeitados. É a atividade econômica dilapidando o capital natural.
Nesse pormenor, cabe citar uma importante passagem que consta do Manual Global de Ecologia (1993): “A produção de alimentos, energia e artigos industrializados está fortemente relacionada à deterioração do sistema que garante a vida na Terra. Entre 1950 e 1986, quando a população do mundo duplicou, o consumo de grãos aumentou 2,6 vezes, o uso de energia cresceu 3,2 vezes, a potência efetiva da economia quadruplicou, e a produção de bens manufaturados cresceu sete vezes. (…) Atualmente, o ser humano consome em alimentos, direta ou indiretamente, cerca de 40% do total de terras cultivadas no mundo”.
É exatamente por esse tipo de atuação invasiva (a atividade humana interferindo nos ciclos naturais da Terra) que o crescimento econômico não pode continuar sua “jornada” de deterioração dos recursos naturais e dos ecossistemas.
Continuar estimulando a aceleração do crescimento da atividade produtiva é aumentar substancialmente a perda de diversidade biológica e dos serviços ecossistêmicos. Não há como escapar dessa verdade: aumentar a produção econômica é, dentre tantos outros possíveis estragos ambientais, sinônimo de “jogar” mais poluição na atmosfera.
Os elevados níveis de poluição e contaminação do ar não deixam dúvidas quanto à reposta que esse tipo de prática econômica expansiva oferece ao meio ambiente. No mundo, mais de dois milhões de pessoas morrem a cada ano por “respirar poluição”, alojando nos pulmões pequenas partículas (PM 10) geradas pela queima de combustíveis fósseis, além da poluição de ozônio (O3).
Somente na América Latina e no Caribe, a cada ano, morrem aproximadamente 35 mil pessoas devido à contaminação do ar; na Europa, são mais de 150 mil e, no leste da Ásia, mais de 1 milhão de vidas são ceifadas pelo mesmo motivo. É no mínimo vergonhoso presenciar que em pleno século 21 ainda se computam vidas perdidas devido à poluição.
Por isso, o posicionamento ecológico, ao deixar claro que há limites e medidas restritivas para o aumento da produção econômica, deve estar acima do pensamento econômico tradicional, ferindo assim, para desespero dos economistas tradicionais, o dogma atinente ao crescimento econômico, visto e defendido, erroneamente, como fator preponderante para consolidar a prosperidade de uma sociedade.
Com um padrão de consumo avassalador, alimentado pela voracidade consumista de 20% da população mundial (1,4 bilhão de pessoas) residente nas sociedades mais abastadas, o Planeta Terra apresenta sinais de completo esgotamento, evidenciando que não suporta produções expansivas.
Não por acaso, 10% da terra fértil do planeta já se transformou em deserto. Por ano, são perdidos 7 milhões de hectares. Simplesmente, 60% dos principais serviços ecossistêmicos estão deteriorados. De acordo com o documento “Avaliação Ecossistêmica do Milênio 2005”, nos últimos 50 anos perdemos 35% dos manguezais, 40% das florestas, 50% das áreas alagadas. Os estoques de peixes estão 80% menores e a área cultivada do planeta cobriu 25% da superfície da Terra. Lamentavelmente, esses dados mostram que o posicionamento econômico encontra-se acima da questão ambiental. Urge reverter isso.
(*) MArcus Eduardo de Oliveira é professor de economia. Mestre em Integração da América Latina (USP). prof.marcuseduardo@bol.com.br