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Quilombo no RJ sofre com indefinição e disputa com a Marinha

jongo quilomboHá ao menos um século e meio, o chão generoso de uma ilha fluminense é pisado por pés respeitosos de negros e mulatos. Nele floresceram algumas das mais belas paisagens do Rio de Janeiro, no litoral de Mangaratiba (RJ). Esse povo bonito e simples estabeleceu, com a natureza, uma inusitada relação de troca. Enquanto eles têm o privilégio de contemplar, dia após dia, as praias e matas incomparáveis da ilha de Marambaia, também a natureza pode admirar, cotidianamente, seus ritos, sua dança, seus costumes, sua beleza. Parece a receita perfeita de felicidade. Mas não é.
QuilomboMarambaiaRJ-tpEstabelecida na região há muitos anos, a Marinha, em 1971 – época em que era protagonista do período mais negro da história nacional, a ditadura civil-militar (1964-1985) -, decide lutar contra o direito do Quilombo da Marambaia, como é conhecida a comunidade. Há 42 anos, portanto, os negros e negras que vivem neste paraíso costumam, com certa frequência, sentir-se em um inferno. Tanto no cotidiano, quanto no meio jurídico, a movimentação do setor é de ataque aos direitos quilombolas, embora tenha se tornado um pouco mais moderada nos últimos anos.
Momento Delicado
Na Justiça, porém, a comunidade vive um momento delicado. Em 2002, o Ministério Público Federal (MPF) propõe uma Ação Civil Pública pedindo que a Marinha tolere a permanência da comunidade na ilha até a finalização da titulação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e limita em um ano o prazo de análise deste processo. Os quilombolas vencem a ação em primeira instância, mas a Marinha recorre. O julgamento se transforma em uma novela, com muitos episódios. E agora, o processo pode ser incluído na pauta para julgamento a qualquer momento.
“A comunidade está bastante apreensiva. A gente não sabe o que pode acontecer. No sentido do que nós queremos, que é a posse do título da terra, não há mudança nenhuma”, diz Dionato de Lima Eugênio, o seu Naná, da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj). Há sim, porém, uma mudança de postura da Marinha em relação aos quilombolas. Segundo as organizações que acompanham o processo, os militares têm agido no que seria uma estratégia de cooptação. Ajudam alguns moradores a reformar suas casas, por exemplo.
Evasão Escolar
No entanto, permanecem com o monopólio sobre os deslocamentos da ilha – para sair dela, é preciso usar as lanchas da Marinha. Também estrangula-se a possibilidade de acesso à educação – só há, na ilha, o nível básico. Isso obriga os jovens a estudar fora da Marambaia, sem horários de lancha para voltar a qualquer momento, o que termina por causar a evasão de muitos deles.
“Existe uma relação de subordinação que, do ponto de vista dos direitos, é inadmissível”, afirma Julianna Malerba, da ONG Fase, que acompanha o caso há mais de seis anos. Há quatro anos, a Marinha chegou a proibir a comemoração do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, alegando que “terras em litígio não podem ter uso comercial”. Segundo as entidades, a pressão mais agressiva contra os quilombolas é de caráter econômico.
O espaço onde o Quilombo da Marambaia se localiza foi, no passado, o local onde os navios negreiros chegavam com os QuilomboMarambaiaRJ-iescravos no Rio de Janeiro. Isso faz com que a luta dos negros seja emblemática. “A legislação permite hoje uma definição de quilombo mais ampla, onde questões como a memória são consideradas”, afirma Aline Carmo, do Centro de Assistência Jurídica Popular Mariana Criola. O conceito de quilombo, de fato, como sendo apenas o lugar para onde fugiam escravos, é considerado restrito hoje.
Retrocesso

Esta não é a única ameaça que repousa sobre os quilombolas. O partido Democratas quer tornar nulo o decreto 4887/2003, que regulariza os processos de titulação de quilombos no país. Caso o DEM consiga fazer avançar sua pauta, estas comunidades tradicionais sentirão o efeito como um tsunami. Para piorar, corre no Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional 215/2000, que visa submeter toda titulação destas comunidades à aprovação da casa.
Em 2009, diversas organizações de direitos humanos enviaram denúncias de violações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). As entidades têm farta documentação sobre os casos denunciados. A Comissão, no entanto, costuma ser bastante lenta em sua análise e até agora não se manifestou quanto ao caso.
Campo de Explosões
O poder público alega que a Ilha da Marambaia é área rica em biodiversidade e que tem um patrimônio histórico preservado graças à presença da Marinha. Na verdade, as Forças Armadas fazem testes de explosivos na ilha paradisíaca. Uma capela do século XIX, e a famosa residência do Comendador Breves, por exemplo, foram gravemente afetadas pelas explosões. As antigas senzalas, patrimônio histórico do local, tendem a ter destino semelhante.
(*) Reportagem especial publicada na Caros Amigos.

Higienismo disfarçado de combate às drogas

Se algum desavisado, pouco versado nos debates intensos que o Rio de Janeiro vive, entrasse por engano na Câmara de Vereadores na manhã de 4 de junho, teria uma surpresa. A tal internação compulsória, elogiada por tantos “especialistas” nos veículos tradicionais de comunicação, era ali criticada ou questionada por cada entidade do setor. A audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da casa, presidida pela vereadora Teresa Bergher (PSDB), visava fazer algo que tem se tornado estranho na cidade nos últimos anos – colocar um assunto vital da administração municipal em debate.
Na mesa ou no plenário, estavam presentes as entidades e movimentos mais importantes na discussão de saúde no Rio de Janeiro. A política pública adotada para enfrentar a utilização, na cidade, de substâncias químicas, em especial o crack, foi criticada pela maioria das pessoas ouvidas. E a ausência da secretaria de saúde foi amplamente criticada.
“Ao todo, 46% das internações se dá na zona sul, 29% no Centro e 15% na zona norte. Somando as três percentagens, temos 90%. Isso confirma que temos um quadro de limpeza social, e não de tratamento de saúde”, afirma o promotor de Justiça Rogério Pacheco. No Rio de Janeiro, a zona sul, o Centro, e os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, na zona norte, formam a região mais rica da cidade.
Segundo Pacheco, de maio de 2010 a setembro de 2012 – pouco mais de dois anos –, houve 56,5 mil ingressos no abrigo de Paciência. Isso representa uma média de 65 internações por dia. O abrigo está superlotado, segundo detectou visita da própria Teresa Bergher na véspera. Com capacidade de 350 pessoas, estaria com 150 a mais. Abandonado, o abrigo teria sido invadido até por traficantes de drogas. A vereadora tucana questionou a suposta ausência de servidores públicos no abrigo, sendo questionada em seguida por diversos presentes.
O vereador Renato Cinco (PSOL), integrante da Comissão, e que reivindica uma CPI da Internação Compulsória, também defendeu a tese da higienização. “Por que a rede de saúde mental é tão precária na cidade? Temos apenas seis CAPS-AD, e só três funcionam 24 horas. Mais de 40% da cidade não tem acesso. Como pode a internação acontecer sem laudo médico?”, disse Cinco. Ele lamentou a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 7663/10, de Osmar Terra (PMDB-RS), que redesenha sob viés punitivo a Política de Drogas no país.
O Ministério Público (MP) já ingressou com duas ações por improbidade administrativa relacionadas à política de internação compulsória. Em uma delas, chegou a pedir a cassação do mandato do prefeito Eduardo Paes (PMDB), e de Rodrigo Bethlem (PMDB), secretário de Governo do município, por abusos na remoção dos sem teto. Em abril, quando foi divulgada, a ação chamou a atenção dos militantes de saúde pela pouca visibilidade nos meios de comunicação, já que era o MP sugerindo a cassação do prefeito.
A defensora pública Juliana Moreira, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, apresentou dados surpreendentes. Após desenvolver um software de mapeamento da população de rua, e fazer mais de 35 visitas em unidades de tratamento, a entidade cruzou informações. Descobriu que a grande maioria dessas pessoas não é usuária de droga nem de álcool. “Enviamos uma série de questionamentos à Prefeitura. Recebemos em troca o silêncio. A falta de transparência é uma das maiores dificuldades”, lamentou.
Hilda Correia, do Fórum de População em Situação de Rua, foi ainda mais enfática. “Estamos chegando no limite. Nós todos estamos gritando que não cabe recolher pessoas a contragosto. Temos que efetivar políticas públicas que garantam serviços de qualidade. Criar um processo de reestabelecimento de vínculo da população de rua com suas relações”, disse.
Um momento peculiar, durante a audiência pública, foi o discurso do vereador Carlos Bolsonaro (PP), vice-presidente da Comissão, e filho do folclórico deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Após chegar atrasado, afirmou que “as verdadeiras vítimas estavam sendo consideradas culpadas, e vice-versa”. O parlamentar também parabenizou a Prefeitura, por “ter política pública para quem usa drogas”, e disse acreditar que o usuário é tão culpado quanto o traficante. Foi vaiado pela plateia em coro.
O único representante do poder público presente era Rodrigo Abel, subsecretário de Desenvolvimento Social – pasta gerida por Adilson Pires (PT), também vice-prefeito. Embora tenha feito um discurso apaixonado, Abel não respondeu à maioria dos questionamentos colocados na audiência. “Abrigo deveria ser o último instrumento. Temos que ter menos e melhores abrigos”, disse, lamentando o orçamento da secretaria. “Que seu belo discurso seja colocado em prática”, respondeu Teresa.
A representante do Núcleo Estadual do Movimento de Luta Antimanicomial, Beatriz Adura, leu um contundente texto sobre as políticas em andamento no país e na cidade para o setor. Foi a mais aplaudida. Renato Cosentino, do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, apresentou fotos e artes gráficas que indicavam o rápido processo de elitização do espaço urbano no Rio de Janeiro.
Dados apresentados por Pacheco reforçam a ideia de que o problema está no projeto de cidade em implantação no Rio. Segundo ele, o orçamento da Guarda Municipal é superior ao das secretarias de Habitação, Fazenda, Trabalho e Esporte e Lazer, e apenas 10% inferior à de Desenvolvimento Social. “Esse dado é chocante”, concluiu. Chocado de verdade ficaria o eventual cidadão que entrasse, por acaso, na audiência pública. Perceberia a nada sutil dissonância entre o discurso dos veículos de mídia de massa e as opiniões ali apresentadas pelas entidades especializadas.
(*) Foto: Arquivo Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Corações unidos contra o câncer

A doença já afetou ao menos um integrante de quase todas as famílias. Em geral, é recebida de forma tão apavorante, que seu nome chegou a ser evitado durante muitos anos no Brasil. Chamava-se, apenas, de “a doença”. O anúncio da enfermidade é sempre cercado de cuidado pelos médicos, e de dor pelos familiares. A cada ano, são cerca de 518 mil novos casos de câncer no Brasil, incluindo os de pele.

O Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro, é referência no tratamento da doença. Em sua estrutura, no entanto, um silencioso e bonito trabalho de auxílio espiritual está completando cinco anos. Católicos, evangélicos, espíritas, budistas, messiânicos, umbandistas, e até uma jovem muçulmana integram a grande equipe de atendimento aos enfermos. Trata-se do Núcleo de Assistência Voluntária Espiritual (NAVE).

O trabalho existe desde 2008. É coordenado pelo doutor José Adalberto Fernandes Oliveira. Na época vice-diretor do INCA, recebeu a incumbência de organizar o grande volume de religiosos que se dirigia ao Instituto para auxiliar os pacientes com câncer. Não foi difícil constatar, a princípio, que o trabalho era feito de forma desorganizada, sem qualquer metodologia. Experiente cirurgião – que trabalha no Instituto desde 1978 –, o doutor Adalberto buscou construir um padrão a partir de literatura especializada e da experiência daqueles que já faziam, há tempos, o trabalho.

“A primeira medida foi buscar a orientação de padres e pastores, a partir do trabalho que já faziam aqui”, conta o médico. Encontraram dicas do CARE, programa da Escola de Medicina de São Paulo. Mas no NAVE, a metodologia vai além, porque não reúne apenas religiões que utilizam a Bíblia como base, e se estrutura no apoio espiritual, e não religioso – intervenções de religiões específicas só são realizadas quando o paciente solicita.

Doutor Adalberto formou um Grupo de Coordenação Administrativa, composto por integrantes de todas as religiões, e elaborou coletivamente um regimento, de forma a fazer com que o trabalho jamais fosse vinculado somente a uma única pessoa. “O NAVE é construído de tal maneira que, para ele mudar, é preciso dez pessoas concordarem com a mudança”, sentencia. O órgão tem também um Conselho Consultivo.

Há três tipos de trabalho: o da secretaria, onde se organiza os papéis e informações, e se atende às visitas; a reza na capela, onde se ora coletivamente, e se atende doentes e familiares que procuram o local; e o atendimento aos leitos, em que cada voluntário vai aos leitos conversar com pacientes e familiares, fazer orações e até outras intervenções – como cânticos e leitura de textos. “Há casos em que quem precisa de ajuda não é o paciente nem seu familiar, mas os médicos ou enfermeiros”, conta Maria Aparecida de Loyola, coordenadora do núcleo espírita.

Cada atendimento é registrado em um formulário, e o próprio INCA faz questão de depois levantar os dados coletados, para verificar a eficácia do tratamento. “Há uma constatação impressionante. Quanto mais visitas, mais aumentam os sentimentos positivos, além da proporção. E quanto menos visitas, mais crescem os negativos. Pode conferir”, diz doutor Adalberto. O NAVE está desenvolvendo parcerias com órgãos como o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) e a Secretaria Municipal de Saúde.

Não é difícil, para quem participa das atividades, perceber a gratidão dos pacientes. Uma carta recentemente enviada por Teresa Rocha, irmã de uma paciente, é exemplo disso. “Venho agradecer o NAVE pelo apoio que nos foi dado. (Em Cabo Frio), os médicos disseram que só um milagre resolveria o problema (do câncer dela), pois não sabiam o que fazer para retirar o tumor. No dia 29 de janeiro, minha irmã se internou (no INCA) para fazer uma cirurgia na qual ela teria a bexiga removida e reconstituída com parte do intestino”, disse.

E continuou, referindo-se aos voluntários, vestidos de verde: “Quando eu estava angustiada, chorando por tudo, encontrei um grupo de jaleco verde que me acolheu, me apoiou, e ouviu meu desabafo. Foram tão atenciosos, rezando comigo e me confortaram com palavras lindas de esperança, que foram fundamentais para que eu suportasse a espera pelas sete horas de cirurgia. Por todas as orações, deste grupo, de amigos, familiares e minhas, hoje minha Irmã está tendo uma recuperação fantástica, que está surpreendendo até os médicos”, concluiu.

O INCA fica na Praça Cruz Vermelha, nº 23, no Centro do Rio de Janeiro, próximo à Lapa. O telefone do NAVE, cuja secretaria fica no quarto andar do edifício principal, é (21) 3207-1718.

Índia: A humanidade são eles

A fascinante e peculiar trajetória de um peregrino latino-americano pelo país mais rico e diverso do mundo, a Índia.
ITEM 1. ENFIM, ÍNDIA
Foi em uma cidade de nome esquisitíssimo que pisei pela primeira vez no país mais incrível do mundo. Em Thiruvananthapuram, comecei a descobrir a Índia – que, como a China, tem uma população gigantesca e cultura milenar. Logo no primeiro dia, dos 42 que passei no país, vi homens montados em elefantes, fiéis peregrinos purificando-se em um lago, templos monumentais, uma música de sonoridade totalmente nova, casa de marajás, tuck-tucks, mulheres em lindas vestes, e uma cidade organizada de uma maneira totalmente outra. Foi como se tivesse aterrissado em uma nova galáxia.
Apenas durante a primeira semana, viajei de barco, moto, carro, avião, tuck-tuck, bicicleta, trem, ônibus – percorrendo seis cidades em sete dias. Este relato é uma tentativa de, resumidamente, deixar algum registro. Mas, certamente, não há como transformar em palavras as sensações que vivenciei. Atravessar o estado socialista de Kerala ouvindo “Clube da Esquina” no walkman, vendo rostos morenos novos ao meu lado, e assistindo a Índia passar pela janela do trem, é algo que não tem como descrever para os que não sentiram. É como dar um aperto de mão na humanidade inteira. Como dar um abraço no mundo. Uma espécie de êxtase revestido de utopia. E era isso, claro, o que fui fazer na Índia. Queria ir atrás de utopia. Fui, e encontrei.
ITEM 2. POR QUE A ÍNDIA

De história milenar, berço da espiritualidade, e um dos raros locais, hoje, dotados de outras organizações sociais, com referências econômicas totalmente distintas, a Índia é um país único. Sempre quis conhecer. A lembrança mais antiga desse desejo é de 1999. Quando um professor, nos EUA, me perguntou que país eu gostaria de conhecer, eu brinquei: “o Brasil. Eu ainda não conheço o Brasil”. Ele disse que essa resposta não valia. Então respondi, sem pestanejar: “a Índia”.
Guardava dinheiro há mais de dois anos para essa viagem, que queria fazer com minha irmã, professora de yoga. Então, ficou claro que não conseguiríamos conciliar nossas agendas (ela foi para a Índia três semanas depois de meu retorno). Fiquei triste na época. Investigar, sozinho, um cenário totalmente novo seria um desafio e tanto. Com o tempo, no entanto, ficou claro que foi melhor assim. Sozinho, pude ir a boa parte dos lugares que desejava conhecer (ainda faltam muitos! Não conheci Calcutá, de Madre Teresa, nem Ranchi, de Yogananda, nem Puttaparthi, de Sai Baba, nem Dharamsala, do Dalai Lama, nem Rishikesh, do yoga, nem Varanasi, do Ganges, nem tantos outros lugares. Tenho que voltar!).
Basicamente, acredito na necessidade de se reinventar, a cada dia, nossa vida. De elaborar propostas novas, escrever o dia com outra caligrafia, encarar pessoas com outros rostos. É o jeito mais rápido e gostoso de crescer como ser humano. Isso é o que fui fazer lá. Queria que a Índia recheasse meu coração de idealismo, de vontade de melhorar o mundo e a mim. E não tenho dúvidas de que ela atendeu a meu pedido. A viagem foi um sucesso em todos os aspectos.
Logo no início, ficou claro pra mim que eu olhava a Índia de uma perspectiva incompleta, típica de um ocidental com experiência rarefeita pelo Oriente. Eu pensava: “preciso conhecer esse outro lado interessante da humanidade”. Percorrendo a Índia, ficou claro que lá existe gente em todo lugar. São 1,3 bilhão de pessoas – quase sete vezes o Brasil! Não há ruas desertas, nem região desabitada. Eles não são “outro lado da humanidade” – isso somos nós. Na verdade, a humanidade são eles.
ITEM 3. MAHATMA GANDHI É O CARA

Foi ele quem me trouxe para a luta, e isso já seria suficiente para que eu tivesse por ele uma relação de respeito. O fato é que, de longe, minha principal meta na Índia, dentre tantas, era seguir os passos de Mahatma Gandhi. Ir a todos os lugares onde ele construiu sua biografia notável. Nos últimos 15 anos, devo ter lido quase todos os livros sobre ele publicados em língua portuguesa. E embora eu tenha sido convencido, por Kailash Satyarthi (item 4), a não mais me definir como “gandhista”, minha admiração pelo Mahatma apenas aumentou durante a viagem.
A princípio, eu queria tentar ir além da imagem que o mundo criou de Gandhi, dos diferentes gandhis vendidos ao senso comum, confundindo pacifismo com passividade, em benefício da ordem, da manutenção do status quo. O Gandhi que me trouxe para a luta, que me transformou num homem de esquerda – embora muitos desinformados o considerem reacionário –, defendia a desobediência civil, e a não-violência ATIVA.
O modelo é simples: diante de uma injustiça, desobedeça as leis e as autoridades, sem utilizar de violência como arma. Tenha clareza sobre quem é seu inimigo, mas não tenha ódio por ele. A síntese é essa. Boa parte dos militantes movem-se pelo sentimento de indignação diante das injustiças. É natural. Gandhi me ensinou, porém, que há um combustível ainda melhor para os militantes do que a indignação, que é o amor pela humanidade.
Por mais que eu me esforce, não tenho como definir a satisfação de ir a cada lugar onde viveu Mahatma Gandhi. Era maravilhoso. Logo no terceiro dia de viagem, ainda na África do Sul – onde fui antes, porque ele também viveu lá – fui apresentado para Ela Gandhi, neta do Mahatma. Ex-deputada super-atuante, e uma das mais ativas pacifistas do mundo, ela me convidou para um chá em sua casa. Humilde, desculpou-se pela falta de energia no apartamento, que lhe impediu de cozinhar para mim… De sua voz pausada, brotava uma sensação de afeto que tomava a atmosfera inteira. Em Ahmedabad, na Índia, conheci outros netos e bisnetos do Mahatma.
Há elementos de sua ideologia com os quais eu discordava, mas passei a respeitar após a viagem. Por exemplo, sua ideia de tentar propagar a fabricação das próprias roupas me parecia, antes da viagem, excessivamente utópica, além de parecer a negação do desenvolvimento das forças produtivas – ou seja, um retorno ao modo de produção medieval. Mas na Índia, percebi que 70% dos habitantes ainda vivem em vilas. Isso significa nada menos do que cinco “brasis” vivendo quase fora do capitalismo, em um sistema econômico coletivizado e auto-suficiente.
Percebi que a proposta do Mahatma estava longe de ser “excessivamente utópica”, até porque ele a elaborou depois que ele FOI PESSOALMENTE MORAR JUNTO AOS POBRES. E conclui que, para fazer qualquer juízo de valor, eu teria que conhecer muito mais a Índia, sua história e o pensamento de Gandhi.
Vou tentar resumir a minha extensa peregrinação: Na África do Sul, estive em Durban, onde Gandhi fundou sua primeira comunidade alternativa, a Phoenix Assentment, inteiramente restaurada. Lá também tem o Centro Internacional de Não Violência (ICON), principal do mundo no estudo do tema. Em Pietermaritzburg, fui até a estação onde ele foi atirado do trem, em 1892, por ter a pele negra e estar viajando na primeira classe, episódio que teria, segundo ele, o estimulado a lutar por justiça social.
Em Johanesburgo, conheci a linda casa onde ele viveu com Hermann Kallenbach. Também conheci a casa onde morou com a família, e a cruel prisão onde esteve por quatro vezes – lugar assustador. Lá, em Constitutional Hill, hoje funciona um museu e o órgão máximo de Justiça, equivalente do STF do país. Foi lá que encontrei a sandália que Gandhi deu ao general Smuts, seu adversário político, de quem se tornou amigo. Smuts devolveu a sandália 25 anos depois, pelo correio, após ficar sabendo que Gandhi havia empreendido a incrível Marcha do Sal, dizendo: “usei essa sandália por 25 anos, mas já não me considero digno de utilizar um calçado feito pelas mãos de um homem tão grande”.
Já na Índia, estive na Mahatma Gandhi University, em Kottayam. O diretor da Escola de Estudos Gandhistas e de Desenvolvimento Socioeconômico, John Moolakkattu, foi bastante receptivo, e inclusive me convidou para passar o Natal com sua família, que era cristã. Também no estado de Kerala, estive em Vaikom, em um templo lindíssimo em que, tempos atrás, as castas hindus mais altas tinham proibido as castas mais baixas de frequentar. Gandhi foi à cidade só para lutar contra isso. No lugar onde viveu lá até vencer a luta, hoje funciona a sede do Partido Comunista, o mais forte do estado.
Em Bombaim, estive na casa onde ele morou quando esteve na cidade (Mani Bhavan), hoje um simpático museu em sua homenagem. O site deles é uma das mais completas compilações de textos de e sobre Gandhi. E em Pune, estive no Agakhan Palace, onde ele esteve preso de 1942 a 1944, e onde morreram seu fiel secretário e amigo, Mahadev Desai, e sua esposa, Kasturba Gandhi. Ambos estavam presos voluntariamente, apenas para acompanhar Gandhi.
Planejei estar na cidade no dia 1º de janeiro, Dia Internacional da Paz, em homenagem a Kasturba, que deveria ser reconhecida como uma das principais lideranças da independência indiana, caso não vivêssemos em um mundo machista. O próprio Gandhi lhe considerava sua “melhor professora de não-violência”. Ela morreu deitada em seu colo, em 22 de fevereiro de 1944. “Perdi a melhor metade de mim”, disse ele. E todos os dias 22, de todos os meses, Gandhi jejuava e declamava todos os versos da Bhagavad Gita, em homenagem a Kasturba. Fez isso até o fim de sua vida.
Em seguida, deveria ir a Wardha. Na verdade, estava cansado de tanta viagem, e tinha desistido de ir. Mas estava lendo o livro “Autobiografia de um Yogue”, de Paramahansa Yogananda. No dia seguinte de desistir, abri o livro. Ao mudar de página, o novo capítulo se chamava “Com Mahatma Gandhi em Wardha”. Fiquei assustado com a coincidência, e interpretei aquilo como um aviso. Pouco depois, o dono do hotel bateu na porta dizendo que eu não tinha como ficar mais, porque o hotel iria ficar cheio, e eu não reservara para o dia seguinte. Decidi, na hora, ir a Wardha. A viagem foi uma verdadeira aventura! No ônibus de Ahmandabad a Wardha, ao invés de cadeiras havia camas! Tive que dormir ao lado de outro passageiro, enquanto o ônibus passava pela rodovia esburacada. Aliás, antes, vi as cavernas budistas de Ellora, e em Ahmandabad, uma fortaleza e uma cópia do Taj Mahal.
Que maravilha era Wardha! Ainda bem que fui. Fiquei hospedado no próprio Sevagram Ashram, fundado por Gandhi para promover seus 11 princípios de vida. Simples, as pessoas vivem até hoje como ele! Com casas de pau a pique, é simplório, mas é lindo! Inteiramente preservado, e com todos os utensílios usados por Gandhi, Kasturba, e Mirabeh – a famosa e fiel discípula. Lá, comi uma das mais gostosas comidas, e fiquei amigo de uma equipe grande de engenheiros agrônomos que fazia pesquisas com orgânicos no local (também sou formado em engenharia). Há também um museu muito simples, e muitos livros de Gandhi e Vinoba, seu seguidor.
Em seguida, tive apenas dois dias supermovimentados em Ahmedabad! Conheci, na cidade, o Sabarmati Ashram, também fundado por Gandhi. Não há mais quem viva no local, mas ele é super-visitado, e tem uma excelente loja de produtos relacionados a Gandhi. O lugar foi frequentado por todas as lideranças da Índia na primeira metade do século, e já foi visitado por personalidades como a Rainha Elizabeth e Mandela. Foi de lá que partiu a Marcha do Sal (400 quilômetros de caminhada para o litoral). Seu diretor, Tridip Suhrud, me contou orgulhoso que traduziu Paulo Freire para a língua gujarat! Em Ahmedabad, tive a sorte de ir a uma palestra de Rajmohan Gandhi, o mais famoso neto. Ele vive nos EUA, e raramente visita Ahmedabad. Foi uma sorte e tanto estarmos, ao mesmo tempo, na mesma cidade! Na palestra, conheci dezenas de gandhistas e familiares deles.
Porém, a experiência mais marcante em Ahmedabad, dentre as relacionadas a Gandhi, foi a visita à Gujarat Vidyapith, universidade fundada por Gandhi em 1920, que ainda é inspirada em seus ideais. O campus e os banheiros são limpados pelos próprios alunos, divididos em brigadas. A arquitetura é totalmente pensada de forma a estimular o convívio e a sociabilidade. O uniforme é fabricado manualmente, em máquinas de tecer. Tem importantes estudos de energias alternativas (bicicletas ergométricas rudimentares são espalhadas pelo campus, para que os alunos se exercitem e, ao mesmo tempo, gerem energia).
Quando um amigo de Gandhi lhe disse que a universidade não teria alunos, por conta da rigidez, ele respondeu: “se não tiver alunos, ensinaremos os macacos. O que não podemos é abrir mão dos nossos ideais”. Lá, eles dão um curso gratuito de quatro meses sobre não-violência, e me convidaram a estudar nesse curso, sem precisar passar por seleção! Mas, tão cedo, não pretendo ir. Fiz bons amigos nessa universidade. Difícil acreditar que tudo isso, e coisas que contarei depois, aconteceram em apenas dois dias! Enquanto estive lá, soube que o estado está discutindo permitir que as pessoas ou organizações vendam energia para o governo caso ela seja gerada por fontes alternativas. Isso já é adotado em alguns países, e eu já penso nisso há muito tempo para o Brasil. Pensei em elaborar um projeto de lei sobre isso.
Foi então que o destino seguinte passou a ser Porbandar, a pequena cidade onde nasceu o Mahatma. Nesse momento, embora encantado com a viagem, eu estava exausto. Porque não passava mais que dois dias em cada cidade. Antes da viagem, eu achava que iria me emocionar ao chegar na casa onde Gandhi nasceu. Mas logo que avistei a casa, e entrei, e vi o local exato onde ele havia nascido, o que pensei na verdade foi: “que saco, não aguento mais ouvir falar em Gandhi”. O local era marcado com uma suástica, símbolo sagrado para os hindus. Achei muito interessante que este símbolo, associado no Ocidente ao nazismo, estivesse marcando o lugar onde nasceu um defensor de métodos pacíficos de ativismo político.
Naquela noite, eu deitei na cama, e a ficha caiu. “Hoje estive na casa onde nasceu Mahatma Gandhi, inteiramente preservada tal como era. E agi como se estivesse num lugar qualquer”. Levantei da cama no mesmo momento, decidido a fazer algo. Foi então que decidi cortar a barba, e deixar só o bigode, para homenagear o bigodudo Gandhi. No dia seguinte, voltei ao local com o bigode. Considero a foto ali tirada uma síntese da parte “gandhista” da viagem. Ainda visitei a casa onde nasceu Kasturba Gandhi, e o local de nascimento também é marcado com uma suástica. Passei quatro dias na pequena e simpática cidade onde quase ninguém falava inglês.
Voltei a fazer visitas relacionadas a Gandhi apenas semanas depois, em Nova Delhi. O Rajghat, lugar onde o corpo dele foi cremado, para que as cinzas fossem lançadas no Ganges, permanece com uma chama constantemente acesa, e tem intensa visitação. Visitei ainda o Gandhi Peace Foundation, ong de promoção da paz, onde fui muito bem recebido. Também visitei três museus sobre ele. O principal, National Gandhi Museum, tem uma infinidade de utensílios que pertenceram a ele.
No entanto, o auge deveria vir ao final, como planejado. Gandhi foi assassinado em 30 de janeiro de 1948 na Birla House, casa de um importante empresário (Birla), onde ele estava morando porque estava doente. Ele caminhava para fazer sua oração matinal, às 7h, quando levou três tiros. No local, hoje funciona um museu, um memorial e um museu interativo. Antes da doença, Gandhi viveu no Harijan Sevak Sangh, comunidade alternativa que ele criou na capital do país somente para combater a “intocabilidade” – pessoas consideradas intocáveis, algo quase extinto no país.
Meu planejamento era estar no Harijan no dia 29, e na Birla House no dia 30, exatamente a data do assassinato. E como foi difícil! Havia uma cerimônia na Birla House com a presença do primeiro-ministro Manmoham Singh, e vale lembrar que a Índia é, por vezes, vítima de terrorismo, e há sempre uma paranoia com segurança. Para convencê-los a me deixar participar da cerimônia tive que usar de todos os argumentos possíveis, implorar, e rezar muito! Uma boa alma de um indiano me salvou.
No dia 29, visitei o Harijan Sevak Sangh, e fiquei encantado! O lugar ainda funciona segundo os princípios de Gandhi. O centro médico só utiliza medicamentos naturais, medicina ayurvedica. Há uma escola para crianças oriundas das vilas. Os uniformes também são feitos manualmente. Tudo é coletivizado. E eles me trataram como um príncipe.
No dia 30 de janeiro, exatos 65 anos após o assassinato do Mahatma, e dois dias antes de meu retorno ao Brasil, lá estava eu na Birla House. Visitei o quarto onde ele dormia e tinha reuniões, e a casa. Curti o maravilhoso museu interativo. Vi fotos, vídeos, livros, e as pegadas no chão, reproduzindo o caminho que ele fez até a tragédia. No horário da cerimônia, me sentei. Uma hora e meia daquela música de sonoridade única, homenageando o Mahatma.
Chegou o primeiro-ministro, e fez o mesmo gesto que eu fizera três horas antes, diante do local onde Gandhi foi assassinado. O lugar estava inteiramente enfeitado com flores. Foi um desfecho lindo de uma viagem cuja dimensão não cabe nestas palavras. Me emocionei, é claro. Fiz toda a viagem para, ao final, estar ali. E ali eu estava. Tudo tinha dado mais do que certo. Lembrei-me das palavras de Jesus: “preocupe-se somente com o Reino de Deus e sua Justiça, e todas as outras coisas vos serão acrescentadas”.
Pela primeira e única vez na minha vida, orei diretamente a Mahatma Gandhi. Não sei se foi uma coisa boa rezar para um homem que nunca quis ser chamado de santo, mas naquele momento senti a necessidade de fazê-lo. Agradeci-o por ter mudado minha vida, por ter me mostrado a importância de se resistir aos processos de exploração, fazendo-o sem ódio, com amor e paz no coração. Agradeci-o, ainda, por eu ter conhecido seu incomparável país através de seus próprios passos. Agradeci, também, por estar vivendo aquele momento que, repito, não sou capaz de traduzir em palavras. Levantei, e fui embora. Já estava pronto para voltar ao Brasil.
ITEM 4. EDUCAÇÃO, MAIOR DAS BANDEIRAS

Pouco antes de viajar, uma amiga indiana radicada no Rio me disse uma frase que não esqueço. “A Índia não costuma dar o que você procura. Ela costuma dar o que você precisa”. Ela estava certa.
A princípio, eu queria obviamente ver como os indianos tratam seus problemas sociais, mas não tinha a pretensão inicial de verificar especificamente o setor da Educação. Porém, não tenho dúvidas de que as experiências mais enriquecedoras e marcantes de minha passagem pelo país têm, todas, a ver com Educação. Nem sei por que estou escrevendo isso somente agora, no item 4. Foi mais importante que tudo.
No próprio Harijan Sevak Sangh (item 3), tive a doce experiência de ser levado a TODAS as salas de aula da escolinha deles. Em cada uma delas, as lindíssimas criancinhas se levantavam, uniam as mãos, e falavam alto: “Namastê!”. Também no Distrito Federal de Nova Delhi, cidade-satélite de Noida, o jornalista Venkitesh Ramakrishnan, que eu conhecera em Jaipur, me levou para conhecer uma escola que fundara e que mantinha com amigos jornalistas. Para chegar lá, atravessei por sobre esgotos as vielas de uma comunidade pobre. O lugar era muito humilde, mas segundo Venkitesh, muitos que lá estudaram já haviam chegado à universidade pública.
Outra experiência fascinante foram as duas escolas do Aurobindo Ashram, que foi a comunidade onde me hospedei por duas semanas em Nova Delhi. Eles mantém escolas inspiradas na filosofia mística de Shri Aurobindo e The Mother. As salas de aula não têm paredes, apenas murinhos. Os professores atuam como facilitadores, e não como transmissores de conhecimento. Os alunos sentam, invariavelmente, em círculos, e não há rigidez quanto à idade padrão de cada turma. As salas de aula são dispostas em cada aresta de um hexágono, e quem caminha pelos corredores vê e ouve todas as salas. O período é integral, com refeições planejadas em todos os momentos. Meditação e yoga são imprescindíveis. A prática de esportes é constante e obrigatória (joga-se muito futebol, algo raro na Índia!).
Há ainda a visita à universidade Gurajat Vidyapith, fundada por Gandhi há 93 anos, que relatei no item anterior.
A experiência mais marcante ocorreu, no entanto, em um local chamado Bal Ashram. Narro essa experiência na revista Caros Amigos de fevereiro de 2013, nº 191, página 41. Nesse lugar, próximo à estrada entre Jaipur e Nova Delhi, “os sonhos de um homem se transformaram em realidade”, como digo na reportagem. Kailash Satyarthi é um ativista que já retirou mais de 81 mil crianças do trabalho infantil e escravo. Entre prêmios e histórias fascinantes, foi indicado ao Nobel da Paz em 2006. No Bal Ashram, as crianças são ressocializadas.
Meu projeto inicial era, apenas, me encontrar com Kailash. Mas ele me convidou para ir ao local. E por conta de um problema intestinal, que me obrigava a visitar o banheiro várias vezes, fiquei lá quatro dias. Foi, como tenho tantas vezes repetido, a minha experiência mais marcante na Índia. As crianças chegam lá com sérios problemas psicológicos, familiares, de saúde, etc. E recebem muito amor e um trabalho muito bem feito. Não me lembro de uma única que não estivesse sorrindo.
Todos os dias, eles têm uma hora de “aula social”, para entender melhor os problemas do mundo. A prática de esportes também é padrão. E a maioria das aulas é ao ar livre. O contato com a terra, e o estímulo a atividades manuais, são regra. Os funcionários só podem comer quando todas as crianças já tiverem concluído. Durante minha visita, houve dois festivais. As crianças obedeceram a todos os rituais, e no momento da dança, se soltaram de forma incrível. Mais detalhes estão na reportagem.
Logo no primeiro dia, após entrevistar o simpaticíssimo Kailash, conduzido pelo alegre gerente local, Aditya Mishra, dancei com as crianças, comi as balas relativas à data, e sua refeição (totalmente vegetariana, e com alimentos orgânicos). Me hospedei no local, e conversei muito com funcionários e familiares de Kailash. O clima era de paz, de festa, de alegria. Lembro que deitei na cama, cansado (a viagem foi longa), e pensei: “eu não tenho o direito de estar vivendo isso e, depois, continuar sendo a mesma pessoa. Não tenho esse direito!”. Voltei da Índia convencido a fazer algo pela Educação no Brasil, mas ainda não sei o que, nem como.
ITEM 5. ENCONTROS

Não há dúvida de que, em qualquer viagem que mereça a grandeza desse nome, o que há de melhor são os encontros. E o grande barato é que a maioria deles é absolutamente inesperada. Foram tantos e tão intensos os encontros, que há de se lamentar não ver mais tanta gente bacana. Não há como esquecer a pergunta de um amigo, antes da minha viagem: “você vai passar Natal e Ano Novo sozinho?”. A minha resposta terminou sendo, com o tempo, mais verdadeira do que eu imaginava. “Não. Vou passar as próximas semanas ao lado de um sexto da humanidade”.
Na África do Sul, a ativista Pat Adams me levou para vários lugares interessantes. Conheci-a em 2012, quando a entrevistei por e-mail para uma reportagem sobre os impactos da Copa na África do Sul – Pat é a principal referência da StreetNet, imersa nesse debate, e com dois representantes no Rio. Confesso que só descobri que era uma mulher quando ela chegou para me encontrar – até então, eu achava que era homem. E veja só: Pat já me visitou no Brasil, já que aqui esteve uma semana após meu retorno da Índia.
Ainda em Durban, também conheci Ela Gandhi, neta do Mahatma – uma das criaturas mais doces que já conheci. E Paddy Kearney, religioso católico próximo ao falecido e famoso arcebispo Denis Hurley, que lutou contra o apartheid e foi amigo de Don Helder Câmara. A lembrança mais afetuosa que tenho de Paddy é a dele, enquanto me dava uma carona, mostrando orgulhoso o nome da “Rua Che Guevara”, que eles passaram a ter na cidade – com o fim do apartheid, a África do Sul reviu nomes de ruas, retirando nomes de racistas.
Em Johanesburgo, convivi com a alegre e engraçada Manya Gittel, que levou o Teatro do Oprimido ao país. Ela se lembrava com carinho de Augusto Boal e de Geo Britto. E me agradeceu por ter descoberto tantos lugares relacionados a Gandhi na cidade onde ela nascera. Tantas outras pessoas conheci no país.
No estado de Kerala, o anjo foi John Moolakkattu. Cristão, me mostrou várias igrejas, e me convidou para a ceia de Natal com sua família. Na ocasião, seu sogro me perguntou por que eu não era casado aos 36 anos de idade. Respondi, de brincadeira, como se lamentasse: “tenho me perguntado isso todos os dias”. Foi então que ele rebateu: “se não tem esposa, quem cozinha pra você?”. Só então me dei conta do raciocínio machista dele. Não me controlei: “eu mesmo cozinho. Quando me casar, quero cozinhar todos os dias para minha mulher”.
Kerala é um estado com grande presença de cristãos. São Tomé, o discípulo de Jesus, teria migrado para este local após a morte dele. Minha cerimônia de Natal foi em um templo ortodoxo onde o santo teria estabelecido uma de suas primeiras igrejas. Tinha duas cruzes persas do século XI. Mas a cerimônia foi um saco.
Em Mumbai, Usha Thakkar também me recebeu com carinho. E no ônibus entre Pune e Ahmandabad, conheci Govinda Bobade, simpático engenheiro que fez questão de me pagar um jantar delicioso, depois que eu lhe disse que não gostava de comida indiana porque era muito apimentada.
Em Wardha, toda a comunidade local era uma gracinha. Mas conheci uma equipe de engenheiros agrônomos, de quem me tornei amigo. Com Manish Surve, criei relações de amizade ainda mais profundas. Em Ahmedabad foram muitos encontros – incluindo familiares de Gandhi. Mas foi com a feminista premiada Mirai Chatterjee, que me foi apresentada por Pat, que tive as mais interessantes conversas.
No Bal Ashram, me encantei com a simplicidade de Kailash Satyarthi, e dos funcionários Aditya Mishra e Priya Panth (item 4). E em Jaipur, o dono do hotel Santha Bagh, com inglês irretocável e vasta cultura, me ensinou muito sobre a Índia. Foi neste local que conheci Venkitesh Ramakrishnan, também muito culto, fã de Jorge Amado, que depois reencontrei em Nova Delhi. Era jornalista à moda antiga, do tipo que bebe, fuma, é ateu, devora livros, e sabe tudo o que está acontecendo no mundo.
Em Nova Delhi, revi a amiga mineira Michele Cesário, que descobri estar morando lá durante a viagem. Foi delicioso revê-la após sete ou oito anos, conhecer seu filho, comer enfim feijão, e conversar muito. Sri Laxmi Dass me apresentou o Harijan Sevak Sangh com uma paciência e um carinho raros! E o simplório Surendra Kumar, que dirige o Gandhi Peace Foundation, mandou que fizessem um almoço especial para mim – devido à minha complicação intestinal.
Já se criou e se inventou de tudo nesse mundo. Mas o melhor de qualquer lugar foi, é e será sempre as pessoas desse lugar. E uma viagem que não tenha encontros intensos, pessoas que mudam nossos paradigmas, não é digna de ser chamada de viagem.
ITEM 6. ÍNDIA É HISTÓRIA

Tudo na Índia é história. Às vezes, a gente está andando por uma cidade, e nos deparamos de repente com um monumento construído no século XII. Claro, é um povo milenar – talvez o mais antigo do planeta. Se fossem mais desenvolvidos, poderiam explorar o turismo como nenhum outro país. Porque tudo é história, tudo muito interessante. Tão impressionante quanto à beleza do Taj Mahal, por exemplo, e tão assustador quanto o desperdício de dinheiro em um mausoléu (o Taj foi construído para abrigar o corpo de uma das esposas do príncipe Shah Jahan), é a história que ronda o monumento.
Vi diversos templos construídos dentro de cavernas. Construções gigantescas levantadas em diferentes séculos, por diferentes povos. Fortalezas, fortes, monumentos. Com uma riqueza de detalhes impressionante. Hoje temos, na mente, a imagem da Índia como um país pobre. Mas isso só é uma realidade nos últimos 200 anos, após a colonização inglesa. Antes, eles sempre foram ricos. Basta lembrar que os conquistadores portugueses e espanhóis queriam atingir as riquezas “das Índias”.
ITEM 7. VEGETARIANISMO

A Índia deveria ser o paraíso para vegetarianos como eu. Logo que cheguei, me cativou a existência de “Restaurantes não-vegetarianos”. Ou seja, a quantidade de vegetarianos é tão grande (mais de 70%), que a relação dos restaurantes é invertida. São os que usam carne (geralmente frango) que precisam avisar. É muito comum por lá, também, a não digestão de ovos. A maioria deles é lactovegetariana.
Percebi que a Índia não é o paraíso dos vegetarianos logo na minha primeira refeição, repleta de pimenta. A comida é extremamente apimentada, pouco saborosa, pouco variada, e sempre com algum risco de ter sido feita com água pouco confiável. Senti muita saudade da comida brasileira. Emagreci quatro quilos durante a viagem.
ITEM 8. PERRENHES/HIGIENE

Por causa, justamente, da falta de higiene dos indianos, tive meus piores perrenhes. Problemas intestinais me obrigaram a ir ao banheiro a todo momento. Tinha que ficar comendo banana, arroz, iogurte natural, água e sal para passar. Horrível! E é comum no país. Algumas regiões são visivelmente sem saneamento. Me vi, algumas vezes, andando por sobre esgotos abertos.
Certa vez, iria comer na estação de trem, em um lugar que parecia confiável. De repente, vi um rato. Desisti na hora de comer, e apontei para o rato. Eles começaram a rir de mim, como se dissessem: “olha o gringo, com medo de um simples ratinho”. Um indiano demonstrou compaixão pelo rato, dizendo que o animalzinho também estava procurando um lugar quente para ficar (estava muito frio). É que eles têm uma relação muito especial com os animais.
Papel higiênico é artigo raro na Índia. Eles não usam. Fiz uma viagem de cinco horas de barco em que o banheiro era um buraco no chão, sem papel nem água para lavar. Ao final, na rodoviária, para voltar, tive que improvisar no banheiro do restaurante. Ônibus também não tem banheiro.
Outro grande perrenhe é viajar de trem – talvez a maior dificuldade. Comprar a passagem é dificílimo. Entender o processo. Milhares de caras querendo ganhar uma grana em cima de turistas. Na volta de Agra, cidade do Taj Mahal, tive que esperar três horas o trem. Cheguei em Nova Delhi de madrugada. Um ônibus que peguei de Aurangabad a Wardha era feito só de camas! E para comprar qualquer coisa, na Índia, a gente tem que negociar.
ITEM 9. ESTUPRO NA ÍNDIA
Eu estava ainda no início da viagem quando uma estudante foi estuprada violentamente em Nova Delhi, e morreu no hospital. Mais que bárbaro, o caso levantou a discussão no país – a capital é recordista em estupro. Milhares de manifestações tomaram as ruas. Houve até protestos apenas com homens, e bonitas intervenções de rua. A polícia reprimiu as manifestações com violência. Por sorte, conheci as principais lideranças feministas no caminho, e fiz uma matéria elucidativa para o site da Caros Amigos. Vale a pena ler.
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/politica/2907-estupro-barbaro-ressuscita-pauta-das-mulheres
ITEM 10. SOCIALISMO EM KERALA

O primeiro lugar onde pisei na Índia foi o estado de Kerala, conhecido como o “estado socialista”. Lá, o Partido Comunista é muito forte, e muitas pessoas têm bandeiras vermelhas em casa com a foice e o martelo. Foram os primeiros comunistas, no mundo, a chegar ao poder por vias eleitorais, em 1928. O estado é o menos desigual da Índia – poucos ricos, poucos pobres. Têm os melhores índices de educação, saúde, mortalidade infantil, combate ao analfabetismo, etc. Fui à cidade de Kottayam, a primeira no país a erradicar o analfabetismo, em 1989. Atualmente, o partido não está no poder. Kerala é governado pelo Partido do Congresso, como todos os outros quatro estados onde estive. Mas o Partido Comunista deve voltar ao poder nas próximas eleições.
ITEM 11. YOGA
Só tive noção da dimensão da yoga após minha viagem, e decidi retomar minhas aulas ainda este ano, no Brasil. Trata-se de uma prática maravilhosa, física e espiritualmente. O mundo inteiro deveria ser estimulado à prática, nas escolas ainda. A relação das pessoas com a vida é muito melhor quando praticam yoga. Conheci um yogue mineiro enquanto estava no Aurobindo Ashram. Professor em Belo Horizonte, viaja à Índia todos os anos com a mulher.
ITEM 12. TRANSPORTE

O trânsito é um completo caos, em qualquer cidade. Cheia de carros, tuck tucks, ônibus, motos e pessoas se atropelando. Buzinas são ouvidas sem parar – no país, elas servem para avisar que estamos passando, e não para protestar contra outro veículo. O sistema de trens é antigo, e cobre o país inteiro. Pode-se ir a toda parte de trem, por preços baixos. A cidade de Mumbai, a mais populosa da Índia, é um completo caos automotivo. São Paulo, perto deles, é cidadezinha do interior.
ITEM 13. ÁFRICA DO SUL

Estive em três cidades na África do Sul: Durban, Pietermaritzburg e Johanesburgo. Na segunda, estive apenas para conhecer a estação de trem de onde Gandhi foi atirado, por ser negro e estar viajando na primeira classe, e que teria despertado sua luta por justiça social. Em Durban, cidade bonita, muitas coisas aconteceram. Mas Johanesburgo me deixou uma sensação muito ruim, que prevaleceu. Sensação de insegurança, de que estava sendo observado nas ruas. Impossibilidade de sair de casa sozinho. Também visitei as casas de Nelson Mandela, Winnie Mandela e Desmond Tutu, em Soweto. E o belo estádio que abrigou a final da última Copa. E a prisão onde Gandhi ficou quatro vezes. E duas das casas de Gandhi na cidade. Mas a sensação de insegurança infelizmente prevalece nas minhas lembranças.
ITEM 14. MISTICISMO

O que fascina a maior parte dos viajantes pela Índia é seu aspecto místico. E vivenciar isso era, também, um de meus objetivos. A filosofia hindu, da religiosidade tradicional, é bastante interessante. Estive em inúmeros templos ao longo do país. Em cada lugar, era uma experiência nova, uma arquitetura completamente diferente, tudo muito distinto. E comove perceber como o povo local tem fé e se entrega às suas tradições.
Em Nova Delhi, fiquei em um ashram místico chamado Aurobindo Ashram. No local, tive aulas de yoga, e todos os dias trabalhava uma hora na cozinha – uma regra local. Às 19h, havia uma meditação, frequentemente com música. Há diversas tendências diferentes no país. Sem dúvida, na próxima viagem – já que ficou constatado que terei que voltar – irei priorizar o aspecto místico do Índia.
Como esperado, a ida à Índia foi a viagem da minha vida. E a dimensão dela não está nas fotos, nas narrativas, nem mesmo neste texto. Está dentro de mim, nas sensações que tive, nas lembranças que permanecerão, e nas transformações internas que qualquer viagem produz. Porque uma vida só é Vida, de fato, se há intensas viagens, e uma viagem só é Viagem, de fato, se há real transformação. Lá do outro lado do mundo, na Índia, sei que ficou um pedacinho de mim. E aqui dentro do meu peito, eu acho que ficou a Índia inteira.
(*) Leandro Uchoas é jornalista.

Estupro bárbaro ressuscita pauta das mulheres

NOVA DÉLHI – Em 16 de dezembro, um crime chocou a Índia e o mundo. Em um ônibus, voltando do cinema, uma jovem estudante de 23 anos foi estuprada, diante do namorado, por seis homens – incluindo o motorista. Lançado na estrada, o namorado também sofreu graves ferimentos. Levada ao hospital Mount Elizabeth, em Cingapura, a jovem não suportou e morreu. Desde então, uma onda de protestos contra os estupros tomou o país. Na mídia local, quase um mês depois, a repercussão centraliza o noticiário.
A solidariedade às mulheres vítimas de violência sexual tem partido de todos os setores sociais. Inclusive manifestações predominantemente masculinas têm sido vistas em diversas capitais. Uma grande manifestação está prevista para 26 de janeiro, dia da independência do país. Casos graves de estupro foram revelados inclusive nos altos postos governamentais da Índia. A gravidade das novas histórias reveladas, e os constantes protestos, mantém o assunto no centro da pauta.
Pressionado pela opinião pública internacional, o país discute quais as características da sociedade indiana teriam levado a estatísticas tão preocupantes. As organizações de defesa dos direitos das mulheres, que denunciam há anos os abusos, estão sob atentos holofotes. Segundo suas lideranças, uma das principais causas dos abusos é cultural. Conhecida como “capital do estupro”, Nova Délhi teria a cultura do assédio em locais públicos. Só em 2012, 635 casos de estupro foram reportados, com apenas uma condenação. Houve, ainda, outros 193 casos registrados de assédio.
“É normalmente aceito que os homens digam coisas grosseiras na rua, ou se esfreguem nas mulheres no ônibus. Acontece com absolutamente todas. E sempre se ouvem comentários como ‘olhe como ela está vestida’, ou ‘foi ela que provocou'”, denuncia a ativista social Renana Jhabvala, referência em Nova Délhi da Self-Employed Women’s Association (SEWA), hoje a principal articulação de entidades de defesa das mulheres no país. “Mudar a cultura de Nova Délhi é a tarefa mais árdua, e exige esforços por meses, anos ou até décadas”, conclui.
As organizações estão, agora, ampliando o estímulo para que as mulheres façam a denúncia. Não acreditam que as estatísticas de estupro, mesmo muito elevadas, sejam reais. Afirmam que as mulheres ainda se sentem muito constrangidas em falar. Por isso, proclama-se o apoio dos homens, e uma polícia mais pró-ativa. No caso da jovem estudante, considerado emblemático, os policiais teriam levado mais de 24 horas para agir. “Mesmo alguns juízes ainda consideram muitos casos de estupro culpa da mulher”, complementa Renana.
“Quem tem que sentir vergonha é quem estupra, e não quem é estuprado”, sintetiza a feminista Mirai Chatterjee, que também coordena a SEWA, mas em Ahmedabad, e compõe o Conselho Consultivo Nacional (NAC) do primeiro-ministro indiano. “Esse caso tem elementos positivos. As denúncias de estupro estão aumentando. As pessoas saíram às ruas como nunca para protestar. E a mídia também está dando uma cobertura grande, benéfica ao estímulo do debate”, diz.
Organizações de defesa dos direitos da mulher tentam aproveitar o momento para promover a discussão pedagógica na sociedade. Elas estão indo às escolas para conversar, principalmente, com os meninos. Estão convencidas de que a essência do trabalho está na luta contra o machismo, profundamente enraizado na sociedade indiana. “Também estamos estimulando a conversa com a vizinhança, o debate no ambiente religioso. E promovendo o empoderamento econômico das mulheres, mais importante do que se imagina”, afirma Mirai.
Reivindicações
As medidas a serem tomadas para combater o assédio sexual na Índia, no entanto, dependem sobretudo da vontade política dos governos. E as organizações estão cientes de que esse momento, em que a sociedade debate amplamente os crimes, é o instante de se cobrar ação. Patrulha policial, implantação de câmeras de segurança, iluminação das ruas à noite – muito escassa na Índia –, e uso de GPS em ônibus e trens são algumas das exigências mais imediatas.
“Essa atitude bárbara dos estupradores, que em parte revela o que há de pior na nossa sociedade, pode servir como estímulo ao próprio aprimoramento dela”, conclui Usha Thakkar, coordenadora da organização Mani Bhavan.
A pauta das mulheres tem, ainda, outras reivindicações. A implantação de um serviço telefônico para denúncias, a instalação de cabines policiais nas proximidades de escolas e universidades, e aplicação de multas por assédio são algumas das sugestões. Campanhas de conscientização para que se denuncie têm sido recomendadas para os governos e as empresas. “No entanto, nada é tão importante quanto à cooperação dos cidadãos e da polícia nas denúncias”, lembra Renana.
De maneira geral, as mulheres descartam qualquer tentativa de relacionar a religiosidade do povo indiano e os casos de estupro. “Isso é um simplismo que não cabe na complexidade da sociedade indiana”, diz Mirai. Ao chamar a atenção do mundo para os efeitos nocivos do machismo na Índia, o caso bárbaro de Nova Délhi pode entrar para a história como um divisor de águas no combate ao assédio sexual no país.
(*) Leandro Uchoas é jornalista. Reportagem publicada originalmente na Caros Amigos.

Às margens de Itaquera, remoções

Carla Vaneide, moradora que quase teve a casa derrubada com os filhos dentro. Foto: Leandro Uchoas.

A experiência da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, já dava sinais de que o Brasil, como sede da edição seguinte, não tinha tanto o que celebrar. No país africano, de realidade social semelhante à brasileira, a regra foram as remoções forçadas e sem indenização justa, territórios sem lei criados para garantir os lucros da Fifa, informações não prestadas a contento, corrupção massiva, obras questionáveis e superfaturadas, elefantes brancos (depois do evento), violação de legislação ambiental e tráfico de pessoas. Em terras tupiniquins, todos os movimentos do poder público têm levado a crer que o roteiro não será muito diferente. Há um mês, a Articulação dos Comitês Populares da Copa, formada por representantes das 12 cidades-sede, lançou um dossiê completo constatando violações de direitos sociais e ambientais. Pela amplitude geográfica e pela fartura de abusos, o documento impressiona.
Na região de Itaquera, Zona Leste de São Paulo, está sendo construído o novo estádio do Corinthians, destinado a sediar a abertura da Copa. Será um dos três únicos estádios privados na lista da Copa; o único deles, entretanto, ainda a ser construído. O financiamento das obras, como em quase todos os casos, é público – tem origem no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Orgulhosos, torcedores do time visitam o local para tirar fotos e fazer filmagens. É nas redondezas do estádio, no entanto, que se percebem problemas pouco abordados pelos veículos tradicionais de mídia. Seis comunidades do entorno já têm sentido a ameaça de impacto de empreendimentos paralelos à construção do estádio.
A ampliação da Radial Leste, por exemplo, levou à remoção de casas na comunidade de Vila Progresso – cujas regiões mais próximas da rodovia têm mais de “vila” do que de “progresso”. Segundo os moradores locais, os agentes da subprefeitura chegaram repentinamente à área para promover a derrubada de casas. Os moradores conseguiram resistir, mas eles retornaram em seguida, em horário de trabalho. A moradora Carla Vaneide disse que sua casa quase foi derrubada com os três filhos dentro, já que estavam dormindo enquanto ela trabalhava. “Entraram em um acordo comigo. Disseram que não iriam derrubar agora, só depois. Mas vieram no momento em que eu fui trabalhar, e quase derrubaram. Com o que fizeram, minha televisão queimou. Paguei R$ 120 no concerto. Ninguém aparece pra falar nada”, disse, mostrando em sua casa as paredes tortas ou encharcadas de água.
Segundo os moradores da Vila Progresso, as remoções das casas do entorno são feitas de forma a também forçar os não removidos a querer sair o mais rápido possível. As casas que restaram, na região, têm as paredes empenadas, com infiltrações, e os moradores têm agora que conviver com ratos que surgem quando chove. Os que saíram contam com uma ajuda de custo de apenas R$ 300 para pagamento de aluguel, quantia insuficiente para as casas próximas ao local. “Não existe mais aluguel neste valor. O pessoal aí aluga casa pra pagar R$ 400, outros R$ 500. Quem saiu está muito insatisfeito. E aqui as coisas pioraram em todos os aspectos”, diz Cícero da Silva.
As contas de luz da região também ficaram, todas, repentinamente mais caras. Segundo os moradores, a subprefeitura avisou que o período de contrato de renda mínima teria acabado. “As contas de todo mundo aqui triplicaram. Eu pagava R$ 12, e agora veio R$ 30”, protesta Seu Aluízio. Segundo o professor Valter de Almeida Costa, são estratégias utilizadas justamente para se pressionar pela saída. Integrante das Comunidades Unidas da Zona Leste, espaço que articula as seis comunidades afetadas pelas obras da região, Valter protesta especialmente contra a falta de informação sobre o que se planeja para a região.
“O que seria justo é que a população de Itaquera tivesse acesso às informações, soubesse o que vai acontecer. Essa informação nós não temos. A população fica em completa insegurança. Às vezes nasce um filho ou neto, e a pessoa não sabe se pode construir um quarto pra ele. Não havendo informação oficial, o que existe é o terror dessas famílias”, reclama Valter. Segundo ele, está completando um ano que representantes das comunidades procuraram a subprefeitura para obter informação. No final de 2011, foi organizado um evento de suposto diálogo com a classe média local, sem que as comunidades fossem avisadas. No entanto, as lideranças ficaram sabendo e foram ao evento, sem encontrar qualquer espaço para dialogar.
“Vivo na comunidade há 37 anos. Criei meus três filhos aqui. A gente fica triste com o que está acontecendo”, diz Maria Nilza Severo, que guiou a reportagem pelas ruas de Vila Progresso, mas também se surpreendeu com os relatos dos moradores. “Nem eu sabia que estava acontecendo tanta coisa ruim”, disse, confirmando que a desinformação promovida por setores tradicionais da mídia atinge, inclusive, os vizinhos mais próximos dos atingidos. O que acontece em Vila Progresso também tende a ocorrer nas outras cinco comunidades – e, saliente-se, em todas as cidades-sede da Copa. Na Comunidade da Paz, os moradores também estão apreensivos, sem saber qual será seu destino. O comerciante Pedro Furtado sintetiza: “Parece que São Paulo só vai existir até 2014. Eles não conseguem entender que nós, das comunidades, somos o progresso de São Paulo.”

2012, reinício do mundo!

Algum engraçadinho inventou que os Maias anunciaram, para 2012, o fim do mundo. Embora todos os especialistas em cultura maia já tenham desmentido o boato, prevaleceu a versão do travesso, que deve estar se matando de rir dos efeitos de sua traquinagem. Não é de hoje que os fofoqueiros são capazes de fazer um estrago na opinião pública. Agora, um exército de preocupados anda com a pulga atrás da orelha. Ponto para a mídia de mercado, que ganhou um motivo a mais para reciclar suas reportagens catastrofistas, sempre muito rentosas.
Por que, no entanto, ao invés de negar o boato, não nos aproveitamos dele? Por que não imaginar que, de fato, esse mundo velho, onde tudo está torto, chegou ao fim, para dar vez a um mudo novo, solidário, justo e efetivamente democrático? Por que não imaginar 2012 como um ano de reinício, oportunidade única para se refazer esse modelo injusto de sociedade? Por que não damos, nós mesmos, fim a esse planeta, para criar um outro, efetivamente de todos?
Os que têm pressa de viver, e sonhos para além da conta, acompanhem-me nessa brincadeira. E imaginemos como será o mundo depois do fim:
– as guerras serão feitas de música, as espadas serão feitas de flores, e os fuzis serão feitos de flautas.
– os tiranos que dominam povos inteiros perceberão o quanto é efêmero e imaginário seu poder, e o quanto eles não valem um grão de areia a mais do que o menino sujo e faminto a pedir moedinhas no sinal.
– as pessoas perceberão que, quando falamos de tiranos que dominam povos, não nos referimos apenas aos ditadores de países de nome complicado, mas também do que se convencionou chamar de “investidores” e “megaempreendedores”.
– aqueles mocinhos de barba bem cortada, gravata no pescoço e sapato bem engraxado, vão de repente parar de correr de um lado para o outro. Vão colocar uma bermuda velha, e olhar para o céu. Ou que seja para uma montanha, ou para uma multidão. E, ao perceber o quanto é imenso o mundo, e o quanto são transitórias e desimportantes suas preocupações, abandonarão a mentira que chamam de vida.
– os jovens, de tão sã e potente rebeldia, perceberão e respeitarão o valor imenso da sabedoria dos mais velhos, especialmente desses anjos de luz a que chamamos de mãe e pai. E os idosos perceberão e respeitarão o poder de transformação da rebeldia dos jovens, e o papel que ela cumpre na reciclagem do mundo.
– as crianças serão efetivamente crianças, o máximo que lhes for possível. Seu jeito doce de ser, e o som suave de seu riso, vão enfim tomar o mundo. E permanecerão crianças até mesmo quando tiverem que trabalhar, ter filhos e contas a pagar.
– as contas a pagar, os sobrenomes e os cargos não se tornarão mais importantes do que a amizade, a partilha, a arte, o vento, o sol e a lua. Nunca mais.
– a vida terá mais de feminino, mais de boemia, mais de vagabundagem, mais de poesia, mais de loucura, mais de sensibilidade. E se decretará, em lei, que todo encontro ou reencontro, mas todo mesmo, deve ser como um abraço.
– e também se decretará, em lei, que as algumas leis são uma grande encrenca.
– não haverá mais esses depósitos de pobres errantes chamados prisões. E os ladrões mais abomináveis, os banqueiros, vão ficar com uma baita preguiça de roubar tanto.
– aqueles que tanto desejam ser ricos e famosos vão olhar, ao menos uma vez, por cinco ou seis minutos que seja, pela janela de suas casas. Ao ver miséria humana, se ainda houver, hão de rever suas metas. Fazendo-o, tornar-se-ão, enfim, ricos de fato.
– a mentira não será mais o maior dos vícios humanos, nas ruas, nas casas e nos jornais.
– os homens da Política não mais almejarão a fortuna, enganosa, ou o poder, passageiro. E os cidadãos comuns entenderão que de seu voto depende a sanidade da Política. Afinal, virar as coisas para o problema é ser conivente com ele.
– a crise ambiental será resolvida com a única solução possível, a mudança radical do modo de se organizar a vida no planeta.
– serão abolidas, com um decreto de lei, todas as fronteiras do mundo, de países, de classes, de religiões, de idades, de culturas, de afetos.
– ninguém mais se importará sobre como as pessoas fazem amor, mas apenas se elas amam. Nada mais.
– todo recurso será mobilizado para educar crianças, porque a tarefa mais óbvia não pode viver de migalhas.
– os maiores vícios químicos serão não a pedra, mas o sorriso, não o pó, mas o abraço. E legiões de jovens serão abandonados na afetolândia.
Entretanto, caso o inesperado aconteça e essas previsões ainda não se confirmem, não há porque se desanimar. Permaneceremos na luta, incansáveis, construindo devagarzinho o cenário para que essa nova Terra surja, incomparável e bela, e para que dentro dela nasça algo que possa, de fato, e com justiça, ser chamado de Humanidade. Assim, quando ela vier, em um ano, um século ou um milênio, certamente terá um pouquinho de nós.

2012, reinício do mundo!

Algum engraçadinho inventou que os Maias anunciaram, para 2012, o fim do mundo. Embora todos os especialistas em cultura maia já tenham desmentido o boato, prevaleceu a versão do travesso, que deve estar se matando de rir dos efeitos de sua traquinagem. Não é de hoje que os fofoqueiros são capazes de fazer um estrago na opinião pública. Agora, um exército de preocupados anda com a pulga atrás da orelha. Ponto para a mídia de mercado, que ganhou um motivo a mais para reciclar suas reportagens catastrofistas, sempre muito rentosas.

Por que, no entanto, ao invés de negar o boato, não nos aproveitamos dele? Por que não imaginar que, de fato, esse mundo velho, onde tudo está torto, chegou ao fim, para dar vez a um mudo novo, solidário, justo e efetivamente democrático? Por que não imaginar 2012 como um ano de reinício, oportunidade única para se refazer esse modelo injusto de sociedade? Por que não damos, nós mesmos, fim a esse planeta, para criar um outro, efetivamente de todos?

Os que têm pressa de viver, e sonhos para além da conta, acompanhem-me nessa brincadeira. E imaginemos como será o mundo depois do fim:

– as guerras serão feitas de música, as espadas serão feitas de flores, e os fuzis serão feitos de flautas.

– os tiranos que dominam povos inteiros perceberão o quanto é efêmero e imaginário seu poder, e o quanto eles não valem um grão de areia a mais do que o menino sujo e faminto a pedir moedinhas no sinal.

– as pessoas perceberão que, quando falamos de tiranos que dominam povos, não nos referimos apenas aos ditadores de países de nome complicado, mas também do que se convencionou chamar de “investidores” e “megaempreendedores”.

– aqueles mocinhos de barba bem cortada, gravata no pescoço e sapato bem engraxado, vão de repente parar de correr de um lado para o outro. Vão colocar uma bermuda velha, e olhar para o céu. Ou que seja para uma montanha, ou para uma multidão. E, ao perceber o quanto é imenso o mundo, e o quanto são transitórias e desimportantes suas preocupações, abandonarão a mentira que chamam de vida.

– os jovens, de tão sã e potente rebeldia, perceberão e respeitarão o valor imenso da sabedoria dos mais velhos, especialmente desses anjos de luz a que chamamos de mãe e pai. E os idosos perceberão e respeitarão o poder de transformação da rebeldia dos jovens, e o papel que ela cumpre na reciclagem do mundo.

– as crianças serão efetivamente crianças, o máximo que lhes for possível. Seu jeito doce de ser, e o som suave de seu riso, vão enfim tomar o mundo. E permanecerão crianças até mesmo quando tiverem que trabalhar, ter filhos e contas a pagar.

– as contas a pagar, os sobrenomes e os cargos não se tornarão mais importantes do que a amizade, a partilha, a arte, o vento, o sol e a lua. Nunca mais.

– a vida terá mais de feminino, mais de boemia, mais de vagabundagem, mais de poesia, mais de loucura, mais de sensibilidade. E se decretará, em lei, que todo encontro ou reencontro, mas todo mesmo, deve ser como um abraço.

– e também se decretará, em lei, que algumas leis são uma grande encrenca.

– não haverá mais esses depósitos de pobres errantes chamados prisões. E os ladrões mais abomináveis, os banqueiros, vão ficar com uma baita preguiça de roubar tanto.

– aqueles que tanto desejam ser ricos e famosos vão olhar, ao menos uma vez, por cinco ou seis minutos que seja, pela janela de suas casas. Ao ver miséria humana, se ainda houver, hão de rever suas metas. Fazendo-o, tornar-se-ão, enfim, ricos de fato.

– a mentira não será mais o maior dos vícios humanos, nas ruas, nas casas e nos jornais.

– os homens da Política não mais almejarão a fortuna, enganosa, ou o poder, passageiro. E os cidadãos comuns entenderão que de seu voto depende a sanidade da Política. Afinal, virar as coisas para o problema é ser conivente com ele.

– a crise ambiental será resolvida com a única solução possível, a mudança radical do modo de se organizar a vida no planeta.

– serão abolidas, com um decreto de lei, todas as fronteiras do mundo, de países, de classes, de religiões, de idades, de culturas, de afetos.

– ninguém mais se importará sobre como as pessoas fazem amor, mas apenas se elas amam. Nada mais.

– todo recurso será mobilizado para educar crianças, porque a tarefa mais óbvia não pode viver de migalhas.

– os maiores vícios químicos serão não a pedra, mas o sorriso, não o pó, mas o abraço. E legiões de jovens serão abandonados na afetolândia.

Entretanto, caso o inesperado aconteça e essas previsões ainda não se confirmem, não há porque se desanimar. Permaneceremos na luta, incansáveis, construindo devagarzinho o cenário para que essa nova Terra surja, incomparável e bela, e para que dentro dela nasça algo que possa, de fato, e com justiça, ser chamado de Humanidade. Assim, quando ela vier, em um ano, um século ou um milênio, certamente terá um pouquinho de nós.

Entre amigos, MST celebra 15 anos de luta no Rio

Reunidos pelo afeto e pela militância, todos sabiam que não era aquele o momento mais nobre, nem o local mais importante. Sabiam que, representados por aquelas pessoas, havia muitas outras, e simbolizados por aquelas danças, o suor e a lágrima de uma década e meia. Anos a fio de reuniões, ocupações, mobilização e resistência. Na última sexta-feira (9), o MST/RJ comemorou seus 15 anos no Estado ao lado dos amigos e amigas. A celebração aconteceu do modo como esses setores sempre estiveram: juntos. Reunidos em duas colunas, frente a frente, no auditório do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ), utilizaram de canto, dança, filme e discursos para, basicamente, recordar.
Entre o som de uma e outra canção, a história da atuação do movimento no Rio foi contada desde o princípio, em 1996. Em verdade, o relato inicia ainda nos anos 1950, com os conflitos de terra na Baixada Fluminense, devido ao avanço da especulação imobiliária. As primeiras ocupações de terra começam em 1997, em usinas sucroalcooleiras. Neste ano, já chegam ao coração da indústria de cana-de-açúcar, na região de Campos. O maior assentamento do Estado, o Zumbi dos Palmares, ameaçado atualmente de ser afetado pelo desvio de traçado da BR-101, foi uma conquista daquele ano. Nos anos seguintes, segue a trajetória de luta do movimento, até os dias conturbados da atualidade, quando a Reforma Agrária deixou de ser pauta de todos os governos, o Brasil se torna recordista mundial de consumo de agrotóxicos e é virtualmente escolhido pela Comunidade Internacional como país exportador de produtos primários.
“É pelo amor a essa pátria, Brasil, que a gente segue em fileira”, dizia a canção do vídeo de abertura, sintetizando o espírito do movimento. Todas as pessoas se apresentaram. O discurso de José Batista, da Direção Nacional, deu sinais de apreensão para evento de janeiro, quando se realizará o Encontro Nacional. Ele demonstrou a sensação de que a Reforma Agrária está, cada vez mais, fora da pauta do governo federal. “Em agosto, fizemos uma grande luta em todos os Estados do Brasil, e o governo se comprometeu, reconhecendo que a Reforma não estava avançando”, disse, lamentando que depois a opção não tenha se confirmado. “No Encontro vamos buscar uma estratégia de pressionar o governo. O Orçamento da Reforma Agrária é um dos mais baixos de todos os tempos esse ano”, completou.
Farta representação
A atividade contou com presenças ilustres como o militante italiano Cesare Battisti, vítima de forte pressão do governo de seu país por deportação, causando uma crise diplomática com o Brasil, e o advogado homenageado Miguel Baldez, parceiro histórico do movimento. “O MST é a nossa utopia em construção”, disse Baldez, que também homenageou dois militantes do MST. Estiveram, também, presentes o deputado federal Chico Alencar (PSOL) e o estadual Robson Leite (PT). Diversos setores da sociedade civil organizada estavam representados, declarando apoio.
Houve, ainda, uma homenagem emocionada a Egídio Brunetto, ícone do movimento que morreu há uma semana numa acidente de trânsito. “Achei muito significativo que o Battisti estivesse aqui porque o Egídio foi um dos maiores propositores de solidariedade internacional”, afirmou Marina dos Santos, integrante da Direção do MST. Ao final, um coquetel simples foi oferecido aos presentes, junto a pequenos brindes. Desde a quinta-feira (8) até aquele dia, integrantes do movimento organizaram, no Centro do Rio, uma feira de produtos da Reforma Agrária, vendendo alimentos orgânicos a preços para lá de módicos. Como a feira, a festa seguiu como se suspeitava que seria, com alegria e solidariedade. Merecidas, por certo. Longa vida ao MST do Rio. (L.U.)