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Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com. Página: www.gilvander.org.br

Brasil na UTI: e agora?

Brasil na UTI: e agora? Por Gilvander Moreira[1]

É tempo de Páscoa, mas o Brasil continua afundado em uma das maiores sexta-feira da paixão da nossa história. Sob as boas energias da Páscoa, que é passagem da escravidão para a libertação de todas as correntes, com a alegria da presença de Jesus Cristo ressuscitado no nosso meio, em nós, nos empobrecidos e em todos/as os/as crucificados/as da história, em todas as forças de vida, temos que seguir a luta pela salvação do povo brasileiro. A quaresma de 2021 passou, mas a quarentena que a pandemia requer precisa continuar e com maior rigor. A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 terminou, mas tornou-se necessário encararmos de forma permanente a luta para que o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” se torne uma realidade perene no nosso conviver social.

Escrito cerca de 40 anos após os acontecimentos, no Evangelho de Marcos, na Bíblia, em Mc 15,33-41 podemos encontrar uma cena altamente eloquente: Jesus de Nazaré crucificado. “Escuridão sobre toda a terra”. Jesus exclama: “Eloi, Eloi, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” […] “Jesus lançou um forte grito, e expirou. A cortina do santuário se rasgou de alto a baixo, em duas partes. Um oficial do exército, que estava bem na frente da cruz, viu como Jesus havia expirado, e disse: “De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus!””. De fato, condenaram um justo e inocente, que de tão humano se tornou Filho de Deus, à pena de morte, sob crucifixão – a pena mais execrável imposta pelo Império Romano -, após processo falso, sob a presidência de juízes suspeitos e parciais, em duas instâncias: 1) uma religiosa, sob Caifás, sumo-sacerdote, que presidia o sinédrio – um tipo de senado religioso, administrativo e jurídico – dominado por saduceus, os grandes invasores de terra da época que expropriavam os camponeses empurrando-os para a miséria; 2) e uma instância política, sob Pilatos, governador imposto pelo Imperialismo Romano, que “lavou as mãos”, mas pela neutralidade impossível ficou com as mãos suja de sangue, pois “entregou Jesus para ser crucificado”.

Com essa trama brutal dos podres poderes da época, só podia mesmo resultar em “noite escura sobre toda a terra”. Por ter se tornado sumamente humano, Jesus Cristo sente o horror da crueldade que lhe era imposta e clama: ‘Por que está acontecendo isso comigo? Meu Deus me abandonou?’ Eis uma experiência profundamente humana. Quando uma tragédia se abate sobre nós, as primeiras perguntas são: Por que isso? Tem a mão de Deus nisso? Entretanto, precisamos afastar e banir a interpretação bíblico-teológica que chega ao absurdo de afirmar que Jesus Cristo teria sido crucificado, porque Deus quis para nos salvar da condenação após a morte. Esta afirmação é absurda e execrável, por vários motivos: 1) Um Deus que quisesse a morte do seu filho seria um deus sádico e masoquista, não seria Deus, Pai e Mãe de infinito amor; 2) Não podemos espiritualizar e negar a trama histórica acontecida, que diz que Jesus foi condenado à morte, torturado e crucificado, porque pelo seu ensinamento libertador e por sua práxis transformadora, ele consolava quem estava sendo injustiçado/a e, assim, incomodava muito os opressores que eram titulares dos poderes religioso, político e econômico; 3) Jesus Cristo se tornou servo sofredor e doou sua vida por amor ao próximo, testemunhando que o caminho para construirmos uma verdadeira Páscoa inclui necessariamente doar a vida pelo próximo colocando em prática a lógica do amor e os princípios da misericórdia e da indignação contra toda e qualquer injustiça. Isso desmascara os opressores e exploradores.

A ressurreição de Jesus Cristo atesta que faz história e aponta o caminho justo a seguir quem se doa ao próximo construindo uma sociedade justa, solidária, (macro)ecumênica, sustentável ecologicamente e respeitosa quanto à imensa diversidade cultural. Por outro lado, foi, é e sempre será jogado na lata de lixo da história os opressores e exploradores, os que adoram na prática o ídolo capital. Nas entrelinhas, Jesus crucificado pergunta: “Meu Deus, meu Deus, para que me abandonaste?” Diante desta pergunta, nas entranhas da história, o Deus de infinito amor responde: ‘Não te abandonei. Os opressores te condenaram à morte cruel, mas eu estou contigo, porque te amo imensamente assim como amo todos/as os/as outros/as bilhões de filhos/as. Desta brutalidade surge um sinal: que todos/as sigam o seu exemplo, vivendo e lutando como você, meu amado filho viveu e lutou’.

“A cortina do templo se rasgou”. Ou seja, o projeto de Jesus rompeu radicalmente com o projeto dos podres poderes acumpliciado com o Império Romano. E também não há mais separação entre história profana e história da salvação. Há uma única história e é nas entranhas da história que o divino age e está ressuscitado no nosso meio. Por fim, é olho-no-olho, cara-a- cara, que até um ser humano usado para reproduzir a escravidão e a superexploração do Império Romano, um soldado, concluí: “Realmente, este crucificado é Filho de Deus!”

O povo brasileiro continua afundado em uma das maiores sexta-feira da paixão da nossa história. Mais de 340 mil irmãos e irmãs nossos já foram crucificados pela covid-19 e pela política de morte genocida em curso no Brasil. “Eu não consigo mais respirar”, clamam pedindo socorro milhares de irmãos e irmãs nossos entubados ou na fila de espera por uma UTI. A espada de dor da fome voltou a golpear milhões de corações de mães que ouvem seus filhos pedindo pão e não têm para lhes oferecer. O coronavírus está sendo letal para milhões em todo o mundo. Quem tem fome tem pressa, pois a fome mata como uma bomba que implode a pessoa por dentro e impõe morte lenta. Em 2,3 anos, com a política de morte do inominável antipresidente, o povo brasileiro empobreceu a níveis de “50 anos” atrás. Ai de quem negar os sinais dramáticos da brutalidade da pandemia da covid-19 e do desgoverno dos fascistas e genocidas que se apossaram do poder no Executivo Federal e está também em cerca de 70% do Congresso Nacional e com tentáculos no Supremo Tribunal Federal (STF), em empresários que adoram o ídolo capital e em pessoas cegadas por fake news disseminadas por fundamentalistas que dizem defender abstratamente a família, mas não praticam o que dizem, estão matando milhões de famílias aos poucos, de muitas formas!

Os sinais são alarmantes. O número de mortos pela covid-19 e de difusão do contágio segue aumentando dia a dia. Só em março último, foram 66 mil mortos no Brasil, número maior do que o número de vítimas no mesmo período em 109 países. Já ultrapassamos a média de 3 mil mortos por dia. E os dados oficiais de hospitais brasileiros apontam que o número de mortes por covid-19 já pode ter passado de 443 mil, quase 120 mil a mais que as estatísticas divulgadas pelo desgoverno federal. A mesma estimativa aponta que morrem cerca de 4 mil pessoas por dia no país. Pelos registros oficiais, com apenas 3% da população mundial, o Brasil tem 33% das mortes por dia no mundo.  Pesquisa da Universidade de Washington e de vários pesquisadores brasileiros, entre os quais o neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis, prevê para abril 100 mil mortos pela covid-19 podendo chegar em julho de 2021 com quase 600 mil mortos. Estão em falta vários tipos de remédios necessários para cuidar dos milhares que estão internados em UTIs. Assim, de abril a junho poderemos ter cerca de 300 mil mortos, o que levará o Brasil ao colapso funerário e a um ponto de não retorno da pandemia. Segundo o professor Miguel Nicolelis, esse colapso funerário resultará em contaminação do solo, do subsolo, dos lençóis freáticos, podendo eclodir muitas outras doenças epidêmicas gravíssimas. Todos os alertas dos cientistas têm se cumprido.

Repudiamos com veemência a decisão do ministro Nunes Marques, do STF, de 03 de abril, que determinou a abertura de igrejas para cultos/celebrações, fazendo, assim, uso político do Judiciário para favorecer interesses econômicos de grupos, inclusive religiosos, amparado em falsas e grosseiras motivações constitucionais. A liberdade de culto não pode comprometer outros direitos como a saúde e a vida das pessoas. Malditos os falsos religiosos que abusam da fé dos pobres para se enriquecerem, estão mais interessados no dízimo do que em cuidar espiritualmente das pessoas. Caso o plenário do STF não casse a decisão injusta do ministro Nunes teremos um aumento do contágio e daqui a 15 dias veremos o aumento do número de pessoas com covid-19 e de mortos. Prescrever que haja cultos com apenas 25% da capacidade das igrejas é medida insana, porque no 1º dia após a decisão vimos pelo Brasil afora centenas de igrejas lotadas. As prefeituras e a Polícia Militar não têm efetivo suficiente para fiscalizar todas as igrejas. O descontrole da pandemia exige com urgência o que já foi feito em vários países bem governados: lockdown nacional rígido de pelo menos 30 dias, sem aglomerações, com circulação apenas de atividades essenciais, com fechamento de portos, aeroportos, rodovias e rodoviárias. Tornou-se questão de vida ou morte: evitar aglomerações, levar a sério as medidas sanitárias de distanciamento social e corporal, uso correto de máscaras, higienização das mãos com frequência, vacinação de pelo menos 2 milhões de pessoas por dia, auxílio emergencial justo e digno, de, pelo menos, 600 reais para mais de 60 milhões de pessoas até o fim da pandemia, políticas públicas que garantam a vida das micro, pequenas e médias empresas. Quem no desgoverno federal e no Congresso Nacional determinou o fim do Auxílio Emergencial de 600 reais em dezembro de 2020 e a recriação somente de uma migalha de 250 reais apenas após três meses sem nenhum auxílio está sendo cúmplice do genocídio do povo e está com as mãos encharcadas de sangue. Não dá mais para tolerarmos a cumplicidade de 70% dos deputados/as e dos/as senadores/as e de parte do STF com o genocídio protagonizado pelo desgoverno federal. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, ao não colocarem em votação os mais de 60 pedidos de impeachment do antipresidente, estão sendo cúmplices do genocídio em curso. O STF também está tolerando o intolerável: política de morte que viola com requintes de crueldade a Constituição Federal. Na prática, o Congresso Nacional e o STF estão tentando servir a dois senhores: o mercado idolatrado (interesses do grande capital) e a vida do povo, oferecendo apenas migalhas para a parte mais empobrecida da população e bilhões para os banqueiros, por exemplo. Com medidas paliativas, a pandemia seguirá se agravando e matando massivamente. O Evangelho de Mateus registra que para Jesus Cristo “ninguém pode servir a dois senhores. Vocês não podem servir a Deus e ao capital” (Mt 6,24).

Enfim, quanto mais continuar só com vacinação a conta gotas, sem auxílio emergencial justo e digno e sem lockdown sério, só aumentarão os milhares de mortos; podendo chegar a mais de 1 milhão. E a quem está resistindo, sugiro já ir treinando e se acostumando a viver com pouco, de forma simples e austera, pois nunca mais será possível voltar ao “normal capitalista de antes”. Precisamos voltar ao estilo de vida dos povos originários, dos indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais: conviver de forma respeitosa com a natureza e cultivar um estilo de vida simples.[2] Eis a condição para a humanidade não ser extinta da nossa única Casa Comum, o planeta Terra.

07/04/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – “Brasil à beira de colapso funerário, do ponto de não retorno da pandemia”, alerta Miguel Nicolelis

2 – Live – FRATERNIDADE E DIÁLOGO: LUTA PELA VIDA. Feliz Páscoa com vacina, já! E Fora, Bolsonaro!

3 – Saúde e Educação em Tempos de Pandemia. Vacina, Já! Auxílio Emergencial, já! Fora, Bolsonaro, já!

4 – Margareth Dalcomo, da Fiocruz: “Teremos o março mais triste de nossas vidas.” 14/3/2021

5 – “Não tenho ar”: o desespero de brasileiros na semana mais letal da pandemia – Fantástico – 07/3/2021

6 – Bolsonaro é “imoral” e “genocida”, afirma o Padre Adauto Tavares, da Paraíba, em missa – 04/03/2021

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Páscoa em tempos de pandemia

Páscoa em tempos de pandemia. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Com quase 3 mil por dia, já ultrapassando no Brasil 312 mil mortos pela pandemia da covid-19, potencializada pela política de morte (necropolítica), planejada e executada para ser genocida, sob coordenação do antipresidente e de todo o desgoverno federal com a cumplicidade da maioria dos senadores e deputados/as, e do Supremo Tribunal Federal (STF), o povo brasileiro está afundado em uma das mais brutais “sexta-feira da paixão” da história do Brasil. Como celebrar a Páscoa de Jesus Cristo e nossa páscoa em meio a milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas? Como e onde encontrar forças e luzes para construirmos um domingo de ressurreição com condições de vida digna para todos/as? Como ter esperança de uma nova aurora em meio a tantas trevas?

Para encontrarmos forças e luzes para superarmos a gravíssima noite escura do capitalismo, da pandemia e do desgoverno fascista precisamos de vários instrumentos. Entre eles um se destaca: o de reconhecer as mais profundas lições da história.  Vejamos: segundo o Evangelho de Mateus, em Mt 2,1-12, após driblar o rei Herodes e encontrar o menino Jesus nascido na periferia, no meio dos marginalizados, os magos “seguiram por outro caminho”, não o caminho que passava pelo rei Herodes, opressor, repressor, sanguinário, genocida. Não podemos ser contaminados pelos complexos da impotência e da pequenez, disseminados pela ideologia dominante, que levam as pessoas a dizerem: “Não podemos fazer nada. Só Deus pode. Não temos poder de mudar esta situação!” Podemos transfigurar a realidade de morte, sim, muito mais do que às vezes pensamos. Em um contexto de grande opressão e de superexploração, onde as pessoas justas e inocentes são violentadas e veem os injustos tramando todo tipo de mal, há pessoas justas que tendem a passar para o lado dos opressores. Na Bíblia, o Salmo 72 no versículo 15 alerta: “Mas se eu falar como eles, se eu pensar e agir como eles, estarei traindo os nossos pais”, nossos ancestrais, os profetas, as profetisas, os/as mártires. É hora de nos voltarmos para os Povos Originais – indígenas -, Comunidades Tradicionais e para os Movimentos Sociais Populares que apontam o caminho: nos irmanarmos aos injustiçados/as e participar de suas lutas por todos os direitos. Perceber que há luz não apenas no fim do túnel, mas no meio do túnel também. É hora de ouvir e levar a sério as orientações e os alertas dos/as infectologistas/os, dos/as epidemiologistas e das pessoas que de fato estão construindo uma sociedade justa.

Há quase 2.000 anos ecoa uma notícia revolucionária dada em primeira mão por Maria Madalena, “apóstola dos apóstolos”, mulher que amava muito, era muito solidária e lutava contra toda e qualquer injustiça. Irradiando alegria, a partir do túmulo de Jesus de Nazaré, Maria Madalena saiu correndo e anunciando por todos os cantos e recantos: “Jesus está vivo, ressuscitou!” A Ressurreição de Jesus marca a vida das comunidades, animando-as no sentido de que o poder da morte não tem a última palavra. Bateram em ferro frio os chefes dos podres poderes da religião, da política e da economia, ao pensar que condenando Jesus de Nazaré à pena de morte, poriam fim ao movimento popular e religioso de fraternidade real, testemunhado e ensinado pelo Galileu da periferia da Palestina. Celebrar a Páscoa de Jesus de Nazaré é momento oportuno para revigorar nossa fé no Deus da vida, fé na humanidade, fé nos oprimidos e explorados, fé na Mãe Terra, na irmã água, em todas as fontes de vida e fé em nós mesmos. É também momento propício para celebrarmos todas as lutas do passado e do presente. Lutas por direitos fundamentais. Lutas que demonstram que só perde quem não se compromete com a realização dos desafios coletivos por direitos ou simplesmente desiste da luta. Quem persevera na luta dos Movimentos Sociais Populares conquista direitos, mais cedo ou mais tarde. O preço da liberdade é a vigilância constante.

O sentido da Páscoa não pode ser privatizado por expressões religiosas que desencarnam a fé cristã e amputam a dimensão social da fé judaico-cristã. A fé na ressurreição de Jesus Cristo não garante apenas vida após a morte. É preciso não esquecer que a Páscoa Judaica, origem da Páscoa Cristã, diz respeito à libertação dos povos escravizados no Egito pelo imperialismo dos faraós. Páscoa é passagem da escravidão para a libertação, nos vários aspectos da vida humana. Por isso, Páscoa envolve reunir os injustiçados, atravessar os “mares vermelhos”, marchar rumo à terra prometida – terra partilhada, democratizada e socializada – e enfrentar os grileiros e especuladores de terra lutando para conquistá-la. A Páscoa cristã atesta que Jesus de Nazaré, mesmo sendo inocente e justo, foi condenado pelos podres poderes da religião, da economia e da política à pena de morte, mas ressuscitou e está vivo em nós e em todos/as que lutam pela construção do Reino de Deus a partir do aqui e do agora. O sonho ensinado e testemunhado por Jesus de Nazaré jamais será morto. Os opressores serão jogados na luta de lixo da história. Entrará para a história quem “combater o bom combate” e perseverar na fé de Jesus Cristo, colocando em prática a dimensão social do Evangelho.

A igreja é constituída por uma grande unidade na diversidade e muitas vezes com graves contradições internas. Lamentavelmente, estamos colhendo as consequências de 34 anos de pontificado de João Paulo II e Bento XVI que incentivaram a privatização da fé, a adoção de espiritualismos, dogmatismos, moralismos marcados pela desencarnação da fé cristã e amputação da dimensão social do Evangelho de Jesus Cristo. Essas posturas religiosas empurraram o povo para os braços dos fascistas e genocidas, para políticas de morte. Por outro lado, graças a Deus, nosso querido papa Francisco coordena e anima a igreja no sentido da missão libertadora, (macro)ecumênica e transformadora, reafirmando a Opção pelos Pobres, a inculturação e animando o compromisso de todas as pessoas de boa vontade com a construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver. As Encíclicas Laudato Sí (Louvado Sejas) e Fratelli Tutti (Todos/as somos irmãos/ãs) apontam o rumo: compromisso com construção uma sociedade justa economicamente, o que passa pela superação do capitalismo, que é uma máquina de moer vidas; uma sociedade com sustentabilidade ecológica, o que passa necessariamente por colocar em prática o princípio da Ecologia Integral garantindo, assim, condições objetivas que garantam a preservação de todos os biomas.

Com a ressurreição de Jesus ficou decretado que as utopias jamais morrerão, os sonhos de libertação jamais serão pesadelos, a luta dos oprimidos e injustiçados será sempre vitoriosa (ainda que custe muito suor e sangue) e as forças da Vida terão sempre a última palavra. Por mais cruéis que sejam, todas as tiranias, opressões, corrupções e guerras passarão.  O papa Francisco tem claramente anunciado a defesa da vida que passa pela superação do capitalismo, “sistema de morte”.

 30/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Sentido da Páscoa: as utopias jamais passarão! Frei Gilvander rumo ao XV Intereclesial das CEBs

2 – Palavra Ética, na TVC/BH, c/ Frei Cláudio van Balen: Deus, Páscoa e Religião. 12/04/14

3 – Na missa de Páscoa do Padre Nelito Nonato Dornelas, em Abre Campo, MG, 05/2/2021: amor, justiça e fé

4 – Dom Pedro Casaldáliga, o Profeta que viveu e lutou entre nós, faz sua Páscoa definitiva – 08/8/2020

5 – Dom Vicente em missa de Páscoa no Córrego do Feijão, Brumadinho/MG. Vídeo 2. 21/4/19

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

“Mataram Irmã Dorothy”, mas ela vive em nós, na luta pela Amazônia

“Mataram Irmã Dorothy”, mas ela vive em nós, na luta pela Amazônia. Por Gilvander Moreira[1]

Irmã Dorothy Stang

Outro dia fui convidado para apresentar um “filme de combate” para um site[2] do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social da UFMG[3].  Feliz com o convite, decidi apresentar o Documentário “Mataram Irmã Dorothy”, com direção de Daniel Junge e narração de Wagner Moura, exibido na Discovery e disponibilizado no Youtube e é sobre ele que agora escrevo aqui. Apresento o Documentário “Mataram Irmã Dorothy” por vários motivos expostos a seguir.

Por ser documentário que registra a brutal injustiça agrária e socioambiental que campeia e se reproduz cotidianamente no Brasil, com devastação crescente dos biomas, entre os quais a Floresta Amazônica, e expropriando e expulsando camponeses/as para as periferias das grandes cidades, as novas senzalas. O Documentário “Mataram Irmã Dorothy” registra que em uma manhã de sábado, dia 12 de fevereiro de 2005, irmã Dorothy Stang, uma idosa de 73 anos, foi assassinada à queima-roupa, com sete tiros, por jagunços de latifundiários grileiros de terra no município de Anapu, no oeste do Pará, na Amazônia. Um consórcio de fazendeiros pagou 50 mil reais aos jagunços pela execução de Irmã Dorothy, uma anciã indefesa, que portava apenas uma Bíblia em um embornal. Segundo um sobrevivente e testemunha, ela teria lido um versículo bíblico para os jagunços antes de eles a assassinarem: “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6).

Apresento este documentário, porque é uma amostra da cumplicidade do Estado com a violência que campeia no Brasil. Interessante observar as manobras asquerosas feitas pelos fazendeiros mandantes e por seus advogados, que, com acusações absurdas, tentam transformar a vítima Irmã Dorothy em algoz. As cenas de julgamento apresentadas no documentário são amostras de como o judiciário brasileiro trata os crimes das pessoas assassinadas, enquanto defendem com intrepidez os direitos humanos fundamentais. Por exemplo, um dos fazendeiros mandantes do crime foi condenado a 30 anos de cadeia no 1º júri popular. Um ano após, em novo julgamento, esse mandante foi inocentado. E, após titânica luta por justiça, dia 07 de abril de 2009, o julgamento que tinha inocentado o fazendeiro Vitalmiro foi anulado.

O Documentário “Mataram Irmã Dorothy” é muito importante também, porque mostra a longa história de luta da Irmã Dorothy, desde 1967, sendo anjo da Amazônia, uma guia na luta pela terra e guerreira na defesa da Floresta Amazônica. Irmã Dorothy dava força aos posseiros sem terra e denunciava os grileiros que estavam devastando a Amazônia. Em 2009, 1/5 da Floresta Amazônica já tinha sido devastada. Diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS), a médica María Neira afirma que a pandemia do coronavírus é mais uma prova da perigosa relação entre os vírus e os desmatamentos. Em livro, diz ela: “Os vírus do ebola, sars e HIV, entre outros, saltaram de animais para seres humanos depois da destruição de florestas tropicais.”

O Documentário também mostra a mística e a espiritualidade mais profunda que orientava a atuação da Irmã Dorothy. Para ela, “andar na Floresta Amazônica era como andar nos braços de Deus.” O Documentário revela o infinito amor que Irmã Dorothy tinha para com a Floresta Amazônica e para com os/as camponeses/as que tinham sede de justiça, de terra, de pão e de liberdade. O Documentário “Mataram Irmã Dorothy” apresenta também o pioneirismo da proposta defendida por Irmã Dorothy: a criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que prescrevia que se podia produzir em 20% do lote no Assentamento, mas exigia-se a preservação de 80% deste. Se esse modelo já era sensato, necessário e justo, agora muito mais com o avanço do desmatamento na era de necropolítica, de “passar a boiada”, conforme acontece no desgoverno do antipresidente genocida Jair Bolsonaro. O desmatamento na Amazônia continua em níveis inaceitáveis.

No Documentário “Mataram Irmã Dorothy” está também um pouco da história do 1º PDS, eloquentemente chamado de Assentamento Esperança, com 600 famílias de posseiros sem-terra que assumiam com afinco o trabalho para produzir alimentos saudáveis em 20% do lote, com a condição de preservar os 80% restantes garantindo, assim, a preservação da Floresta Amazônica. Os testemunhos são muito eloquentes, como o de um camponês que exclama: “Com 55 anos de vida, é o meu 1º lote. Agradeço em primeiro lugar a Deus e depois à Irmã Dorothy.” Muito nos diz também o fato da serraria ser o símbolo do município de Anapu. “Acham que serraria é a vida do município”, denunciava Irmã Dorothy.

Marcante também neste documentário de combate é a postura do Procurador do Ministério Público Federal (MPF), Felício Pontes, que acolhia sempre as denúncias feitas pela Irmã Dorothy e continua atuando de forma idônea e aguerrida para que a justiça agrária se implantasse na região de Anapu. Digno de nota ainda no Documentário é a coragem demonstrada por Irmã Dorothy, que enfrentava de cabeça erguida os latifundiários grileiros de terra e não desistia mesmo diante das inúmeras ameaças de morte. Ela dizia sempre: “Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”. Irmã Dorothy tombou na luta, foi martirizada, mas se tornou semente de justiça agrária e por preservação da Floresta Amazônica. Irmã Jane Dwer continua a missão da Irmã Dorothy, denunciando: “Houve um consórcio de latifundiários para matar Irmã Dorothy e silenciá-la.”

No Documentário “Mataram Irmã Dorothy” causa repulsa e indignação a postura venal e covarde de Américo Leal, advogado dos latifundiários grileiros. Sem escrúpulo nenhum, com requintes de calúnias e mentiras, defendia que a Irmã Dorothy era a responsável pela sua própria morte. Só faltou ele dizer: “Peço ao júri que condene a 30 anos de prisão a Irmã Dorothy, morta com sete tiros à queima-roupa.” Antes de ser assassinada, Irmã Dorothy “deu nome aos bois’ e apontou quem eram os latifundiários que a ameaçavam. Destemida e cheia de esperança, Dorothy dizia: “Se cai um, mil se levantam.” Mataram não apenas uma pessoa, mas uma bandeira. Irmã Dorothy era cidadã do mundo. Entretanto, Dorothy não foi apenas sepultada, foi semeada e plantada na mãe terra e, agora em vida plena, vive em milhares de militantes na luta pela terra e pela preservação da Floresta Amazônica.

Irmã Dorothy defendia a Amazônia, por amor e porque sabia que lá encontra-se a principal fonte produtora de chuvas em grande parte da América do Sul. O xamã David Kopenawa, do Povo Yanomami, no livro A Queda do Céu, de leitura imprescindível, pergunta: “Será que os brancos não sabem que se acabar com a floresta, acabará com a água e sem água não há vida?” Na Amazônia há muita água no subsolo em aquíferos, no solo, nos rios, lagos e igarapés. Cada árvore centenária da Amazônia exala na atmosfera, por dia, mais de mil litros de água na forma gasosa, como a Sumaúma, uma das maiores árvores da Amazônia. Em toda Amazônia, as árvores com raízes profundas colocam no ar mais de 20 bilhões de toneladas de água por dia. Na atmosfera sobre território da Pan-Amazônia, se formam os rios aéreos voadores. Com as correntes de vento, a umidade produzida no processo de evapotranspiração forma os imensos rios aéreos voadores que, empurrados pelas correntes de ventos, criam as condições objetivas para que aconteçam chuvas no sudeste e no sul do Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina. Esses rios aéreos voadores produzidos na Amazônia transportam uma quantidade maior de água do que os rios que estão na superfície do solo amazônico.

Conhecer de forma profunda a Amazônia se tornou uma necessidade para amarmos e defendermos de forma intransigente a sua preservação. Se não interrompermos com urgência a devastação ambiental da Amazônia, a desertificação da Amazônia causará a desertificação de grande parte do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o aumento assustador da temperatura e o colapso d’água em várias regiões do Planeta Terra, o que tornará a vida humana impossível no Planeta Terra, nossa única Casa Comum. Imagine o que será da humanidade com a quantidade de dióxido de carbono jogada na atmosfera sem ter a floresta amazônica para absorver!

Enfim, esta minha modesta apresentação do Documentário “Mataram Irmã Dorothy” é apenas um aperitivo. Se você assistir a este documentário, você não será mais o/a mesmo/a, se tornará mais comprometido/a com lutas justas e necessárias. Irmã Dorothy dizia sempre: “A morte da Floresta é o fim da nossa vida”.[4]

27/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Mataram Irmã Dorothy – Documentário

2 – Homenagens marcam os 16 anos do assassinato da Irmã Dorothy Stang

3 – Celebração dos 10 anos de martírio da Ir. Dorothy Stang

4 – DOROTHY STANG: A LUTA PELO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL | AMBIENTALISTA DA SEMANA | Marcela Miranda

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] http://www.poeticasdaexperiencia.org/

[3] Universidade Federal de Minas Gerais.

[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Lockdown Nacional e Auxílio Emergencial Justo, já!

Lockdown Nacional e Auxílio Emergencial Justo, já! Por Gilvander Moreira[1]

Feliz quem ouve os sinais dos tempos e dos lugares e se orienta bem no jeito de conviver e lutar pela construção de uma sociedade justa. Após um ano de pandemia do novo coronavírus, o que vemos no Brasil? O país com mais de 280 mil mortos pela covid-19, isso sem contar os casos de subnotificação (cerca de 20%), os 250 mil mortos de câncer por ano e milhares de outras mortes por outras causas agravadas pela pandemia. O número de mortos aumenta cotidianamente, já ultrapassando 2 mil mortos ao dia, e cresce de forma espantosa o número de pessoas na fila de espera por um leito hospitalar e por UTI[2]. Muitas destas pessoas morrem enquanto esperam as vagas, pois há colapso do sistema de saúde tanto público quanto privado na grande maioria dos 5.570 municípios brasileiros. O Governador do Piauí, Wellington Dias, coordenador da Frente de Governadores para o combate à pandemia, informou dia 12/03/2021 que já existem mais de 40 mil pessoas com covid-19 na fila de espera por UTI em todo o Brasil. Isso é aviso prévio de morte. O número de infectados cresce dia a dia. Novas cepas e variantes do coronavírus surgem e se mostram muito mais perigosas. A Fiocruz defendeu, dia 16/03/2021, no Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19, Lockdown nacional com a interrupção de atividades não essenciais, incluindo a suspensão de aulas presenciais e um toque de recolher nacional de 20 horas às 6 horas, além da ampliação do uso de máscaras. De forma absurda, covarde e injusta, o governo decretou o fim, em 31 de dezembro de 2020, da política pública de auxílio emergencial aos milhões de famílias empobrecidas e em extrema miséria. Assim o governo não contribui com as famílias necessitadas e nem apoia as pequenas e médias empresas. O “ajuste fiscal” segundo os ditames do mercado capitalista idolatrado continua sendo o tabu que não pode ser questionado, dizem. Quem disse que deve ser “ajuste fiscal acima de tudo”? Não. Acima de tudo deve estar a vida com condições objetivas para viabilizá-la. Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, a da maldade, congelaram os salários de funcionários públicos e professores até 2036 em nome do famigerado “ajuste fiscal”, e o Congresso Nacional, sob direção do Centrão-direita, se faz cúmplice da proposta covarde do desgoverno federal de pagar apenas uma migalha de 250 reais de auxílio emergencial por apenas três meses. Isso é, de fato, uma decisão política para matar milhões de pessoas no Brasil e que demonstra que realmente está em curso política de morte (necropolítica) coordenada pelo desgoverno federal fascista e genocida, com a cumplicidade do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na Bíblia os bons pastores e boas pastoras, verdadeiros/as profetas e profetisas são saudados/as como mensageiros do Deus Javé, Deus da vida, solidário e libertador. Importante ressaltar que na Bíblia pastores, profetas e profetisas não dizem respeito apenas à dimensão religiosa da vida, mas se referem às lideranças de todas as áreas da vida social que têm alguma responsabilidade sobre a vida do povo: sacerdotes, reis, escribas (doutores), governantes (políticos), líderes da economia (saduceus) etc. Entretanto, são execrados os falsos profetas e os pastores que se apresentam em pele de ovelha, mas na prática agem como lobos ferozes. A ira santa divina não os tolera. Por isso, Jesus Cristo “chutou o pau da barraca” e expulsou os vendilhões que transformando o templo, lugar sagrado, em um mercado. O território brasileiro com todo o povo e os biomas é nosso lugar sagrado que está sendo profanado por políticos fascistas e genocidas.

No enfrentamento à pandemia temos que reconhecer que os/as cientistas, pesquisadores/as das áreas da saúde pública – epidemiologistas, infectologistas, sanitaristas, microbiologistas etc. – estão sendo na prática ótimos/as pastores/as, verdadeiros/as profetas e profetisas. Além de descobrir vacinas e demonstrar cientificamente os caminhos que podem nos levar à superação da pandemia, estão roucos de tanto tentar educar o povo e alertar as autoridades sobre quais políticas públicas devem ser implementadas.

Neste cenário e contexto, os/as melhores cientistas, professores/as e pesquisadores/as da área da saúde pública estão gritando e a Frente de Governadores já está exigindo do Governo Federal medidas mais efetivas no rumo de Lockdown Nacional por pelo menos 21 dias, como medida sanitária necessária para reduzir a transmissão do coronavírus e impedir a continuidade da aparição de outras cepas e variantes mais letais. De fato, não dá mais para tolerar o desgoverno federal continuar na postura negacionista e alimentando a disseminação do coronavírus e piorando dramaticamente a pandemia. Não basta Lockdown em vários estados e em muitos municípios. Tornou-se necessário um Lockdown Nacional, ou seja, paralisação das atividades no país, com o povo circulando o mínimo possível e colocando em prática todas as medidas de precaução – uso correto de máscara, higienização das mãos, distanciamento corporal e social -, deixando em funcionamento apenas as áreas de atividade essencial, entre as quais não deve estar exploração minerária, como injustamente decretou o desgoverno federal, subserviente aos interesses da mineradora Vale S/A. Apenas essa medida de lockdown em todos os estados e nos 5.570 municípios poderá reduzir a circulação do coronavírus, isso diante do cenário marcado pelo fato de que a maioria da população não será vacinada nos próximos meses, porque o desgoverno federal tramou para não comprar vacinas no momento oportuno que era o 2º semestre de 2020. Os países governados de forma justa, principalmente por mulheres, já fizeram Lockdown Nacional como medida necessária para abreviar a superação da pandemia.

Atenção! Para que uma política de Lockdown seja efetiva é preciso garantir as condições da maioria do povo ficar em casa. Maioria essa que hoje é submetida a jornadas de trabalho excessivas, que não têm vínculos trabalhistas, que é obrigada a se aglomerar no transporte coletivo lotado. E o presidente da República, ao invés de subestimar a Pandemia e as medidas de prevenção, deve ser o primeiro a defender que o povo fique em casa e siga os protocolos sanitários. Isso deve valer também para os governadores, prefeitos, agentes públicos como policiais, entre outros.

Importante lembrar que junto com o Lockdown Nacional se faz necessária a retomada de todas as políticas públicas do governo federal implementadas em 2020, entre as quais o auxílio emergencial justo e digno! Se R$600,00 já era pouco, R$250,00 por apenas três meses é inadmissível, pois é apenas maquiagem para esconder decisão política de matar milhões de fome, na miséria. O auxílio emergencial precisa garantir condições mínimas de alimentação e de pagamento das despesas de uma família. O apoio financeiro às pequenas e médias empresas também é necessário. E as grandes empresas precisam cumprir sua responsabilidade social e investir muitos recursos no tecido social para a superação da pandemia. A classe política ficar acendendo uma vela para a vida do povo e um holofote para a economia capitalista só piora a pandemia. “Ninguém pode servir a dois senhores. Não dá para servir a Deus e ao capital”, profetisa o Evangelho de Mateus (Mt 6,24). Ah! Torna-se necessário também o corte de 50% nos autos salários da classe política nos três poderes (judiciário, legislativo e executivo, em níveis municipal, estadual e federal) e nas empresas também. Os 50% dos autos salários no Brasil dão para garantir a alimentação de milhões de brasileiros até o fim da pandemia. No Brasil, já passou da hora de taxar grandes fortunas, como ocorre já em alguns países no mundo. É preciso também taxar de forma justa as heranças. Eis alíquotas de imposto sobre herança: França (60%), Japão (55%), Alemanha (50%), Inglaterra (40%) e Estados Unidos (40%). No Brasil, o imposto sobre herança tem alíquota média de apenas 3,86%. Após a morte da princesa Diana, 40% da riqueza dela passou para o erário público da inglês por causa da justa taxação sobre herança na Inglaterra.

Portanto, apesar da gravíssima situação imposta pela pandemia do novo coronavírus, seus impactos podem ser minimizados com a adoção de políticas públicas justas que protejam a população como um todo, os empregos e as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Recursos existem, é só aplicá-los de forma justa, ética e responsável. Vida em primeiro lugar![3]

17/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Margareth Dalcomo, da Fiocruz: “Teremos o março mais triste de nossas vidas.” 14/3/2021

2 – “Não tenho ar”: o desespero de brasileiros na semana mais letal da pandemia – Fantástico – 07/3/2021

3 – Padre Eduardo César: “Cristão que é cristão não se alia a projeto armamentista.” 05/3/2021

4 – Bolsonaro é “imoral” e “genocida”, afirma o Padre Adauto Tavares, da Paraíba, em missa – 04/03/2021

5 – Clamor de Dom Mauro Morelli por “Vacina Já para todos/as” e por “Vida acima de tudo” – 03/03/2021

6 – Dr. Fabiano Hueb Menezes, de Uberaba, MG: informe vital sobre coronavírus e uso da máscara –27/02/21

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Unidade de terapia intensiva.

[3] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Mulheres na luta sempre, na Bíblia e hoje

Mulheres na luta sempre, na Bíblia e hoje. Por Gilvander Moreira[1]

Todo dia é dia de mulher, mas o mês de março é especialmente o Mês das Mulheres, porque dia 8 de março se tornou Dia Internacional de Luta das Mulheres. Na União Soviética, ainda antes da Revolução Soviética de 1917, mulheres camponesas fizeram muitas lutas por terra, pão e liberdade, o que fez eclodir a Revolução socialista de 1917, e nas repúblicas socialistas soviéticas, todo ano, o dia 08 de março passou a ser celebrado como o Dia das Mulheres. Os Estados Unidos tentaram apagar essa história e inventaram uma falsa história que diz ser o dia 8 de março como tendo sido iniciado por mulheres trabalhadoras estadunidenses, o que não é verdade. A maior homenagem que uma mulher pode receber é respeito, admiração e amor. “Não só flores, mas respeito”, exigem as mulheres. “Não apenas nos deseje “feliz dia”. Levante-se e lute conosco!”, bradam as mulheres lutadoras. Lamentavelmente, durante a pandemia do novo coronavírus, houve um aumento da violência contra as mulheres, que ceifa a vida de 5 mulheres por dia, no Brasil, e,  assim sendo, verificamos  que o feminicídio também está crescendo. Em 2018, por exemplo, 4.519 mulheres foram assassinadas, o que equivale a dizer que a cada duas horas uma mulher foi assassinada no Brasil.

Ao longo da história da humanidade, o patriarcalismo foi hegemônico em muitos períodos e lugares, proibindo a mulher de participar da vida pública. Entretanto, desde os primórdios até hoje, as mulheres chegam para ficar. Mesmo sem serem notadas, sem serem contadas, muitas vezes silenciadas, as mulheres seguem atuantes nas comunidades. É preciso vasculhar os textos da história, perceber sua presença e descobri-las atuantes, ontem e hoje. O protagonismo do Movimento das Mulheres atualmente é crescente e tem sido imprescindível para que elas se unam, se organizem e sigam nas lutas. Isso nos faz recordar o protagonismo de inúmeras mulheres na Bíblia como, por exemplo, aconteceu com o Movimento de Mulheres liderado pelas filhas de Salfaad – Maala, Noa, Hegla, Melca e Tersa – que lutou pela superação do patriarcalismo. Que bom que o escritor bíblico conservou o nome delas. Elas viram a injustiça patriarcal que estava na lei segundo a qual a herança passava de pai para filho (não para filha – Cf. Num 27,1-11). Elas se rebelaram, pois estavam sendo excluídas do direito de ter terra, porque não tinham irmãos. E em uma manifestação deram o grito: “Queremos ter direito à propriedade da terra” (Nm 27,4). Depois de um discernimento em assembleia entenderam que esta seria a vontade de Deus e assim o movimento das mulheres da Bíblia conquistou mais um direito que lhes era negado. As mulheres passaram a receber a herança do pai, do mesmo modo que outros parentes próximos. Travava-se assim a luta pela igualdade e dignidade entre homem e mulher. O livro de Números termina com esperança, pois em Nm 36,1-12 aparecem os líderes da tribo de José alertando para o perigo de as mulheres casarem com homens de “fora da tribo”, pois elas levavam consigo a terra da herança dos pais e, assim, passo-a-passo, a terra, herança dos pais, poderia ser perdida. O líder Moisés convoca uma assembleia e após discussão aprofundada chega-se à seguinte conclusão: “Mulheres, vocês podem casar-se com quem quiser, mas sempre dentro de algum clã da tribo do seu pai” (Nm 36,6). Assim se conquistava mais uma Lei para assegurar que a terra pertence a Deus e não deve ser vendida (Lev 25,23). Deus se irrita profundamente com quem sequestra a terra em suas mãos. Além das parteiras do Egito – Séfora e Fuá -, de Mirian, Débora, Judite, Rute, Jael e tantas outras do Primeiro Testamento, as mulheres referidas no livro de Números integram o grande Movimento de Mulheres de luta na Bíblia.

E as mulheres no Movimento de Jesus? No Século I da Era Cristã, a função delas restringia-se à vida familiar, onde desde a infância se exercitavam na organização interna da casa (oikia). Como funcionava no interior das casas as assembleias, a mulher tinha um papel eclesial ativo. A criação de “Igrejas domésticas” possibilitou maior influência e participação da mulher.

Muitas interpretações acabaram por esconder a presença e o protagonismo das mulheres no Movimento de Jesus, antes e depois da Ressurreição de Cristo. Urge relativizarmos certas compreensões que foram colocadas na nossa cabeça e que não resistem a perguntas simples, mas profundamente eloquentes, como aquelas feitas por crianças. Diante do quadro da Santa Ceia, uma mãe, desejosa de fazer sua filha crescer em sensibilidade religiosa, diz: “Veja como é bonito Jesus reunido com os doze apóstolos ao redor da mesa, partilhando o pão!” A filha, de apenas seis anos de idade, retrucou subitamente: “Mamãe, por que só tem homens nesta mesa? Cadê as mulheres? Por que não está aí Maria, a mãe de Jesus? E Maria Madalena, que tanto amava Jesus, por que não está aí? E as crianças que Jesus tanto amava, cadê? Não acredito que Jesus fosse um homem machista capaz de excluir as mulheres e as crianças desse momento tão importante que é a ceia.”

As questões colocadas por essa menina me fez contemplar com olhar mais penetrante o tradicional quadro da Santa Ceia e acabei constatando que o artista quis, de fato, provavelmente, indicar a presença de duas mulheres participando da Ceia de Jesus. Duas pessoas que participam da ceia não têm barba e nem bigode, traços característicos de todos os outros apóstolos. A ternura da fisionomia indica tratar-se de dois rostos femininos. Uma está à esquerda e outra, à direita de Jesus. Seriam a Mãe de Jesus e Maria Madalena? Ou seria a apóstola Júnia, a quem o apóstolo Paulo envia uma saudação no final da Carta à comunidade Cristã de Roma (cf. Rm 16,7)? Ou seriam mulheres atuantes que, desde a Galileia, seguiram Jesus (Lc 8,1-3), como discípulas, não arredando o pé de acompanhar Jesus até à Cruz? As mulheres foram as primeiras a fazer a experiência que as levaram à conclusão: Jesus ressuscitou e vive em nós. Sabemos os nomes de algumas delas: Maria (chamada Madalena), Joana (mulher de Cuza), Suzana, Maria (a mãe de Tiago o menor) e Salomé (Cf. Mc 15,40-41).

Na Galeria Nacional de Arte de Dublin, na Irlanda, dois quadros sobre o jantar dos/das discípulos/as de Emaús (Cf. Lc 24,13-35) me chamaram muito à atenção. Um quadro destaca que o jantar foi feito por uma mulher escravizada. Um facho de luz solar destaca a escrava preparando o jantar, enquanto os/as discípulos/as conversavam com Jesus na sala. Outro quadro mostra um jantar com muita fartura com a participação de quatro homens, duas mulheres, cão, gato, papagaio etc.

Segundo o livro de Atos dos Apóstolos, quem estava re-unido no momento em que acontece o primeiro Pentecostes sobre a Primeira Comunidade Cristã? Por dezenas de séculos foi colocado na cabeça do povo que o Espírito Santo tinha descido apenas sobre os doze apóstolos e Maria, a mãe de Jesus. Infelizmente, essa é uma interpretação reducionista e apologética que visa enfatizar a presença do Espírito Santo “quase” que somente nos líderes da Igreja Instituição. Rastreando o primeiro capítulo de Atos dos Apóstolos, concluímos que estavam re-unidos: “Os onze e Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras que estavam com elas” (Lc 24,10); “algumas mulheres, Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos” (At 1,14); “Galileus” (At 1,11); Cléofas e sua esposa (“os discípulos” de Emaús – Lc 24,13.18). Em Lc 24,13 se diz que dois discípulos fugiram de Jerusalém após a condenação de Jesus à pena de morte. Um deles se chamava Cléofas (Lc 24,18). Em Jo 19,25-26 temos notícia de que Maria, mulher de Cléofas, estava ao pé da cruz, juntamente com outras mulheres. Um princípio de interpretação bíblica diz que a Bíblia se autoexplica, ou seja, uma passagem pode ser iluminada por outras passagens bíblicas. É difícil pensar que Cléofas iria fugir do centro de perseguição, deixando sua esposa sob risco de ser crucificada também, pois a presença dela ao lado de Jesus poderia atiçar a ira dos seus executores. Se Cléofas está acompanhado da sua esposa Maria, temos aqui mais uma vez as mulheres ajudando os homens a experimentar a Ressurreição de Jesus.

É, provavelmente, esse grupo, citado acima, especificado como “cerca de 120” (cf. At 1,15-26), que faz a experiência do Primeiro Pentecostes cristão, que escolhe Matias para ser apóstolo, em substituição de Judas Iscariotes, que também participa da Ascensão, do primeiro Pentecostes da comunidade crista. É muito provável que tenham existido muito mais mulheres no Movimento de Jesus e, sendo bem mais próximas de Jesus, do que muitas tradições religiosas insistem em negar.

Enfim, no passado e no presente, mulheres guerreiras fizeram e fazem a diferença em lutas pela construção de “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, como aponta Rosa Luxemburgo. Pela vida das mulheres, vacina para todos/as, já! E Impeachment, já![2]

10/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Presença e atuação das Mulheres na Bíblia. Emancipação ou opressão? Diferentes leituras – 05/03/2021

2 – Mulheres Protagonistas na História do Povo de Deus, na Bíblia, na Monarquia. Mercedes Lopes/Vídeo 2

3 – Mulheres Discípulas de Jesus desde a Galileia, por Irmã Mercedes Lopes. Vídeo 3 – 14/05/2020

4 – Mulheres Protagonistas na Visão Geral da Bíblia (1ª Parte) – Irmã Mercedes Lopes, do CEBI. 9/5/2020

5 – Mulheres guerreiras do MLB no V Congresso Nacional do MLB em Recife. Vídeo 6 – 13/9/2019

6 – Mulheres denunciam violações de direitos humanos em Belo Horizonte: Cadê moradia? 22/04/13

7 – Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte: mulheres guerreiras lutam pela casa própria. 30/09/2012

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Linguagem revolucionária, instrumento de luta.

Linguagem revolucionária, instrumento de luta. Por Gilvander Moreira[1]

Assim como ninguém é neutro e nem apolítico, a linguagem também não é neutra. Assim, precisamos estar atentos/as na escolha das palavras que usamos, pois, muitas vezes, sem perceber, podemos usar uma linguagem que atende aos interesses dos opressores. Se estivéssemos em uma sociedade com relações sociais justas e igualitárias, todas as pessoas poderiam amar todos/as da mesma forma, ser educado/a e solidário/a do mesmo jeito, indistintamente. Entretanto, estamos em uma sociedade com relações sociais injustas, que reproduzem e ampliam cotidianamente a desigualdade social. Em uma sociedade marcada pelo antagonismo entre classes divididas, onde uma domina e a outra trabalha, entre uma que superexplora e se enriquece e outra, que é expropriada de tudo, fica cada vez mais empobrecida e, muitas vezes, quem desrespeita, oprime, explora e violenta é o mesmo que formula e implementa socialmente pela ideologia dominante os pretensos valores que todos/as são induzidos a seguir. É comum observarmos quando os explorados se unem, se irmanam e, de forma organizada, lutam pelos seus direitos serem chamados de “violentos”, de “arruaceiros”, de “foras da lei”.

Para atender aos seus interesses de acumulação de capital e se manter no poder político, a classe dominante sempre coloca os direitos individuais acima dos direitos sociais. Por outro lado, a classe trabalhadora e a classe camponesa precisam sempre (re)afirmar que os direitos sociais estão acima dos direitos individuais. Por exemplo, diante do trânsito bloqueado pelo povo das Ocupações Urbanas que lutam por moradia própria e adequada, os da classe dominante e os aliados/alienados que existem no meio da classe trabalhadora sempre gritam: “Estão atrapalhando o meu direito de ir e vir”. Em resposta, o povo cansado de sobreviver de favor ou debaixo da cruz do aluguel, de cabeça erguida, na luta por moradia adequada, grita em alto e bom som: “O direito à moradia, um direito humano básico e social, está acima do direito de uma minoria ir e vir. Os direitos individuais devem ser respeitados após o cumprimento dos direitos sociais e não antes”.

Em contexto de contradição social que esgarça os conflitos e desencadeia violência dos que controlam os poderes econômico, político, jurídico e midiático, pedir para sermos simpáticos diante de quem está desrespeitando e violentando outros é compactuar com a falta de respeito e violência contra o outro. Pessoas moderadas e conciliadoras sempre dizem que “não é oportuno tratar de assuntos polêmicos e complexos”. Em sociedades com imensa injustiça social que promovem e alimentam o que gera desigualdade social crescente, as pessoas moderadas sempre propõem que se “espere o momento oportuno” para tratar de assuntos polêmicos e complexos. Porém, para as classes violentadas, sem enfrentar os momentos “inoportunos”, nunca haverá “momento oportuno”. Governo fascista e genocida não é apenas incompetente para gerenciar políticas públicas, é também eficiente para matar de muitas formas sorrateiras. Em uma sociedade com tremenda injustiça social, o Estado não é apenas omisso, mas cúmplice da classe dominante, que goza luxo, mas encontra-se manchada com o sangue dos inocentes.

Diante do Acordão da mineradora Vale S/A com Governo de Minas Gerais e Instituições de (In)justiça, que usa e abusa da dor dos/as atingidos/as e pisoteia sobre seus direitos, é preciso dizer que este acordo feito às escondidas é imoral e será necessariamente lesivo para os interesses das vítimas que deveriam ser respeitadas como protagonistas. Mas o que ocorre é que a Vale S/A, criminosa e reincidente, continua sendo a protagonista no processo de negociação, dando todas as cartas, dominando e transitando livremente nos territórios, negando demandas legítimas de milhares de atingidos e de atingidas em toda a bacia do rio Paraopeba, em Minas Gerais. O caminho para a emancipação humana e social passa necessariamente pela centralidade e incidência dos oprimidos e vítimas deste grande crime/tragédia socioambiental, que vêm tentando se organizar, apesar das inúmeras dificuldades impostas ainda pela pandemia da COVID-19, por meio de comissões, conselhos e espaços participativos. Em uma sociedade desigual com estrondosa injustiça social, a verdade está sempre do lado dos explorados e violentados. O explorador é sempre mentiroso, mesmo que esteja travestido de verdade aparente. Em uma sociedade desigual e cruel, o normal e legal é sempre canal para envenenar as relações sociais. Não há paz como fruto da justiça onde há latifúndio e agronegócio, pois estes são violentadores da classe camponesa, da mãe terra, da irmã água e de toda a biodiversidade.

Quem violenta os terreiros, espaços sagrados dos/as irmãos/ãs do Candomblé e da Umbanda, são traficantes da fé cristã e traidores do Evangelho de Jesus Cristo, pois está escrito na Bíblia que “todos/as são imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1,27), “templos do Espírito Santo” (1Coríntios 6,19) e o Deus da vida, mistério de infinito amor, “não faz distinção de pessoas” (Romanos 2,11).

Se as mineradoras dizem ‘mina’, devemos dizer cratera, pois de fato este nome retrata com mais fidelidade a realidade. Não dizem que é cratera, porque tendem sempre a esconder os imensos estragos que causam. Diante das injustiças sociais, os governos não são apenas omissos, são cúmplices, pois decidem de acordo com os interesses do capital. Assim, aqueles/as que assumem o Governo não apenas praticam descaso, mas, na prática, planejam como explorar e matar; não é falta de recursos, é opção por investir nos banqueiros e grandes empresas. O que o Estado aplica nas áreas sociais não é “gasto”, mas investimento. Não basta dizer “a empresa” está desrespeitando nossos direitos. É preciso dizer o nome da empresa e denunciar empresas exploradoras apontando seus nomes. “Dar nome aos bois” é preciso. Não bastar denunciar os grandes projetos, é preciso dizer que eles são projetos de morte, inerentes ao sistema que tem nome: capitalismo, que é máquina de moer vidas, não apenas humanas, mas também vidas vegetais e animais de todos os ecossistemas. Logo, não basta resistir, é preciso superarmos o sistema capitalista, o grande causador dos projetos de destruição. É preciso apontar nossa utopia: construção de uma sociedade socialista e respeitosa com as lógicas e místicas ancestrais dos Povos e Comunidades Tradicionais.

O imprescindível não é falar “devemos ter esperança”, mas gerar lutas que fazem parir a esperança, pois a esperança é filha das lutas populares por direitos. Sem lutas por direitos a esperança se definha e morre aos poucos. A luta por direitos constrói a esperança. Se militamos pela construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver, sob o signo da Ecologia Integral, nossa linguagem não pode ser poluída por palavras antiecológicas. Quando quiser reconhecer que alguém brilha e é uma pessoa lutadora não diga que ela “arrasou”, pois quem arrasa são as mineradoras e o agronegócio perpetrado pela classe dominante e opressora com o fomento do Estado. Não diga “menos favorecidos”, pois a questão não é de mais ou menos favorecidos. A questão é de superexploração de classe. Logo, mais do que “menos favorecidos”, os pobres são empobrecidos, violentados. Não lutamos apenas “por mais justiça”, mas pela construção de uma sociedade justa, pois a que temos não é justa. Não diga apenas que “são inverdades”, tenha a coragem de dizer “são mentiras”, pois não existem meias verdades e meias mentiras e “a verdade liberta” (João 8,32).

Sabemos que a linguagem não é tudo, mas sem linguagem revolucionária não se marcha rumo à revolução. Linguagem revolucionária exige opção de classe, não ser racista, não ser homofóbica, não ser machista e nem patriarcal, não ser eurocêntrica, nem antropocêntrica, nem antiecológica, mas, por outro lado, precisa expressar um jeito emancipatório diante de todas as opressões. Sempre devemos nos perguntar: o jeito que analiso e me posiciono diante dos problemas e injustiças beneficia a quem? Por isso, muitos que se dizem de ‘esquerda’, mas que levantam bandeiras específicas e discursos monotemáticos, devem lembrar que se faz mister buscar dialogar de forma transversal e solidária com as demais lutas e demandas do povo, também legítimas. Por exemplo, é contraditório alguém do grupo LGBTQI+ lutar pelos seus direitos e discriminar o Povo e Comunidade Carroceira, que é um Povo e Comunidade Tradicional com direitos garantidos pela Constituição de 1988 e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU.

Há várias maneiras de ser cúmplice, para além do silêncio, da omissão e da inércia. Temos muito o que aprender com os povos originários e tradicionais que nos ensinam todos os dias, há milênios, que sem respeitar a Mãe-Terra, a ancestralidade e a história dos povos, não teremos condições de sustentar lutas objetivas e desvinculadas de um olhar diacrônico. Se nossa linguagem, que normalmente é fruto do que pensamos e fazemos, beneficiar à reprodução do status quo opressor, estaremos sendo cúmplice de opressão.[2]

02/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Curso Teologias da Libertação para os nossos dias – Aula 02. Por Marcelo Barros – 29/7/2020

2 – Curso Teologias da Libertação para os nossos dias – Aula 01 – Por Marcelo Barros – 22/072020

3 – Ocupação Vicentão/BH: das trevas em um prédio, à luz da libertação pela moradia/ 3a Parte.14/1/18

4 – Celebração da Teologia da Libertação na Ocupação Paulo Freire, em Belo Horizonte, MG. 31/05/15

5 – Palavra Ética, na TVC/BH: Delze e Gilvander. Filosofia da Libertação no II Congresso.. 23/09/14

6 – Nancy Cardoso no II Congresso de Filosofia da Libertação na UFRGS, dia 16 09 2014 em POA

7 – Filosofia da Libertação a partir dos povos Kaingang, com Pedro, parente Kaingang, 16/09/2014

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Conviver com o diferente nos humaniza

Conviver com o diferente nos humaniza. Por Gilvander Moreira[1]

 Viver é belo e bom, mas conviver é melhor. Contudo, para tanto, há que aprender a se relacionar com o diferente, o que é um desafio que nos humaniza, se a gente não se fecha no nosso mundinho, às vezes medíocre. Por que é tão difícil conviver com o diferente? No Brasil, tornou-se difícil conviver com as diferenças por vários motivos, mas, principalmente, porque vivemos em uma sociedade capitalista, uma sociedade estruturada para reproduzir a opressão, a discriminação, a violência social e negar a beleza e a importância do outro na nossa vida. O comportamento geral é marcado por falsos valores que são trombeteados aos quatro ventos e seduzem as pessoas: o individualismo, o consumismo, o ter, o acumular, o competir. Isso desumaniza as pessoas, pois ninguém é uma ilha, vivemos interconectados na teia da vida. Viver é belo, mas conviver é muito mais belo e imprescindível. Conviver dá mais sentido à vida e é uma via de mão dupla, mas para conviver é preciso conhecer o outro e para conhecer é preciso conviver. Para conviver é preciso ouvir e dialogar. Dialogar supõe respeito e  este, por sua vez, supõe viver o amor para além de um sentimento, como ética da vida e como exercício cotidiano de vida. O diferente de nós que não é opressor não é uma ameaça. É algo que pode nos fazer melhor como seres humanos. E em tempos de mundo virtual e de pandemia, com o necessário isolamento social e/ou o distanciamento físico, o diálogo se torna mais desafiador e necessário. É preciso exercitar. Eu me sinto mais humano depois que passei a conviver com pessoas de religiões de matriz ancestral africana, com pessoas que se declaram ateias, com pessoas com orientação homoafetiva nas suas mais distintas formas de concepção de si mesmas. Pessoas que seguiram toda sua vida tentando se entender enquanto seres humanos neste mundo, vivendo tantas formas de angústia e de sofrimento por não serem escutadas e nem compreendidas, por causa da falta de diálogo.

Por que em pleno século XXI, o preconceito e a intolerância no Brasil estão crescendo? Até quando uma minoria com poder econômico, político, midiático e religioso vai impor o modo da maioria das pessoas existirem? O preconceito, a discriminação e a intolerância se reproduzem cotidianamente no Brasil, injustamente. Vivemos sob um sistema econômico que idolatra o mercado desde 1500, quando europeus colonizadores invadiram o Brasil e iniciaram o processo de exploração.  Estima-se que existiam no Brasil mais de 1.200 povos indígenas falando cerca de 1.200 línguas. Há 521 anos, perduram no Brasil relações sociais escravocratas, de dominação, ou seja, estruturas legais, políticas e econômicas que reproduzem e ampliam a injustiça social, a escravização, a intolerância, a discriminação e o preconceito,. Isso beneficia a classe dominante, pois se admitirem que toda pessoa deve ser respeitada na sua dignidade humana não poderá haver um monte de violências sorrateiras que são impostas à maior parte da população. Até 13 de maio de 1888, reinava no Brasil, oficialmente, a escravidão, com milhões de irmãos e irmãs nossos, povo negro arrancado à força da mãe África, onde viviam em liberdade, e jogados em navios negreiros – mais de 12,5 milhões de negros e negras escravizados/as – milhares jogados ao mar durante a travessia. No Brasil, como mercadoria foram escravizados, vendidos e açoitados no pelourinho. Os relatos da escravidão no Brasil são dramáticos e horripilantes. Em 1850, com a Lei de Terras, fizeram o cativeiro da terra, 38 anos antes de se fazer a abolição formal e mentirosa da escravidão. Legalizaram a escravidão da terra ao determinar legalmente com a Lei 601, de 1850, que poderia acessar a terra apenas quem por ela pagasse. Os negros e negras escravizados/as não podiam comprar terra, pois foram libertados de mãos vazias, pavimentando, assim, o caminho para a escravidão contemporânea que persiste até hoje. Assim, para justificar a tremenda injustiça das atuais leis trabalhistas e previdenciárias, é preciso estimular cotidianamente preconceito, discriminação e intolerância, tudo para disseminar a ideologia segundo a qual a maioria da classe trabalhadora deve sobreviver na miséria apenas com migalhas, enquanto a elite goza luxo e mordomia. Não são por acaso as discriminações e intolerâncias, elas são estrategicamente planejadas e executadas. Quem ganha muito com as discriminações e intolerâncias é a classe dominante. Caluniar, difamar e injuriar de muitas formas é antessala para explorar e violentar logo em seguida, pela marginalização, exclusão, empurrando as pessoas para sobreviver sendo humilhadas de mil formas.

Ao longo da história da humanidade, sempre a classe dominante escolhe os grupos que serão os bodes expiatórios e as bruxas a serem execradas. Antes, foram os bárbaros, os gentios, as bruxas, os considerados hereges e atualmente continuam sendo as mulheres, os negros e as pessoas LGBTQI+, entre outros. Em uma sociedade capitalista, quem tem poder econômico passa a ter poder político e jurídico e com esses poderes nas suas garras definem na prática quem deve ser discriminado e excluído da mesa farta da classe dominante. Se não discriminarem, terão que partilhar terra, riqueza, renda e poder. Se houver a partilha, todos ficarão em pé de igualdade e deverão ser respeitados. Logo, manter e reproduzir as discriminações são condições necessárias para manter a injustiça social que garante o luxo e a mordomia de uma minoria à custa da subjugação da maioria do povo.

Há vários tipos de preconceitos, de discriminação e de intolerância: os escrachados, os sutis, os mascarados, os que falam com “voz mansa”, mas apunhalando pelas costas, entre outros. Precisamos sempre nos perguntar: o jeito com o qual eu analiso a realidade, os problemas, as injustiças e as violências beneficia a quem? Se minha análise da realidade ajuda a reproduzir na prática as violências, então estou sendo reprodutor/a da ideologia dominante, que é um mascaramento da realidade. Se assumo a ideologia dominante repleta de ideias da classe dominante, ideias particulares, difundidas como se fossem ideias universais, mas são apenas os pontos de vistas da elite que está no poder, ideias que lhes interessam, assumo que não sou neutro e, de fato, ninguém o é: consciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntariamente, todos nós temos lado e sempre tomamos partido diante das situações de conflitos. Inclusive quem diz “sou neutro” jamais é neutro. Em uma sociedade com brutal injustiça social, quem diz ser neutro está se colocando do lado dos opressores e exploradores. A partir de qual lugar social pensamos e agimos? “O lugar social determina o lugar epistemológico”, diz Karl Marx. Ou seja, se vivo na periferia sendo marginalizado, vejo o mundo a partir da ótica da periferia. Quem faz parte da pequena burguesia, eufemisticamente chamada de classe média, vê o mundo a partir da classe média. Quem é empresário vê o mundo a partir da empresa. Quem é latifundiário ou empresário do agronegócio vê a realidade a partir do latifúndio. Estando em uma sociedade injusta socialmente, faz-se necessário sempre perguntar: a partir de qual lugar social estou falando, pensando e agindo? Isso para que “oprimido não seja hospedeiro de opressor”, para que “explorado não seja cúmplice dos exploradores”. Pois a opressão não seria tão forte se os exploradores e violentadores não encontrassem apoiadores no meio dos explorados e violentados, já dizia Hannah Arendt.

Para superarmos os preconceitos, as discriminações e a intolerância temos que fazer muitas coisas de forma sincronizada. A primeira, é adquirirmos um jeito crítico de ler e interpretar a realidade. Temos que reconhecer que ninguém nasce santo ou endiabrado. Nascemos humanos e as condições sociais objetivas podem nos humanizar ou nos desumanizar. Já dizia Rousseau: “O homem nasce bom, a sociedade é que o perverte”. Urge conviver com pessoas e grupos injustiçados/as. Sentarmos todos e todas na mesma mesa e partilhamos a vida, a fé, o pão, as alegrias e as dores. Entretanto, essa mesa, a da partilha e do diálogo, precisa ser no mundo dos empobrecidos e injustiçados. O Deus, mistério de infinito amor, invocado sob muitos nomes, se apaixonou pelo outro, o diferente: o humano. E armou sua tenda entre nós a partir dos últimos: sem-terra, sem-casa, sem dignidade.

Que a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 desperte em nós a maravilha que é conviver com o outro, o diferente, irmão ou irmã que nos dignifica![2]

24/02/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Capitã Pedrina: “Acordão é desgoverno, é desrespeitos aos atingidos/as. Reverenciamos a Natureza.” – 03/02/2021

2 – Diálogo Inter-Religioso e Ecologia Integral – CFE 2021 – Por frei Gilvander – 22/2/2021

3 – A beleza do macroecumenismo na luta pelo bem comum – CFE 2021- Por frei Gilvander – 22/2/2021

4 – Hino da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021: vozes de diversas denominações cristãs de Curitiba

5 – Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021: Conversa de Camila Oliver, Frei Gilvander e Paulo França

6 – (Macro)ecumenismo, SIM! Diálogo e Fraternidade em defesa da vida – Por frei Gilvander – 18/2/2021

7 – “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor”: Campanha da Fraternidade 2021. Por Frei Gilvander

8 – Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE/2021)

http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bfcampanha-da-fraternidade-ecumenica-de-2021-tema-fraternidade-e-dialogo-compromisso-de-amor-lema-cristo-e-a-nossa-paz-do-que-era-dividido-fez-uma-unidade/

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Tributo-Homenagem ao Padre Nelito Dornelas: legado espiritual, ético, pastoral, teológico e profético

Tributo-Homenagem ao Padre Nelito Dornelas: legado espiritual, ético, pastoral, teológico e profético (Live gravada em 13/2/2021) – 16/2/2021

*Promoção: CPT-MG, CEBs de MG, CEBs do Brasil, CNLB e Cáritas MG. Mediador: Frei Gilvander, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de Movimentos Populares em Minas Gerais.

Edição: Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG.

Acompanhe a luta pela terra e por Direitos também via www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com  www.cebimg.org.br  – www.cptmg.org.brwww.cptminas.blogspot.com.br

No Instagram: Frei Gilvander Moreira (gilvanderluismoreira)

No Spotify: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

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Diálogo inter-religioso e Ecologia Integral

Diálogo inter-religioso e Ecologia Integral. Por Gilvander Moreira[1]

Fotos: Divulgação / http://www.cesep.org.br

Que beleza espiritual, ética e profética a 58ª Campanha da Fraternidade, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a 5ª Ecumênica, em 2021, sob coordenação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) – CFE 2021 -, com o Tema: “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor”; e o Lema: “Cristo é a nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Efésios 2,14)!

De forma sórdida, moralista e fundamentalista, um tal Centro dom Bosco, que não é da idônea Congregação dos Salesianos, mas um grupinho de fanáticos reacionários de direita, consciente ou inconscientemente, está insuflando a manutenção e a reprodução de posturas homofóbicas, preconceituosas e de violência contra as mulheres. Ignorando os ensinamentos dos Papas João XXIII, Paulo VI, os documentos do Concílio Vaticano II e do Papa Francisco, “com voz mansa” tem a cara de pau de defender privilégios e discriminações, chegando ao absurdo de defender quem pratica política de morte (necropolítica). São religiosos burgueses que torturam textos bíblicos e usam em vão o nome de Deus para discriminar as mulheres e as pessoas com orientação homoafetiva. Devem ser ignorados. Seus vídeos, cujo grande número de visualizações é resultante de “compras e artificialidades”, são caluniadores da CNBB e do CONIC. Eis dois sinais gravíssimos que esse grupinho fanático ignora: Em 2018, por homofobia, 420 irmãos e irmãs nossos/as do grupo LGBTQIA+ foram assassinados e, por feminicídio, 4.519 mulheres foram mortas, o que equivale a dizer que a cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil, 48 mulheres por dia. De forma justa, ecumênica e necessária, o CONIC e a CNBB, no Texto-Base da CFE 2021, analisam de forma crítica a realidade brasileira tremendamente desigual e recheada de discriminações, intolerância e violências, que devem ser superadas. Quer seja por motivação religiosa ou orientação afetiva/sexual, nenhuma forma de discriminação ou intolerância deve ser aceita. E o Texto-Base sugere pistas concretas para colocarmos em prática o diálogo ecumênico e macroecumênico, como compromisso de amor indispensável na construção de uma sociedade justa, fraterna, ecológica, com admiração e respeito à imensa diversidade existente no nosso país.

Quem fica em oásis de privilégios e se agarra em doutrinas abstratas se torna desumano e alimenta posturas narcisistas que levam a várias formas de violência. De outra forma, a convivência com os pobres e com o diferente faz desabar edifícios erigidos em cima de preconceitos. Quem não conhece o outro e de longe aponta o dedo para julgar de forma fundamentalista e moralista violenta as relações humanas. A mamãe Leontina Rosa de Souza sempre dizia: “para conhecermos alguém precisamos comer um saco de sal juntos”. Ou seja, é pela convivência que a gente passa a conhecer a beleza humana existente no outro, que é diferente. E, ao admirar a beleza do outro, a gente se abre para respeitar e amar quem é diferente e não oprime. Na luta pela terra, pela moradia e pela construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver com sustentabilidade socioambiental, ao lado dos/os atingidos/as pelos crimes/tragédias da mineradora Vale S/A e do Estado, tenho a alegria de conviver com pessoas de muitas igrejas e religiões, vários pastores e pastoras, pais e mães de santo, do Candomblé e da Umbanda, e também com pessoas que seguem o espiritismo. Nunca vi no ensinamento deles e delas e nem nas suas práticas nenhuma postura de discriminação e de intolerância contra católicos, ou evangélicos ou (neo)pentecostais. Sofrendo as mesmas injustiças, estamos juntos e unidos na luta pela bem comum. Sem fazer proselitismo, as pessoas pertencentes a religiões de matriz africana ou indígena apenas reivindicam o direito de manter suas tradições religiosas, a “rezar/orar” de um jeito que é próprio deles. Na esperança de contribuir com o diálogo inter-religioso, com profunda reverência pela Natureza, que é sagrada, e como denúncia de racismo estrutural, partilho, abaixo, um pouco da beleza espiritual, mística, ética e profética da senhora Pedrina de Lourdes Santos, que bradou de forma exuberante na live “Do luto à luta: Vozes do Paraopeba – E o Acordão da Vale S/A com o Governo de Minas Gerais?”, dia 03/02/2021. Pedrina é capitã do Congado de Moçambique há 41 anos, 48 anos no Reinado, é mãe de santo da Umbanda, iniciada no Candomblé e uma das grandes lideranças da luta das comunidades atingidas pelo crime/tragédia da Vale S/A e do Estado da Bacia do Rio Paraopeba, em Minas Gerais. De cabeça erguida, a capitã Pedrina mexeu com todos/as que assistiam à live. Bradou ela:

Eu sou Pedrina de Lourdes Santos. Capitã de Moçambique, há 41 anos e 48 anos no Reinado. Nos últimos anos, iniciei-me no candomblé, sendo que eu nasci de pais umbandistas e há mais de 20 anos eu sigo com as reuniões de umbanda levando à frente a nossa fé, a nossa tradição. Estamos aqui para, mais uma vez, denunciar para a sociedade brasileira e para o mundo o que está acontecendo aqui nas Minas Gerais, a partir de Brumadinho, depois do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale S/A. Vieram como consequências coisas muito tristes. Primeiro, vidas humanas se perderam em meio ao lamaçal desenfreado causado pela inoperância, pela irresponsabilidade da Vale S/A, porque havia sinais desse rompimento. Um crime que poderia ser impedido não foi, trazendo como consequências a tristeza, o desespero para milhares e milhares de pessoas em toda a bacia do Rio Paraopeba. E nós, que somos descendentes dos povos de religião ancestral de matriz africana, assim entendendo os Reinados, a Umbanda, o Candomblé, ficamos terrivelmente prejudicados, porque a nossa fé, devoção, a nossa alma, nossa maneira de ser está na Natureza, onde se dá o nosso culto. Nós reverenciamos a Natureza. O grande criador, invocado sob tantos nomes, é a própria Natureza. Sem a Natureza, nós, os seres criados, não nos perpetuamos, não continuaremos a vivência. Nós estamos impedidos de realizar nossos cultos, de reverenciar a própria Natureza, os nossos antepassados e os nossos ancestrais. Toda a Natureza, com a fauna e a flora, está terrivelmente danificada. Exigimos reparação integral, pois é direito nosso, em toda a bacia do Rio Paraopeba. Nós não pedimos favores, reivindicamos direitos constitucionais. O Estado de Minas Gerais e as instituições de Justiça estão de portas fechadas para nós atingidos/as, sem transparência e sem informação, fazendo acordos que não nos convêm, sem ouvir a cada um de nós atingidos/as.  Nosso povo está adoecido pelos metais pesados que rolaram junto com a lama tóxica, após o rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho. Muita gente perdeu o seu ganha-pão, pois dependiam das águas correntes e límpidas do Rio Paraopeba. Água é vida. O que se fará com tanto dinheiro, sem a vida? O que vale a vida com dinheiro, sem a água? Sem água doce, como é que vamos viver? Nosso grito é por todas as vidas: vidas humanas, vidas animais, vidas vegetais e vidas minerais. Tudo está interligado. As pessoas também estão perdidas, porque foram afetadas na sua saúde física, mental e emocional, por causa desse desgoverno, que é resultado do sistema capitalista que não deu certo e nunca dará certo, pois valoriza o capital em detrimento da vida das pessoas. Estamos numa luta gigantesca, como a luta de Davi contra Golias. As pessoas estão praticamente morrendo à míngua por falta de saúde pública que não existe. A primeira coisa que se tem que preocupar é se tem água e como é que nós vamos ter saúde. Verificar a contaminação no ar, na terra e no corpo das pessoas.  Como é que eu vou cantar para minha mãe da água doce, para a senhora guardiã, se eu não vejo mais as águas límpidas do rio Paraopeba, que nos possibilitava perpetuar o nosso culto que vem de geração para geração há séculos? Como é que nós vamos ficar aqui sem água? Eles estão querendo nos matar. A minha proposta, meus irmãos e irmãs de toda a bacia do Rio Paraopeba, é que nós vamos sair daqui com a seguinte proposta: se combinaram de nos matar, nós estamos combinando de nos manter vivos na luta até a vitória, juntamente com os povos donos dessa terra chamada Brasil, chamada Minas Gerais, os nossos irmãos indígenas, que também ao longo da Bacia do Rio Paraopeba sofrem com todo tipo de desprezo. Estamos juntos nessa luta para vencer, porque o legado dos nossos antepassados, de nossos ancestrais que floresceram na luta e que deixaram para nós tantos conhecimentos, e é por tantos entendimentos que nós sabemos respeitar a natureza mais do que as autoridades. Nós sabemos ser sensíveis à dor do outro, à lágrima do outro. Admiramos, respeitamos e amamos toda a natureza, que é sagrada. Como é que as autoridades do Estado de Minas Gerais, de Brumadinho, dos Ministérios Públicos Estadual e Federal e das defensorias públicas estadual e da União estão conseguindo deitar a cabeça no travesseiro e dormir com tanta dor, com tanto sangue derramado e com tantos clamores? O Brasil precisa saber que os atingidos e as atingidas não estão sendo considerados, não estão sendo ouvidos, estão desprezados e ignorados. Nós, os povos de tradição de matriz africana, totalmente invisíveis como se nós não existíssemos, denunciamos: ninguém quer nos ver. Deve ser porque incomodamos muito toda vez que juntos entoamos nossas toadas no reinado e nos terreiros. Toda vez que toca um tambor, a vibração desse tambor mexe com o mundo, mexe com a terra, mexe com mar, mexe com as águas dos rios, mexe com as matas, mexe com os animais. Isso é um pulsar, um sentido, que não se aprende na academia, se aprende no dia a dia, no viver, no lutar, no saber aonde tem água e onde é possível tirar um poço e não destruir as fontes dos riachos e dos rios. Como eu aprendi desde criança, repito e vou repetir vida afora: nós negros somos como Aroeira – aroeira para quem não sabe é uma árvore que verga, mas não quebra – esse é o nosso legado, esse é o nosso entendimento. Nós temos um tronco, nós temos uma raiz, nós temos uma sabedoria, um conhecimento que os que estão nos representando não têm. O acordão da Vale S/A com o Governo de Minas Gerais é um desgoverno, um desrespeito aos atingidos/as, uma irresponsabilidade. Sigamos na luta pelos nossos direitos com a bênção do nosso Criador, de Jesus, do Espírito Santo, de Nossa Senhora do Rosário, Senhora das Mercês e de São Benedito. Muito obrigada”.

Capitã Pedrina, que maravilha seu pronunciamento! Você nos presenteou com uma Aula Magna. O mundo será melhor quando as pessoas admirarem, respeitarem e venerem a Natureza como você nos afirmou, acima.  Dói muito no meu coração quando eu vejo pessoas que se dizem católicas, ou evangélicas, ou (neo)pentecostais revelarem preconceito e muitas vezes criminalizar as religiões ancestrais de matriz africana ou indígena, chegando ao absurdo de destruir terreiros. Tem alguma violência e algo errado nesse testemunho transparente de humanidade, de fraternidade que a capitã Pedrina, mãe de santo e nossa mestra partilhou conosco? Enfim, eis uma amostra da beleza do macroecumenismo colocado em prática na luta pelo bem comum, não “apesar da fé de cada um/a”, mas “por causa da fé de cada um/a”. Isso é o que a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 pede de todos/as nós. Feliz quem acolhe a CFE 2021, a coloca em prática e, assim, contribui na construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver com Ecologia Integral![2]

16/02/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Capitã Pedrina: “Acordão é desgoverno, é desrespeitos aos atingidos/as. Reverenciamos a Natureza.” – 03/02/2021

2 – Hino da Campanha da Fraternidade de 2021. Tema: Fraternidade e Diálogo, compromisso de Amor.

3 – Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE/2021)

http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bfcampanha-da-fraternidade-ecumenica-de-2021-tema-fraternidade-e-dialogo-compromisso-de-amor-lema-cristo-e-a-nossa-paz-do-que-era-dividido-fez-uma-unidade/

4 – No CEDEFES: INDÍGENAS EM BH/MG: PRECONCEITO, DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA. 1ª PARTE/23/4/2018.

5 – Makota, candomblecista, no MP/DH de MG: por direitos das pessoas de religião afrodescendente

6 – Pai Juvenal de Oxalá: Diversidade Religiosa-Umbanda. E. M. Machado de Assis – Contagem, MG, 23/11/17

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.