Neste dia 24 de Janeiro de 2019, completam-se dez anos do assassinato de Manoel Mattos. Manoel era advogado, vereador na cidade de Itambé, em Pernambuco, e foi incansável no enfrentamento dos grupos de extermínio que atuavam na fronteira deste estado com a Paraíba.
Dez anos após sua execução, a Justiça Global relembra a inestimável trajetória deste defensor de direitos humanos, e também pergunta: quanto caminhamos na proteção a defensores nestes dez anos?
O ensinamento de luta de Manoel foi seguido com afinco por seus familiares, por sua mãe, Dona Nair, e por todos os que se uniram para que este caso fosse processado e julgado, tornando-se o primeiro episódio de federalização da história da Justiça brasileira.
Devido a “recentes denúncias de tortura e demais agressões”, Corte Interamericana de Direitos Humanos constatou que ainda há “risco iminente para a vida e integridade pessoal” de adolescentes internados em unidade socioeducativa.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA manteve as medidas provisórias que determinam que o Estado brasileiro tem obrigação de garantir a vida e integridade pessoal dos adolescentes internados na Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), localizada no município de Cariacica, região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Em nova resolução divulgada hoje (21), a Corte afirmou que persisite uma situação “extrema gravidade e urgência” e que a proteção dos adolescentes deve ser mantida “sem prejuízo de que alguns desses beneficiários [os adolescentes] tenham mudado o local de privação de liberdade”, ou seja, tenham sido transferidos para outra unidade de internação.
Essa é a segunda resolução emitida pela Corte da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação a UNIS em um periodo de apenas 7 meses. A primeira denúncia internacional em relação à situação da unidade foi encaminhada em 2009, após sucessivas rebeliões e homicídios de adolescentes praticados dentro do local. A denúncia foi enviada ao sistema interamericano de direitos humanos pelo Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra (CDDH/Serra) e pela Justiça Global, em parceria com a Pastoral do Menor e apoio da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.
Em reposta à denúncia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu medidas cautelares de proteção. Constatando o descumprimento da determinação, a Comissão então encaminhou um pedido de medidas provisórias à Corte, instância superior, em 2011. Em 25 de fevereiro de 2011, a Corte emitiu sua primeira resolução sobre a UNIS, exigindo que o Estado adotasse “de forma imediata as medidas que fossem necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade pessoal de todas as crianças e adolescentes privadas de liberdade na UNIS, bem como de qualquer pessoa que se encontre em dito estabelecimento”. A Corte marcou audiência pública para o dia 25 de agosto em Bogotá, Colômbia, para receber informações sobre o cumprimento de sua determinação pelo Estado brasileiro.
Em Resolução datada 1º de setembro de 2011, mas enviada ontem aos peticionários, a Corte informa sobre a renovação das medidas provisórias de proteção apesar do Estado ter pedido a suspensão das mesmas na audiência de agosto. A Corte reconheceu que “persistiram denúncias sobre fatos violentos dentro da UNIS”, fazendo referência a casos recentes de torturas e demais agressões apresentados pelos peticionários em seus relatórios e na audiência pública. Para a Corte esses novos casos representam uma situação de risco iminente para a vida e integridade pessoal dos adolescentes e ordenou que o Estado garantisse a proteção desses jovens. A presente Resolução tem validade até 30 de abril de 2012.
Ao solicitar a suspensão das medidas, o Estado Brasileiro alegou que a maior parte dos adolescentes que se encontravam na UNIS desde a primeira resolução da Corte, havia sido transferida para outras unidades de atendimento socioeducativo. Mas a Corte afirmou que:
“os beneficiários das presentes medidas são aqueles que desde a data de adoção das presentes medidas provisórias encontram-se privados de liberdade, e que ditas medidas foram adotadas pela situação particular informada na Unidade de Internação Socioeducativa, sem prejuízo de que alguns desses beneficiários tenham mudado o local de privação de liberdade. A respeito das pessoas que foram transferidas a outros centros de internação, o Estado mantém suas obrigações gerais estabelecidas no artifo 1.1 da Convenção Americana de respeitar e garantir seu direito à vida e à integridade pessoal”.
O CDDH/Serra e a Justiça Global enfatizam que a inauguração de novas unidades e transferências de adolescentes da UNIS não tem resultado em melhoras para a proteção dos mesmos. Os peticionários informaram à Corte que “27 beneficiários” transferidos sofreram abusos em seus novos locais de internação no sistema socioeducativo do Espírito Santo. Destacam especificamente o caso do adolescente Romário da Silva Raimundo, de 17 anos, que era interno da UNIS quando as medidas da Corte iniciaram e foi transferido à na Unidade Socioeducativa de Linhares no dia 7 de junho de 2011, onde cometeu suicídio semanas depois após ter sido colocado em isolamento. Além desse lamentável e triste acontecimento os peticionários têm registrados novos casos de tortura e suicídio no sistema socioeducativo do estado. E desde a audiência em agosto, houve uma rebelião na Unidade de Linhares.
No documento de 12 páginas, a Corte recorda ao Estado que “estão estritamente proibidas as medidas disciplinares que constituam um tratamento cruel, desumano ou degradante, incluídos os castigos corporais, a reclusão em isolamento, bem como qualquer outra sanção que possa colocar em perigo a saúde física ou mental do menor”. Entre outros abusos, os peticionários denunciaram na audiência que adolescentes na UNIS e demais unidades do estado eram frequentemente algemados em posições doloras (uma delas denominada “Jesus Cristo” pelo posicionamento dos braços das vítimas) durante horas como forma de tortura.
O Estado tem o prazo de dois meses para emitir suas considerações em relação a nova Resolução da Corte.
No próximo dia 25 de agosto, quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará o pedido de FEDERALIZAÇÃO do assassinato do advogado MANOEL MATTOS e de cerca de 200 outros casos envolvendo GRUPOS DE EXTERMÍNIO que atuam na fronteira entre Pernambuco e Paraíba.
Formados em grande parte por agentes do estado – com participação de delegados, magistrados e políticos – estes grupos seguem atuando livremente na região. O deferimento da federalização garantirá maior imparcialidade na investigação e no julgamento das cerca de 200 mortes causadas em menos de dez anos. A competência da investigação, do julgamento e de outros processamentos judiciais seria deslocada das autoridades locais para a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal.
Este pode ser o primeiro passo para que finalmente estes grupos sejam desarticulados e para que seus integrantes sejam responsabilizados. Mas para que isso aconteça, é muito importante que as organizações da sociedade civil se manifestem.
Abaixo está um modelo de carta para ser enviada aos ministros do STJ.
Carta aos ministros do Superior Tribunal de Justiça
Exmo(a). Ministro(a),
[A presente organização vem], através dessa carta, manifestar o seu amplo apoio ao deferimento do pedido de Incidente de Deslocamento de Competência nº 2 – DF (2009/0121262-6), que tramita neste tribunal.
O processo é referente à federalização da investigação e do processamento judicial do assassinato do defensor de direitos humanos Manoel Mattos e de cerca de 200 outros casos de mortes atribuídas à atuação de grupos de extermínio na região fronteiriça entre Pernambuco e Paraíba. São casos emblemáticos de violações de direitos humanos que cumprem todos os requisitos para a federalização e que, portanto, devem receber uma resposta efetiva do Estado brasileiro.
O deferimento do IDC será decisivo para que se faça uma investigação completa e imparcial dos grupos de extermínio que atuam na região de forma integrada e sistemática. Acreditamos que o assassinato de Manoel Mattos só pode ser entendido a partir da investigação destes grupos e do envolvimento direto de agentes estatais na articulação, no financiamento e na execução de crimes nos estados de Pernambuco e Paraíba.
Nesse sentido, reforçamos a necessidade de que sejam federalizados todos os casos que são objeto do IDC, e não apenas a execução de Manoel Mattos. A apuração isenta desses crimes seria o primeiro passo para a desarticulação de fato das redes criminosas e a responsabilização dos envolvidos. Lembramos que os próprios estados da Paraíba e Pernambuco já declararam publicamente serem favoráveis ao IDC nesses termos.
A federalização pode significar o fim de grupos criminosos que dominam espaços públicos de poder há décadas. Para nós, a luta e as denúncias de Manoel Mattos não podem ser silenciadas com o seu assassinato.
Há menos de um mês, seis traficantes foram encurralados por policiais e fizeram uma família refém na favela Vila dos Pinheiros, na Maré, zona norte do Rio de Janeiro. A condição para a rendição era emblemática: os homens queriam a presença da mídia e de familiares para que, segundo a própria imprensa noticiou, lhes fosse garantido o direito à vida. Houve a negociação e os seis foram presos.
Episódios de seqüestro público regularmente terminam dessa forma. As tragédias costumam acontecer justamente quando a polícia toma uma medida precipitada, como no caso do ônibus 174. Afinal, é razoável afirmar que a intenção de quem se esconde por trás de um refém seja a preservação de sua própria vida, independente da agressividade, do desespero e do medo que esteja sentindo. É fundamental, portanto, que a negociação seja incansável: a rendição é praticamente certa e a busca deve ser, sempre, pela resolução do foco de conflito sem que haja a morte de nenhum dos envolvidos.
Não foi o que aconteceu na ação policial da última sexta-feira, dia 25 de setembro de 2009, no bairro de Vila Isabel. Um tiro de fuzil acertou a cabeça de Sergio Ferreira Pinto, que, cercado por policiais do 6º Batalhão e já baleado na barriga, fazia como refém Ana Cristina Garrido, dona de uma farmácia na Rua Pereira Nunes. Apesar de a ação ter terminado em uma morte violenta, o caso de Vila Isabel foi festejado efusivamente por quase todos os meios de comunicação.
O policial que efetuou o disparo foi o major João Jacques Busnello, que a imprensa imediatamente elegeu como novo herói nacional. Há cerca de cinco meses, o mesmo nome estampou os jornais: Busnello tinha sido preso em flagrante no estádio do Maracanã por lesão corporal dolosa, prevaricação e abuso de autoridade. Esse, no entanto, não é o crime mais grave atribuído ao major.
Em setembro de 1998, onze anos antes da ação policial em Vila Isabel, o jovem recruta do exército Wallace de Almeida caiu baleado pelas costas na porta da casa de sua mãe, na favela da Babilônia, na zona sul da cidade. A equipe chefiada pelo então tenente Busnello – que já era conhecido pela truculência e arbitrariedade com que costumava agir no local – invadiu a residência, insultou parentes do rapaz e impediu o socorro imediato a Wallace, que acabou sendo arrastado morro abaixo pelos próprios policiais e faleceu logo após sua entrada no hospital.
Embora todas as provas apontassem para execução, o homicídio de Wallace – que tinha 18 anos, era negro e morador de favela – foi registrado como “morte em confronto com policiais”. A família denunciou João Jacques Busnello pelo assassinato, mas, como de praxe em casos de “auto de resistência”, o Tribunal de Justiça não aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público em 2007 – nove anos depois.
O caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que considerou que o Estado brasileiro não havia sido capaz de responsabilizar os autores da execução de Wallace. A OEA determinou que fosse promovida a plena reparação dos familiares de Wallace, o que forçou o governo do estado do Rio de Janeiro a realizar uma cerimônia oficial no último dia 25 de agosto – exatamente um mês antes do último disparo de Busnello.
O caminho trilhado por João Jacques Busnello ao longo dos últimos onze anos é peculiar. O oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro foi acusado da execução de um rapaz negro, foi promovido a capitão, passou pelo BOPE, assumiu o comando do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios, foi preso por lesão corporal dolosa, até que, já elevado ao posto de major, se tornou “herói” na televisão e nos principais jornais, onde se expôs orgulhoso como o protagonista de mais uma ação da Polícia Militar que termina com a morte de um rapaz negro. Para coroar a carreira do policial Busnello, um deputado já anunciou que vai lhe indicar para receber a Medalha Tiradentes.
Essa trajetória pode ser considerada um símbolo da política de segurança do governo do estado do Rio de Janeiro, que orienta e incentiva crimes e abusos dos agentes do Estado e que conta os mortos como uma prova de sua eficiência. Por sua vez, a reação dos meios de comunicação aponta para a naturalização da violência. É inaceitável que uma ação que termina em morte seja festejada.