O avanço da presidenta decorre, basicamente, de quatro fatores. 1) Durante os protestos, chamou para si a responsabilidade e propôs a realização de uma reforma política ampla, que desse conta da maioria das reivindicações populares; 2) em seguida aos protestos, abriu sua agenda para os movimentos sociais organizados; 3) o governo mostrou-se sólido e deu continuidade às pautas que vinha tocando, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida; 4) a Economia segue o curso programado, com juros baixos, inflação sob controle, emprego elevado. Se continuar assim, Dilma pode alcançar 40% já no próximo levantamento.
Marina Silva também avançou e, nesse ponto, precisamos recordar o princípio que rege esta série de análises, desde o primeiro texto, publicado no início do ano. Insisto em dizer que os fiéis da balança de 2014 serão a Mídia e os Evangélicos, a mesma combinação explosiva que levou as eleições de 2010 para o segundo turno. A partir da análise constante desses dois fatores foi possível antecipar, via twitter, o resultado da pesquisa (em 9/8 tuitei 35-Dilma, 25-Marina, 12/13-Aécio e 5/6-Eduardo).
Estava claro que Marina Silva cresceria porque sua militância está permanentemente mobilizada por conta da validação das assinaturas para a criação da Rede Sustentabilidade. De modo que seu nome tem sido veiculado com regularidade, ao mesmo tempo em que a ex-ministra, ela mesma evangélica, conta com o apoio significativo de grupos dessa religião. Até outubro, quando deverá estar filiada a algum partido, Marina deve crescer, podendo alcançar 30%.
Quanto ao candidato tucano, era de se esperar a queda de 17% para 13%, já que ele deixou de aparecer com a mesma freqüência nos meios de comunicação de massa e postergou a agenda de viagem aos estados. Quem não se mexe e não aparece não é lembrado.
Por fim, com relação a Eduardo Campos o que se pode dizer, além de lamentarmos sua movimentação precipitada, é que dificilmente reunirá os apoios que lhe garantam sustentação para ultrapassar os dez pontos percentuais. A sinuca de bico é a seguinte: não haveria espaço dentro da base governista para uma dissidência deste porte e, caso resolvesse mudar de lado, ou mesmo procurar uma terceira via, teria de se despir justamente das virtudes que lhe transformaram no governador mais bem avaliado do país.
Em março, quando esta série começou a ser publicada, dividimos o período que nos separa das eleições em três momentos: o primeiro seria de março/13 a outubro/13, quando todos os partidos devem estar constituídos e aqueles que pretendem se candidatar a cargos de deputado, senador, governador e presidente precisam estar devidamente registrados em suas agremiações. O segundo período seria aquele compreendido entre outubro/13 e março/14, quando termina o prazo para desincompatibilização de cargos públicos, o que deixará o cenário praticamente definido. E o terceiro e último período seria o que transcorre de março/14 até outubro/14, quando ocorrem as articulações finais e tem início a campanha propriamente dita.
Do jeito que a coisa anda, Dilma segue como favorita, com grandes chances de levar a contenda no primeiro turno. Tem a seu favor um sem número de indicadores que mostram que o país melhorou, entre os quais o crescimento do IDH – que passou de “muito baixo” para “alto” desde a redemocratização – e a redução de 80% da desigualdade na última década. De modo que para a oposição de direita restaria torcer pela quebra da economia ou para que protestos como os de junho irrompam durante a Copa do Mundo – e deixar que as corporações de mídia façam seu trabalho.
(*) Marcelo Salles é jornalista. No Twitter é @marcelosallesJ . Artigo publicado originalmente na Carta Maior.
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CNT mostra avanço de Dilma pós-protestos
Esse movimento era esperado, tanto é que no dia 6/7 tuitei o seguinte palpite:
Dilma – 35
Marina – 20
Aécio – 15
Eduardo – 5
Mais uma vez esclareço que não tenho nenhuma vocação para a vidência. Ocorre que desde o início do ano, quando o Datafolha fez seu primeiro levantamento, insisto que os dois fiéis da balança de 2014 serão a Mídia e os Evangélicos, justamente a combinação explosiva que levou as eleições presidenciais de 2010 para o segundo turno. A partir da análise constante desses dois fatores foi possível prever as oscilações ora encontradas pelos institutos de pesquisa.
Momentos de ampla participação popular, sobretudo num país em que a mídia é monopolizada, tendem a prejudicar a avaliação dos mandatários que exercem cargos no poder Executivo; por isso os governadores do Rio e de São Paulo também perderam pontos.
Com relação ao governo federal, como a Economia segue dentro dos eixos, as taxas de emprego seguem elevadas e se amplia os canais de diálogo com os movimentos sociais organizados, a tendência era mesmo de recuperação gradual da presidenta que, a meu ver, ainda tem espaço para crescer. A imprensa tentou fazer barulho com o locaute dos empresários portuários, mas o governo reagiu rápido. Até o momento não se vislumbra um novo flanco para a oposição de direita, a não ser que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que promete trazer milhões de pessoas ao Rio de Janeiro, possa servir a este propósito – até porque são praticamente infinitas as possibilidades dentro de uma ilha de edição.
Marina Silva pode faturar com o evento, já que grupos evangélicos prometem manifestações. Além disso, ela é a candidata com perfil mais “messiânico”, o que por si só pode agradar fiéis de qualquer religião. O momento é propício para que seus militantes saiam às ruas, tentando agregar as pautas de Marina ao leque de temas em debate na Jornada, o que pode reverberar nas próximas pesquisas. Quanto a Aécio e Eduardo, não creio que seus índices sofram alterações significativas em razão da JMJ.
O noticiário das corporações de mídia, essa semana, insistem no tema da inflação. A presidenta entra no debate e defende as medidas do governo para mantê-la dentro da meta. A pauta, em si, pode render alguns pontinhos ao candidato Aécio, que em seus espaços de comunicação com o povo vem batendo nesta tecla.
No atual cenário, Dilma continua sendo a grande favorita, vencendo todos os seus oponentes no segundo turno. Sua vantagem não é mais a mesma que a registrada antes dos protestos, quando tinha mais pontos que todos os adversários somados. Agora, a presidenta tem a mesma pontuação que os dois principais oponentes somados. Como ninguém sabe o que vai acontecer durante a JMJ e também não sabemos em que momento as próximas pesquisas serão realizadas, fica difícil fazer qualquer previsão. Mas, no geral, a tendência é a presidenta continuar crescendo. Marina pode subir alguns pontos, enquanto Aécio e Eduardo devem estabilizar. A conferir.
(*) Marcelo Salles é jornalista. No Twitter é @marcelosallesJ
Fonte: Carta Maior.
Mídia e evangélicos operam, Datafolha registra
DATAFOLHA – Intenção de voto para presidente em 2014
51 – Dilma Rousseff
16 – Marina Silva
14 – Aécio Neves
06 – Eduardo Campos
13 – Não se decidiram ou não souberam responder
Por outro lado, é muito importante enfatizar que o momento em que os pesquisadores saíram a campo era francamente favorável a Aécio Neves. Nesse período, o tucano tinha a seu favor um movimento que conjugava o programa de seu partido na televisão e os boatos sobre o fim do Bolsa Família, culminando com sua eleição para a presidência do PSDB. Como resultado, avançou de 10 para 14 pontos, e já se torna um candidato viável aos olhos dos grandes financiadores de campanha.
Marina Silva permaneceu com os 16 pontos de três meses atrás, o que não é pouca coisa. Além de ser a segunda colocada nas pesquisas, ela ainda corre atrás do registro de seu partido, ou seja, ainda não desfruta, em sua plenitude, de toda a estrutura possível com que já contam os demais pré-candidatos, como fundo partidário e tempo de televisão.
Eduardo Campos também permaneceu onde estava, com 6% das intenções de voto. Por ora, o esforço que fez para lançar seu nome como candidato viável à presidência, e que quase causou o rompimento do PSB com o governo, não surtiu o efeito desejado.
Como registrei há três meses, era preciso ficar especialmente atento a duas variáveis de lá até as eleições – mídia e evangélicos. Disse que eles seriam os fiéis da balança em 2014. Naquele mesmo texto, dividi o período que nos separa das eleições em três momentos: o primeiro seria de março/13 a outubro/13, quando todos os partidos devem estar constituídos e aqueles que pretendem se candidatar a cargos de deputado, senador, governador e presidente precisam estar devidamente registrados em suas agremiações. O segundo período seria de outubro/13 a março/14, quando termina o prazo para desincompatibilização de cargos públicos, o que deixará o cenário praticamente definido. E o terceiro e último período seria o que transcorre de março/14 até outubro/14, quando ocorrem as articulações finais e a tem início a campanha propriamente dita.
Hoje, passados três meses (portanto, metade do primeiro período), podemos dizer que pelo menos um dos fiéis da balança teve papel de destaque na alteração de 7 pontos entre um levantamento e outro: a mídia. Como assinalou o jornalista Jânio de Freitas, em sua coluna de 11/6 na Folha de S. Paulo, houve uma super-exposição da inflação nos meios de comunicação de massa, misturando o problema real, “indesejável mas suportável” com as projeções catastróficas “originária de intenções políticas”. Além disso, devemos somar os boatos sobre o fim do Bolsa Família, e aqui não interessa se houve ou não falha da Caixa Econômica, pois estamos interessados no impacto causado junto à população, potencializado pela ampla cobertura dos meios de comunicação de massa (alô democratização da mídia!).
Como resultado, Dilma perdeu 7 pontos, Aécio ganhou 4, e outros 3 pontos se deslocaram para o grupo do “não sei”, que podem ser conquistado por qualquer um dos postulantes à presidência, inclusive a própria Dilma.
Sem ter a menor pretensão, ou mesmo vocação, ao exercício da vidência, é possível antever que o segundo fiel da balança atuará com bastante força daqui até outubro. Marina, extremamente atenta, divulgou na semana seguinte ao levantamento do Datafolha que já conseguiu as 500 mil assinaturas necessárias à fundação de sua Rede Sustentabilidade e que continuará a mobilização até outubro, de modo a garantir pelo menos outras 300 mil firmas. Dessa forma, mesmo que parte das assinaturas não esteja de acordo com os critérios pré-estabelecidos pelo TSE, ela terá um contingente extra para garantir o registro do partido com folga. Além disso, poderá dizer, quem sabe, que há 1 milhão de brasileiros apoiando diretamente a criação da Rede, o dobro do mínimo necessário à criação da legenda. Portanto, parece claro que nos próximos três meses os evangélicos ligados a Marina Silva terão um papel de destaque nessa mobilização pelas assinaturas extras, e é muito provável que a próxima pesquisa registre esse movimento, o que poderia dar a ela alguns pontos importantes. Outro fator que pode advir desse movimento é a inclinação do espectro eleitoral ao voto pautado por hábitos e costumes, especialmente aqueles mais conservadores, o que poderá deixar o governo em maus lençóis.
Ao contrário de muitos analistas, nunca achei que a reeleição de Dilma estava garantida. O jogo só termina quando o juiz apita seu final. Mesmo com uma grande vantagem em todas as pesquisas de intenção de voto e uma popularidade nas alturas, para que a presidenta seja reeleita é necessário que o governo continue indo bem, não só na Economia, mas, sobretudo, na chamada Agenda Social. E isso significa dar continuidade ao combate à miséria, à garantia dos direitos humanos e ao diálogo com os movimentos organizados, sem, no entanto, ficar refém de interesses estrangeiros que instrumentalizam, geralmente através de ONGs, um sem número de grupos sociais.
(*) Marcelo Salles é jornalista (twitter: @MarceloSalles).
Das ruínas de Antígua nasce a promessa de uma nova OEA
Seu povo, de maioria indígena, orgulha-se de sua ancestralidade maya, cujo símbolo maior é o pássaro Quetzal. Reza a lenda que quando o invasor espanhol assassinou o chefe indígena, o Quetzal, que acompanhava tudo de cima, também caiu morto, revelando assim a intensidade da ligação entre homem e natureza. Nos dias de hoje, em Antígua essa ligação parece refeita ao olharmos a perfeita conjugação entre restos dessas muralhas imemoriais e as plantas que as envolvem. Não é possível distinguir onde começa uma e termina a outra.
Na primeira semana de junho, a Organização dos Estados Americanos (OEA) esteve reunida nesta cidade mágica da Guatemala, para sua 43a Assembleia Geral. Entre os muitos assuntos, um chamava atenção: a eleição para a renovação de três vagas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para as quais concorriam seis países: EUA, México, Colômbia, Brasil, Equador e Peru. A Comissão, como sabemos, tem sido importante ferramenta para a garantia de direitos; no entanto, também vem sendo instrumentalizada por aqueles que querem impedir o desenvolvimento dos países de maneira independente.
Nas eleições para a mais alta entidade de Direitos Humanos do continente americano, três eram os países que tentavam a recondução ao posto. Todos legítimos representantes da direita na região: Estados Unidos, México e Colômbia. John Kerry, o chanceler estadunidense, esteve na linha de frente da campanha, fazendo algo bastante incomum para os padrões da política externa de seu país. Kerry esteve pessoalmente em Antígua e jogou todo o peso do Departamento de Estado para garantir a “América para os americanos”.
No entanto, o Brasil estava atento e mobilizou grande força para a eleição de seu candidato. Nosso chanceler, Antonio Patriota, e a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, foram à linha de frente, em Antígua, após intensa campanha por todo o continente. O candidato equatoriano, com o decisivo apoio de seu país e da Venezuela, apresentou-se como uma alternativa novidadeira. Foi-se o tempo em que os países do Sul a tudo assistiam calados, ou com tudo consentiam sem expressar seus legítimos interesses. Como resultado, os países americanos perceberam o que estava em jogo e elegeram o ex-ministro Paulo Vannuchi para uma das três vagas, ao lado dos EUA e do México. No total, foram 60 votos para EUA, México e Colômbia, contra 42 votos para Brasil, Equador e Peru. Cada um dos 34 países tinha direito a 3 votos, totalizando 102 indicações.
A OEA tem em seu currículo desastres da envergadura de terremotos e fúrias vulcânicas, como o reconhecimento do golpe de estado promovido por Pedro Carmona na Venezuela em 2002, além da injustificável expulsão de Cuba em 1962.
O futuro pertence aos deuses, como se sabe. Mas o que aconteceu em Antígua nos permite, ao menos, antever novos rumos para o continente. E se as pedras e plantas mayas falassem, certamente diriam: após tanta devastação, a OEA já começa a encontrar o caminho do equilíbrio.
(*) Marcelo Salles é jornalista. No twitter é @MarceloSallesJ
A tortura nos presídios com os dias contados
O mês de abril foi um tanto quanto auspicioso para os Direitos Humanos. Entre os avanços e recuos, as violações e as promoções, o saldo foi positivo. Se por um lado 30 pessoas em situação de rua foram barbaramente assassinadas desde agosto em Goiânia, por outro o prefeito instalou um centro de referência na cidade para proteger essas pessoas e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi a público denunciar a política de extermínio em curso no estado e a incompetência das autoridades locais para lidar com a questão, pedindo a federalização das investigações. Se tivemos um deputado vinculado à violação de direitos eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, também tivemos um momento em que o país discutiu intensamente as diversas pautas de Direitos Humanos.
O mais emblemático viria logo no início do mês. No dia 2 foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que certamente é um dos maiores avanços conquistados pelo país na última década – apesar de não ter recebido grande espaço nas corporações de mídia.
Quando promulgado, o Brasil terá um poderoso instrumento para o enfrentamento da tortura nos presídios e demais instituições fechadas. Além dos mecanismos análogos nos estados, teremos agora, em âmbito nacional, um comitê com 23 integrantes e um corpo de onze peritos que poderão realizar visitas sem aviso prévio e relatar os problemas encontrados às autoridades competentes. Pela primeira vez o país terá um instrumento dedicado exclusivamente ao enfrentamento dessa grave violação dos direitos humanos.
Quando constatadas violações, os peritos irão elaborar relatórios com recomendações aos diretores dessas instituições e às demais autoridades competentes, que terão um prazo determinado para adotar as devidas providências.
A decisão dos deputados, que aprovaram a lei por ampla maioria (todos os partidos encaminharam pela aprovação, à exceção do PTB que liberou a bancada), não apenas alinha o país à normativa internacional de combate à tortura, de acordo com as diretrizes das Nações Unidas. Esta decisão evidencia que o Brasil, no último período, tem avançado a passos largos na institucionalização de instrumentos garantidores dos Direitos Humanos.
Quando estiver em plano funcionamento, esse sistema permitirá a constituição de uma base de dados com informações pormenorizadas a respeito das instituições fechadas em funcionamento no país. Isso facilitará não só o monitoramento de tais instituições, mas também a elaboração e a implementação de políticas públicas que contribuam para assegurar os direitos básicos nesses estabelecimentos.
Quis o destino que a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados ocorresse no início de abril, época em que, há 49 anos, o país via nascer uma ditadura que sequestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros. Um regime baseado na mentira dos laudos forjados, na vergonha da ocultação de cadáveres, na tortura como prática de controle social.
Quase meio século se passou, mas infelizmente a sociedade ainda convive com resquícios autoritários. Entre esses, destaca-se a prática abominável da tortura, que encontra terreno fértil justamente nas instituições fechadas, que estão distantes do olhar e do julgamento da sociedade.
Por isso, o Brasil, em sua opção definitiva pela democracia, avança para a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que tem como objetivo estabelecer novos paradigmas de funcionamento das instituições fechadas: a transparência como valor em si e o respeito aos Direitos Humanos como filosofia de gestão.
(*) Marcelo Salles é jornalista. No Twitter é @marcelosallesJ
Mídia e evangélicos, os fiéis da balança de 2014
Em sua última pesquisa, o Ibope aponta uma aprovação recorde do governo: 92% dos entrevistados o aprovam, sendo que 63% deles o consideram bom ou ótimo e apenas 7% o reprovam (ruim ou péssimo). Outros 27% o enquadram na categoria “regular”.
Já a pesquisa de intenção de votos Datafolha divulgada na sexta-feira (22) aponta uma vantagem gigantesca para a presidenta da República. Dilma Rousseff aparece com 58% da preferência dos eleitores, seguida de Marina Silva (16%), Aécio Neves (10%) e Eduardo Campos (6%). Ou seja, se a eleição fosse hoje a presidenta estaria 26 pontos percentuais à frente de seus principais concorrentes somados.
Mas ainda falta muito para o dia do pleito. Isso não significa que as pesquisas devem ser desconsideradas; por outro lado, também não podem ser super-dimensionadas. As pesquisas são retratos de um momento, que pode se consolida ou mudar completamente, a depender de inúmeras variáveis. Por isso não convém entrar no clima do “já ganhou”.
Pra início de conversa, existem alguns aspectos que devem ser levados em consideração, para além do econômico – que conta muito, mas não está sozinho.
Primeiro, devemos dar uma olhada no calendário eleitoral. Daqui até outubro de 2014 faltam 18 meses, os quais podemos dividir em três faixas de tempo. A primeira vai daqui até outubro desse ano, quando os partidos que pretendem concorrer devem estar devidamente registrados e as pessoas filiadas aos partidos pelos quais querem disputar uma vaga. É importante lembrar que vamos eleger, além da presidenta (ou presidente), governadores, senadores e deputados (estaduais e federais).
A compreensão desse primeiro momento é fundamental, pois isso significa, entre outras coisas, que somente ao chegarmos em outubro deste ano saberemos efetivamente quais partidos políticos conseguiram reunir as assinaturas para serem criados, assim como quais pessoas estarão filiadas em quais partidos e, consequentemente, aptas a concorrer um ano depois, em outubro de 2014.
A segunda faixa de tempo transcorre entre outubro de 2013 e março de 2014, quando se encerra o prazo para a desincompatibilização de cargos públicos. Vale, por exemplo, para os ministros e prefeitos que pretendem se candidatar. Nesse momento, com os pré-candidatos definidos, começa, de fato, a campanha, que seria a terceira e última faixa de tempo – aqui as alianças até então delineadas necessariamente se descortinam e a corrida eleitoral chega a seu sprit final.
Ao longo do processo, existem elementos objetivos que ocorrem em cada uma dessas faixas de tempo, enquanto outros, subjetivos, as atravessam. Entre esses últimos creio que dois podem fazer uma grande diferença daqui até outubro de 2014.
O primeiro deles é a mídia. Sem dúvida nenhuma jogará papel decisivo nas eleições. Como dizia o filósofo francês Gilles Deleuze, a mídia é uma das instituições com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, na sociedade contemporânea tvs, rádios e jornais possuem meios de influir nas formas de sentir e agir das pessoas. Conceitos e valores estão em jogo, não apenas nas manchetes jornalísticas, mas também em novelas, filmes e demais produções de entretenimento.
O segundo elemento que devemos observar é a mescla do comportamento da assim chamada nova classe média com o crescimento das religiões protestantes no país. Em “Os sentidos do lulismo”, lançado ano passado, André Singer deixa muito claro que, se é verdade que o PT ganhou votos entre as classes mais pobres, esse voto não está, necessariamente, imbuído de ideologia. Segundo o autor, seria um voto conquistado muito mais pelo acesso inaudito à sociedade de consumo do que qualquer outra coisa.
Da leitura de Singer também era possível intuir a chegada de um novo partido que refletisse os anseios dessa parcela da população que ascendeu socialmente. E esse partido tem tudo para ser a Rede, de Marina Silva, que hoje aparece com 16% das intenções de voto. Além de beliscar os votos dos ambientalistas politicamente corretos, a ex-ministra, evangélica declarada, seria a fiel depositária da confiança da massa que professa essa religião.
Entre as características de parte expressiva dos evangélicos está o comportamento conservador, como demonstram suas posições em relação a temas como casamento homossexual e aborto, muitas vezes extrapolando em direção ao fundamentalismo racista/preconceituoso. Ou seja, ironicamente os avanços sociais promovidos pelos governos do PT renderiam, em parte, frutos a uma oposicionista (taí o pastor-ministro Crivella pedindo aplausos a Dilma e Lula pelo aumento do dízimo nas igrejas).
Por outro lado, e em tese, Aécio Neves, hoje com 10%, e Eduardo Campos, com 6%, teriam mais margem numérica para crescer, já que são menos conhecidos. A grande dúvida é saber de quem eles irão tirar votos. Isso, claro, se eles forem mesmo confirmados candidatos.
Enquanto isso, repito, o mais importante é monitorar o comportamento dos meios de comunicação e dos evangélicos. Justamente a combinação explosiva que levou a eleição passada para o 2º turno, com a campanha suja contra Dilma na reta final.
(*) Marcelo Salles é jornalista (twitter: @MarceloSalles). Artigo publicado originalmente na Carta Maior.
O poeta das linhas curtas
Texto publicado por Marcelo Salles, no Fazendo Media, em 2006:
Há os que logo cedo perdem a esperança. Outros, nunca a tiveram. Há também os que são cínicos, céticos e conformados com a injustiça. Estes, não raro chamados de velhacos, reacionários ou simplesmente burgueses.
Compreenda-se: seu lucro nasce da desigualdade e seu medo de perdê-lo é maior que tudo. Maior, inclusive, que sua insegurança e descontentamento consigo mesmos, que os levam a traduzir seu ódio em destruição por toda parte.
Oscar Niemeyer é a antítese disso tudo. Desprendido do materialismo, em cada ato seu percebe-se que ser é mais importante que ter. A começar pelo modo de se vestir: sapato marrom de costura lateral, meias marrons, calça cáqui, camisa branca de malha por baixo e outra, também branca, de botões, por cima, a combinar com seu cabelo. Completa o visual um relógio preto de plástico, desses que se encontram no camelô, e uma cigarrilha holandesa entre os dedos da mão esquerda.
Comunista assumido, chegou aos 98 anos de idade com a saúde de um guerreiro. Fala com desenvoltura, traz lembranças nítidas da infância e se movimenta sem precisar de ajuda. Sequer a de uma bengala.
O poeta das linhas curvas foi camarada de Luís Carlos Prestes, João Saldanha e outros personagens ilustres, como ele mesmo, da nossa história. Segundo Eduardo Galeano, trata-se do único brasileiro que será lembrado daqui a 500 anos. Ao que Oscar responde, com espantosa humildade: “Isso é besteira. Eu não sou importante. O sujeito que vai num protesto é mais importante do que eu”.
Reconhecido mundialmente por sua obra e pensamento, Niemeyer recebeu a equipe de reportagem da revista Caros Amigos em seu escritório, em Copacabana. Durante a memorável entrevista, faz uma pausa e desabafa: está cansado de responder sempre às mesmas perguntas. Mas retoma o fôlego e garante que com a gente é diferente:
“Vocês são progressistas. São mais evoluídos. Sentem como eu que o mundo precisa ser mudado”.
As paredes de Oscar registram este anseio por mudança. Na parte oposta à entrada, há rascunhos de suas principais obras arquitetônicas, como o Congresso Nacional e o MAC, todas acompanhadas por um texto: “O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”.
Na lateral que acompanha a vista de quem chega, há o desenho de uma família pobre, e a inscrição: “Quando a miséria se multiplica e a esperança foge do coração dos homens… só a revolução”.
É imbuído dessa certeza revolucionária que o poeta das linhas curvas analisa a conjuntura política mundial: “A América Latina está caminhando para a revolução. Já compreendeu que precisa se armar, pois não sabe o que vem por aí. Bush está desmoralizado”.
Sobre o Brasil, é esclarecedor ouvir de sua boca o que pensa do governo Lula. Isso porque, agora sei, em sua entrevista apresentada na televisão sua fala foi descontextualizada, o que prejudicou o sentido. No vídeo devidamente editado, foi mostrada apenas uma parte do que ele falou: “Lula quer melhorar o capitalismo, mas o capitalismo está morto”. Trata-se de meia verdade, pois seu pensamento não termina aí. Mostrado assim, parece que ele está contra Lula.
Ao vivo, entretanto, a realidade desmoraliza a ilha de edição. Niemeyer diz assim: “O Lula é um operário no poder. Se importa com a pobreza. Esse governo não tem o ímpeto de mudança que a gente esperava, mas a outra opção é pior”. Pode-se discordar à vontade de sua opinião. Mas telejornais não deveriam alterar o pensamento de ninguém impunemente.
Após noventa minutos de conversa, levantamos todos e saímos de seu escritório para a sala, onde seriam feitas as fotos. O poeta das linhas curvas, 98 anos, é o antepenúltimo a deixar o cômodo. Na passagem, cavalheiro, segura a porta para a jornalista Marina Amaral.
Dento de cada um de nós, certamente algo havia mudado. Em mim, pelo menos, surgiu uma certeza: mesmo diante da maior dificuldade é preciso lutar para modificar este mundo injusto e apoiar todos os que lutam nesse sentido.
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A edição da Caros Amigos com a entrevista de Oscar Niemeyer está nas bancas desde o dia 14 de julho. Também pode ser solicitada a partir de sua loja virtual em http://www.carosamigos.com.br.
Marcelo Salles/fazendomedia.com
Claudius, Gershon Knispel e Oscar Niemeyer
Veja a entrevista completa para a Caros Amigos realizada em 2006 com Oscar Niemeyer.