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Ministro responde críticas do movimento de democratização da comunicação

Bruno Marinoni – Observatório do Direito à Comunicação

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou nota no dia 28 de junho criticando as declarações do ministro das Comunicações Paulo Bernardo à revista Veja. Destacando as recentes manifestações nas ruas em defesa da democratização dos meios de comunicação, o texto afirma que “ao se posicionar contrariamente ao que definiram a nossa Carta Magna e as deliberações das 1ª Conferência Nacional de Comunicação, Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta”.

O movimento que luta pela democratização da comunicação aponta nas atitudes e na fala do ministro a insistência em evitar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil, se apresentando como “guardião dos interesses dos próprios donos da mídia”. A crítica do FNDC ganha reforço com a informação divulgada no dia 3 pela Folha de São Paulo, em que se afirma que na reunião da presidenta com os ministros, Paulo Bernardo teria afirmado que não é o momento da discussão da regulação da mídia. Em fevereiro, o secretário executivo do ministério,  Cezar Alvarez, já havia declarado que não seria discutido um novo marco regulatório em ano pré-eleitoral.

Para a revista Veja, o ministro é um “daqueles raros e bons petistas que abandonaram o radicalismo no discurso e na prática” e “critica os companheiros que defendem a censura à imprensa”. Esta rota de colisão entre Paulo Bernardo e a esquerda é evidente. O próprio diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) já aprovou uma resolução em que “conclama o governo Dilma a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país”.

Em resposta ao Observatório do Direito à Comunicação, o ministro Paulo Bernardo afirma que “em todas as oportunidades em que sou perguntado ou em que apresento as linhas de trabalho do Ministério das Comunicações, tenho defendido a regulação e deixado claro nosso apoio a iniciativas que se proponham regulamentar os artigos da Constituição Federal sobre a área das comunicações.”. Como exemplos, explica que “aprovamos e estamos implementando planos nacionais de outorga para radiodifusão comunitária e educativa, revisamos regulamentos importantes, inclusive os relativos ao Canal da Cidadania e tenho discutido procedimentos para garantir a implantação da TV digital sem nenhum prejuízo à população”.

O ministro reitera que sua crítica diz respeito às exigências de “parte da militância” para que haja intromissão do poder público na “mídia impressa” especificamente. “Em documentos públicos e textos de blogs, alguns ativistas sustentam que o Estado deve intervir no cotidiano da mídia impressa. Não me furto a dizer que discordo dessa visão”.

Segundo Paulo Bernardo, “o FNDC já foi recebido em várias ocasiões no Ministério das Comunicações, por mim e por outras autoridades da pasta. Em relação à audiência para discutir o projeto de lei de iniciativa popular mencionado, ainda não recebemos nenhum pedido formal da entidade”. O FNDC, porém, afirma em nota ter protocolado um pedido de audiência com a presidenta Dilma Rousseff, que abriu sua agenda para receber diversos movimentos sociais após as manifestações que vêm ocorrendo no país.

No balanço de 2012 feito pelas entidades que lutam pela democratização da comunicação, destacou-se as hesitações, as evasivas e o descaso (com certo desdém) do Governo Federal frente a suas demandas, destacadamente para o pedido de abertura de uma consulta pública sobre a regulamentação das comunicações. A coordenadora do FNDC, Rosane Bertotti, reafirmou o conteúdo da nota publicada pela entidade após tomar conhecimento das respostas do ministro.

Leia abaixo a nota na íntegra e a resposta do ministro:

FNDC repudia declarações do ministro Paulo Bernardo à revista Veja

Em meio a uma série de manifestações legítimas realizadas pela população brasileira por transformações sociais, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) continua atuando e contribuindo com a luta pela democratização dos meios de comunicação, pauta expressa continuamente pela população nas ruas. Em todos os estados do país, acontecem manifestações e assembleias populares que expressam o descontentamento do povo com a mídia hegemônica brasileira.

A situação de monopólio das comunicações no Brasil afeta diretamente a democracia nacional, e possibilita que grupos empresariais de comunicação manipulem a opinião pública de acordo com seus próprios interesses. Isto ficou mais do que claro nas últimas semanas: a grande mídia criminalizou os protestos durante as primeiras manifestações e depois partiu para a tentativa de ressignificação dos movimentos, com o objetivo de pautar as vozes das ruas.

Apesar desses fatos, o Ministério das Comunicações insiste em não propor ou apoiar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. E mais: tem se apresentado como guardião dos interesses dos próprios donos da mídia. A fala do atual ministro, Paulo Bernardo, em entrevista à revista Veja desta semana, é uma afronta aos lutadores históricos pela democratização da comunicação e à população brasileira como um todo.

O ministro valida, na entrevista, a teoria conspiratória de que “a militância pretende controlar a mídia” e, novamente – não é a primeira vez que se vale desse artifício –, tenta confundir o debate da democratização das comunicações ao tratar a proposta popular como uma censura à mídia impressa.

Ora, é de conhecimento público que o projeto de Lei da Mídia Democrática, um projeto de iniciativa popular realizado pelos movimentos sociais para democratizar as comunicações no Brasil, não propõe a regulação da mídia impressa, muito menos a censura. É uma proposta de regulamentação para o setor das rádios e televisões no país para a efetiva execução dos artigos 5, 220, 221, 222 e 223, que proíbem, inclusive, os oligopólios e monopólios no setor. No Brasil, 70% da mídia no Brasil são controlados por poucas famílias, que dominam os meios de comunicação, que são concessões públicas. Dessa maneira, estabelecer normas não é censurar, mas garantir o direito à liberdade de expressão de todos os brasileiros e não apenas de uma pequena oligarquia.

Ao se posicionar contrariamente ao que definiram a nossa Carta Magna e as deliberações das 1ª Conferência Nacional de Comunicação, Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta.

Diante desses acontecimentos, o FNDC vem a público repudiar o posicionamento do ministro e informar que, nesta semana, protocolou mais uma vez um pedido de audiência com a presidenta Dilma Rousseff (o primeiro foi enviado em setembro do ano passado),que abriu sua agenda para receber os movimentos sociais brasileiros, para apresentar a campanha “Para Expressar a Liberdade”, o projeto de Lei da Mídia Democrática.


Respostas ao pedido de entrevista do Intervozes baseado em nota pública do FNDC

Agradeço a oportunidade de me manifestar a respeito do tema e reiterar minhas posições já tantas vezes apresentadas na mídia, em eventos e no Congresso Nacional. Posições que não condizem com as ilações contidas na nota publicada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Vivemos um momento em que se aprofunda a visão de que a transparência e a ética são valores que não podem ser suplantados por ações demagógicas.

Não creio que seja do interesse da sociedade civil realmente comprometida com a luta pela liberdade de expressão e pela democratização das comunicações ser tomada pela parte que se faz passar pelo todo.

Para esclarecer o que penso, apresento minhas considerações acerca dos pontos destacados da nota:

1- “Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta”.

Não vejo como posso ser acusado de desprezar o conjunto das legítimas reivindicações que emanaram das manifestações ocorridas em diversas capitais do País nas últimas semanas de junho de 2013. Liderado pela presidenta Dilma, venho trabalhando diuturnamente com meus colegas de outras pastas na busca por soluções para as principais demandas apresentadas pelos jovens e pela sociedade civil brasileira.

2-“é de conhecimento público que o projeto de Lei da Mídia Democrática, um projeto de iniciativa popular realizado pelos movimentos sociais para democratizar as comunicações no Brasil, não propõe a regulação da mídia impressa, muito menos a censura”.

Nitidamente, houve má interpretação do que eu afirmei em entrevista à revista Veja, na semana retrasada. Diferentemente do que a nota sugere, em momento algum me referi ou vinculei o projeto de lei de iniciativa popular, proposição legítima e oportuna liderada por algumas entidades da sociedade civil, à minha opinião sobre o que parte da militância entende como regular a mídia. Em documentos públicos e textos de blogs, alguns ativistas sustentam que o Estado deve intervir no cotidiano da mídia impressa. Não me furto a dizer que discordo dessa visão.

A regulação que acredito ser necessária para as comunicações eletrônicas no Brasil está claramente defendida na entrevista como também foi sustentada no discurso que fiz na abertura do 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, realizado em 2012.

3-“o Ministério das Comunicações insiste em não propor ou apoiar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. E mais: tem se apresentado como guardião dos interesses dos próprios donos da mídia”. 

Em todas as oportunidades em que sou perguntado ou em que apresento as linhas de trabalho do Ministério das Comunicações, tenho defendido a regulação e deixado claro nosso apoio a iniciativas que se proponham regulamentar os artigos da Constituição Federal sobre a área das comunicações.

Desde o início da minha gestão, temos empreendido esforços significativos para dar transparência e celeridade nos procedimentos relativos à radiodifusão. Aprovamos e estamos implementando planos nacionais de outorga para radiodifusão comunitária e educativa. Revisamos regulamentos importantes, inclusive os relativos ao Canal da Cidadania. Tenho discutido procedimentos para garantir a implantação da TV digital sem nenhum prejuízo à população.

Tenho ainda buscado dialogar sobre como incidiremos em questões igualmente importantes para a liberdade de expressão. Não me furtarei a debater junto ao Congresso Nacional qualquer medida ou alteração legal para a democratização dos meios de comunicação.

4- Gostaria de saber também se o ministro pretende receber o FNDC para discutir o projeto de lei que este defende.

O FNDC já foi recebido em várias ocasiões no Ministério das Comunicações, por mim e por outras autoridades da pasta. Em relação à audiência para discutir o projeto de lei de iniciativa popular mencionado, ainda não recebemos nenhum pedido formal da entidade.

Paulo Bernardo Silva
Ministro de Estado das Comunicações

O impacto da exposição de crianças a cenas de sexo e violência na TV

Cecília Bizerra, para o Observatório do Direito à Comunicação

A Andi -Comunicação e Direitos e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social publicaram o documento “Mídia e infância: o impacto da exposição de crianças e adolescentes a cenas de sexo e violência na televisão” que, em dez páginas, faz o levantamento dos principais estudos elaborados em diversos países sobre o tema.

A pesquisa apresenta estudos sobre os impactos da exposição de crianças e adolescentes a cenas televisivas de sexo e violência desenvolvidas há várias décadas em diversos países. A conclusão é que, majoritariamente, o contato regular de garotos e garotas com conteúdos inadequados pode levar a sérias consequências, como comportamentos de imitação, agressão, medo, ansiedade, concepções errôneas sobre a violência real e sexualização precoce.

O documento apresenta resultados de estudos realizados na Holanda, Canadá, Alemanha e Suécia, mas dedica a maioria de suas páginas a pesquisas realizadas nos Estados Unidos, onde, nos últimos 40 anos, foram realizadas mais de 3.500 pesquisas sobre os efeitos da violência na televisão sobre os espectadores.

Um dos estudos norte-americanos levantados pelo documento foi o longitudinal realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan, que relaciona a exposição de crianças à violência na TV e seus comportamentos agressivos e violentos no início da fase adulta. A pesquisa mediu em 1977 os hábitos de 557 crianças de Chicago em relação aos meios de comunicação, especialmente ao consumo de programação televisiva violenta. Após 14 anos ouviu 329 daquelas crianças, já adultas, com idades entre 20 e 22 anos, e verificou que uma maior exposição a conteúdos violentos transmitidos pela tevê durante a infância foi capaz de predizer um maior nível de agressão na vida adulta, independentemente do quão agressivos os participantes eram quando crianças.

“O constatado pela equipe de pesquisa de Michigan é que mesmo crianças que não eram agressivas na infância – e de todos os estratos sociais – ao terem sido expostas a um volume expressivo de conteúdos televisivos violentos durante esse período acabaram por apresentar maior probabilidade de se tornarem adultos agressivos”, cita o documento.

O estudo também apresenta resultados de pesquisas que apontam como efeitos da exposição das crianças à violência na mídia o aumento de comportamentos agressivos, a perda de sensibilidade à violência no mundo real e o crescimento do medo. “O Physician Guide to Media Violence – publicado pela American Medical Association (AMA), em 1996 – alerta que a exposição a um único filme, programa de televisão ou reportagem pode resultar em depressão emocional, pesadelos ou outros problemas relativos ao sono em muitas crianças, particularmente as mais novas. E crianças amedrontadas estão mais sujeitas a se tornarem vítimas ou agressores”.

Classificação indicativa como política pública

Evidências como estas fizeram com que, ao longo das últimas décadas, as principais democracias do planeta adotassem sistemas similares ao da Classificação Indicativa utilizada pelo Ministério da Justiça brasileiro, com o fim de proteger os direitos humanos de crianças e adolescentes expostos ao conteúdo da televisão. “Com a Classificação Indicativa, as programações televisivas passam a dar indicação à família sobre a faixa etária para a qual as obras audiovisuais são recomendadas. Isso porque é um direito inalienável das famílias decidir o que seus filhos podem ou não assistir”, afirma o documento.

A opinião é respaldada por recomendações do Comitê para os Direitos da Criança da Onu e da Unesco, que aconselham os governos nacionais a assumirem atitudes concretas de proteção aos direitos da criança e do adolescente no campo da comunicação de massa. As entidades apontam que fatores como fácil acesso e alto consumo de televisão no país e a evidência que pais e mães trabalharem e permanecerem a maior parte do tempo fora de casa, fortalecem a necessidade de se defender a Classificação Indicativa como uma política pública fundamental para garantir o respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes.

“Para os pais poderem cumprir com suas responsabilidades em relação à proteção do processo de desenvolvimento de seus filhos, antes o Estado e as empresas devem fazer sua parte, estabelecendo e obedecendo os limites para a veiculação de conteúdos potencialmente danosos”, recomenda o documento.

O estudo “Mídia e infância: o impacto da exposição de crianças e adolescentes a cenas de sexo e violência na televisão” está disponível para download, na íntegra, e pode ser conferido aqui.

Região Norte sofre com falta de acesso à telefonia

Danielle Pereira, para o Observatório do Direito à Comunicação

Alô, bom dia!”, diz a locutora. Do outro lado da linha, Joana manda seu recado. Desde São Félix do Xingu, no Pará, ela queria avisar à Renata que o pai da amiga não ia bem de saúde: “O médico pediu para ele ficar de repouso. Mas nós tamo na luta. Qualquer coisa, eu mando recado pela Nacional”.

O canal deste diálogo é o programa Ponto de Encontro, da Rádio Nacional da Amazônia, emissora vinculada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que recebe diariamente ligações de ouvintes, em especial, dos estados do Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso e Maranhão.

“O Ponto de Encontro é um meio de comunicação desta parte da população. Eles usam nossa emissora para passar recados importantes para a vida deles. Eles usam a rádio para avisar que alguém nasceu, se operou, para procurar parentes desaparecidos… É um Brasil que poucas pessoas conhecem. É uma realidade muito diferente porque eles não têm os meios de comunicação que a gente tem”, explica a apresentadora Sula Sevillis.

O acesso universal aos serviços de telecomunicação, especialmente em áreas carentes e economicamente não atrativas para as empresas, é um direito assegurado pela Lei Geral de Telecomunicações e regulamentado pelo Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU). Estas metas devem ser fiscalizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e cumpridas pelas concessionárias que ganharam os leilões na época da privatização das empresas de telecomunicações e que atuam em regime público na prestação desses serviços. Pelo PGMU, a telefonia fixa é considerada um serviço essencial e deve ser universalizada.

Durante as duas horas em que o Ponto de Encontro fica no ar, o telefone não pára de tocar no estúdio da empresa pública em Brasília. A ligação de Irene, de Alto Parnaíba, Maranhão, estava difícil de se escutar, muito chiada. Mas ela não foi a única ouvinte com dificuldades de contato com a Rádio Nacional naquele dia.

Os serviços de telecomunicações no Brasil são motivos de constante insatisfação por parte dos usuários. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), recentemente divulgados pelo Ministério da Justiça, a telefonia móvel e a telefonia fixa ocuparam, respectivamente, a segunda e a quarta posição no ranking das principais reclamações registradas nos Procons do país em 2011. Oi, Claro-Embratel, Tim-Intelig e Vivo foram os principais conglomerados que levaram os consumidores de telefonia aos órgãos de proteção e defesa do consumidor no ano passado.

Se, de uma maneira geral, a telefonia carece de melhorias no Brasil, o que se pode dizer do serviço em regiões economicamente menos atrativas e mais pobres?

Guilherme Frederico Gomes é diretor do Departamento do Programa Estadual de Proteção, Orientação e Defesa do Consumidor (Procon/AM). Ele conta que a principal reclamação dos consumidores em Manaus é quanto à telefonia fixa, de responsabilidade da empresa Oi. Segundo Gomes, a grande queixa é em relação à morosidade no reparo e conserto de linhas.  “A Oi, que detém em torno de 99% dos telefones fixos, não tem estrutura para fazer o conserto. Chegam ao Procon pessoas que estão há dois meses, três meses sem telefone fixo”, afirma Gomes.

Para a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Veridiana Alimonti, o problema da telefonia fixa no Brasil está no fato de o serviço ser prestado por uma única concessionária: “Em cada lugar, a obrigação é praticamente de uma empresa só. Então, seria necessário que houvesse aí uma atitude mais impositiva da Anatel”.

Situação caótica

“No interior do estado a situação é grave. Eu classificaria de caótica, precaríssima. Infelizmente, nenhuma medida foi adotada pela Anatel”, alerta o diretor do Procon no Amazonas.

Gomes lembra que, no ano passado, a Assembléia Legislativa do estado promoveu uma audiência pública que contou com a presença do presidente e de conselheiros da Anatel, além de prefeitos e vereadores de municípios do interior do Amazonas. Segundo ele, na ocasião, “foi colocada de maneira bem clara, através de um estudo, a péssima qualidade dos serviços de telefonia”, tanto fixa quanto móvel, no interior.

O relatório apresentado pelos deputados estaduais na época apontava, por exemplo, que os dez municípios visitados deveriam contar com 2.026 orelhões nas sedes municipais. Entretanto, apenas 145 aparelhos foram localizados e ofereciam condições de uso.

“Eu entendo que financeiramente [o Amazonas] não é muito atrativo. Falta investimento e tecnologia em equipamentos. Só tenho a lamentar que o estado esteja sendo privado de telecomunicação pela ineficiência das empresas. Ineficiência mesmo!”, conclui o representante do Procon.

Caro e sem compensação

“A telefonia móvel aqui no nosso estado não funciona. No interior do Amazonas não existe telefonia móvel, existe para quem não mora aqui”, reclama o deputado federal pelo Amazonas Sabino Castelo Branco (PTB-AM), vice-presidente da Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara dos Deputados.

Durante a entrevista com o parlamentar, feita por celular, a ligação caiu 4 vezes. Na última em que atendeu, o deputado disse: “Tá vendo como é?! E ninguém dá uma explicação. Isso já vem se arrastando há muito tempo e as grandes operadoras só ganhando dinheiro das tarifas altíssimas e um serviço de péssima qualidade. A Anatel é a grande responsável por tudo isso. É ela que fiscaliza. E pelo que eu vejo, não está fiscalizando nada. As grandes operadoras fazem o que querem nesse país, se acham numa propriedade particular, enquanto têm é uma concessão”, afirma Castelo Branco.

“O Procon entende que já passou da hora de a Anatel reconhecer a telefonia celular móvel como essencial, assim como já reconheceu a fixa”, defende a advogada do Procon do Acre, Daniela Barcellos. A partir das reclamações dos consumidores recebidas pelo Procon, a advogada do órgão conclui que, de uma maneira geral, o problema mais grave enfrentado pelos acreanos no que se refere ao serviço de telecomunicações é quanto às tarifas.

“Na região Norte nós temos as maiores tarifas. E aí não existe uma compensação. Ao mesmo tempo que nós pagamos muito caro por um minuto, que nós pagamos muito caro pela utilização de internet, a gente tem uma tecnologia inferior e uma qualidade de serviço inferior”, diz Daniela Barcellos.

Veridiana Alimonti, advogada do Idec, conta que o serviço de telefonia móvel no Brasil hoje é um dos mais caros do mundo. Segundo ela, há mais telefones celulares ativados no país do que população, fato que não significa, porém, que a telefonia móvel seja um bem acessado por todos.

“Muita gente tem mais de um celular. E isso também não significa que todo brasileiro consiga falar no celular, porque muita gente só tem celular para receber ligação. Cerca de 80% dos celulares no Brasil são pré-pagos. E um dado divulgado pela Anatel em 2010 colocava que a média de ativação de créditos desses celulares pré-pagos era em torno de 10 reais. Considerando que o minuto do pré-pago é ainda mais caro que o minuto do pós-pago, significa que as pessoas pouco falam no celular. Então muita gente tem celular para receber ligação e faz ligação de orelhão”, explica.

Obrigações laterais

“Eles [ou ouvintes] andam às vezes 30, 40 quilômetros para achar um orelhão e ligar para a rádio. Eles ligam para cá com o dinheiro deles. Não temos 0800”, conta a apresentadora do programa da Rádio Nacional da Amazônia Sula Sevillis.

“Quando o orelhão não está quebrado, falta cartão telefônico. Quando o orelhão está com defeito e tem cartão, leva anos para consertar. Tem comunidades que dependem exclusivamente de orelhão”, conta o deputado federal do Amazonas Sabino Castelo Branco.

De acordo com a advogada do Idec Veridiana Alimonti, a instalação e o acompanhamento dos telefones de uso público (Tups), mais conhecidos como orelhões, são obrigações essenciais das concessionárias de telefonia, mas que, no entanto, ainda estão longe de ser um direito universal. Ela ressalta que durante a consulta pública que definiu o novo Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU), os órgãos de defesa do consumidor se posicionaram contra a redução da densidade de orelhões por mil habitantes, que antes era de seis e, agora, passou para quatro.

“A gente até hoje não conseguiu fazer a tarefa primeira que se propos com a privatização dos serviços de telecomunicações no Brasil, que foi a universalização da telefonia fixa. A gente tem uma densidade baixa de telefones instalados por 100 habitantes, cerca de 21,7. O orelhão, ainda mais nessas regiões de pessoas de baixa renda, em que o serviço de telecomunicações ainda chega com muitas falhas e o próprio telefone celular que, além de ser caro, nesses lugares, funciona com mais dificuldade do que em alguns lugares do país, é algo essencial para garantir o direito à comunicação. E as prestadoras vêem como algo bastante lateral dentre às obrigações delas”, afirma Veridiana.

Já a Agência Nacional de Telecomunicações defende que houve avanços na universalização da telefonia fixa no país. E diz que a diminuição de densidade dos orelhões é decorrente de mudanças no PGMU que visam a interiorização do serviço.

“O que acontecia antes era uma concentração desses telefones públicos em uma capital, por exemplo, e você estaria cumprindo a meta. Hoje, com base na alteraçao feita pelo novo PGMU, a gente faz a avaliação da densidade da telefonia pública por município. E isso, na prática, garante que a densidade de Tups (orelhões) seja avaliada em cada município. A gente está redistribuindo os Tups, tirando os Tups da capital, onde eles estavam concentrados, e está jogando no interior, para a área rural. A gente está interiorizando, levando cada vez mais para a zona rural, onde se tem mais necessidade desses telefones”, diz Fabrício Leopoldo Neves, gerente de Planejamento de Universalização da Anatel.

Plano de revitalização

A Agência Nacional de Telecomunicações reconhece a precariedade dos telefones de uso público no país e, em especial, no Norte. No meio do ano passado, a Anatel exigiu das concessionárias a apresentação de um plano de revitalização dos orelhões, que deveria incluir vistoria, manutenção e reparo.

No caso da região Norte, as empresas Telemar (Oi) e Embratel tinham até o final de 2011 para apresentar os planos, até março de 2012 para concluir o atendimento e até abril para entregar à Anatel um relatório final da execução do trabalho, trazendo quais foram os problemas encontrados e o que foi feito para resolver.

“A análise que a área específica de qualidade vinha fazendo há bastante tempo, junto com a percepção de que isso já vinha trazendo problema até para a universalização, fez com que a Anatel instaurasse procedimento que tem um foco que não é voltado num primeiro momento pra sancionamento, mas que tem um foco voltado para resolver o problema da prestação do serviço que está com qualidade inadequada. Foi no âmbito desse processo administrativo que a Anatel exigiu a apresentação desse plano e a execução do plano apresentado”, explica Juliano Stanzani, gerente-geral de Universalizaçao da Anatel.

Será a partir da apresentação dos resultados que a Agência irá avaliar a necessidade de sanção em caso de descumprimento dos planos. “A gente não vai fazer instauração de processo de sancionamento para cada Tup que foi encontrado com problema porque isso não tem condição de ser gerido pela Anatel. O que é importante ressaltar é que esse tratamento voltado para a apuração do descumprimento que tem esse cunho sancionatório é um procedimento natural da Anatel”, diz Stanzani.

Na visão de Veridiana Alimonti, é necessário verificar os resultados desse plano, a fiscalização da Agência reguladora no seu cumprimeito e, em caso de não cumprimento, garantir as punições.

“O que a gente vê muito em caso de aplicação de multa é que as empresas vão recorrendo, demoram a pagar. É importante que as multas sejam aplicadas e que talvez outras medidas sejam pensadas com relação a essas empresas, em termos de conduta ligados ao não cumprimento; que ela tenha outras sanções ou até questões com relação ao próprio seguimento do serviço dela na telefonia fixa naquela região”.

Por meio de nota, a Oi diz que tem mantido a Anatel informada de todas as resoluções apresentadas e aplicadas pela empresa, tanto na área de telefonia móvel quanto fixa. A Oi afirma ainda que realizou “fortes investimentos nos últimos meses assegurando melhorias no atendimento às solicitações e reclamações remetidas à operadora”. Segundo a nota, a empresa está presente em todos os municípios do Amazonas e garante que foram realizadas “ações de melhoria de rede externa, reformas em estações, recuperação de planta de Telefones de Uso Público, manutenções de sistemas, ampliações de rede móvel e estrutura física em cidades como Manicoré, Itacoatiara, Manacapuru, Parintins, Tefé, Lábrea, Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira e Borba entre outras”.

CPI

Com a volta dos trabalhos no Congresso Nacional, está prevista a realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados para tratar da telefonia no país. Segundo o deputado Sabino Castelo Branco, vice-presidente da Comissão de Trabalho e Serviço Público da Casa, a ideia é chamar as grandes operadoras, a Anatel e o Ministério das Comunicações para que se apontem os responsáveis pelos problemas e as possíveis soluções.

O parlamentar diz que, se os resultados da audiência não forem satisfatórios, avalia-se a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. “Nós queremos abrir essa caixa-preta para saber se as tarifas cobradas no Brasil são as mesmas cobradas no exterior. Porque tem tarifa que é cobrada no exterior que não se compara à tarifa cobrada no Brasil, com um serviço de primeira qualidade, enquanto no nosso caso aqui o serviço é de péssima qualidade. Com os investimentos que foram feitos, já era para ter baixado a tarifa no Brasil”, diz.

E conclui: “Todo mundo reclama da telefonia. A gente vê bilhões que as empresas arrecadam, bilhões para investimentos que a gente não vê chegar. Nós queremos resultados. Não podemos esperar mais. Essas empresas tem que ser responsabilizadas”.

Telecomunicações: Governo paga pelo que poderia ser de graça

Governo Federal quer dar dinheiro público para que empresas de telefonia façam o que já seria suas obrigações, incluindo empréstimos a fundo perdido para a construção de redes totalmente privadas por empresas que não têm nenhuma dificuldade financeira – já movimentam mais de 200 bilhões por ano. Elas reverterão esses investimentos públicos em lucros privados.

Por João Brant e Veridiana Alimonti, para o Observatório do Direito à Comunicação

O Governo Federal vai encaminhar ao Congresso a Medida Provisória que cria um regime especial para implantação de redes de telecomunicações no país até 2016. Em outras palavras, vai subsidiar com dinheiro público a compra de equipamentos e insumos necessários para a implantação de redes de fibra ótica. Em contrapartida, vai exigir que as empresas destinem parte de seus orçamentos para regiões fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília, áreas mais lucrativas. Segundo o próprio governo, a isenção pode representar renúncias fiscais de R$ 1,2 bilhão por ano.

A medida representa o investimento de uma enorme quantidade de dinheiro público para que as empresas façam o que deveria ser sua obrigação. Mais do que isso: concretamente, a estratégia atual implica recursos públicos a fundo perdido para a construção de redes totalmente privadas por empresas que não têm dificuldade financeira – já movimentam mais de 200 bilhões por ano – e que reverterão esses investimentos públicos em lucros privados.

Regime público

Se o serviço de banda larga fixa nas grandes áreas fosse prestado em regime público, o Governo Federal poderia impor obrigações de universalização às empresas de telecomunicações. Isto é, faria por meio de um decreto, sem ônus para os cofres públicos, aquilo pelo que hoje se dispõe a pagar. E poderia dizer concretamente onde deveriam ser os investimentos, sem ficar à mercê das estratégias comerciais das gigantes do setor e de contrapartidas pífias.

O regime público nada mais é do que a declaração de que o serviço é essencial e deve estar sujeito a obrigações de universalização e continuidade. O serviço continua a ser prestado por empresas privadas, mas garantem-se metas de universalização, controle de tarifas e obrigações públicas quanto à infraestrutura. Hoje, só a telefonia fixa é prestada em regime público. Celular e banda larga são regimes privados, em que as empresas não têm obrigações de prestação de serviço, o preço é livre e não há nenhuma garantia de universalização e continuidade.

O Ministério das Comunicações alega dois motivos principais para não impor o regime público: o primeiro é que isso poderia prejudicar os pequenos provedores. O segundo é que não haveria interessados, já que teria de haver licitação para concessões e as empresas prefeririam manter as atuais autorizações. A solução para o primeiro problema é simples; poderia ser adotado um regime misto de prestação de serviços: privado para as empresas que querem autorizações para atuar em apenas um ou alguns municípios e público para as empresas que teriam concessões estaduais ou em áreas maiores.

Para resolver o segundo problema, bastaria aplicar o que está no artigo 141 da Lei Geral de Telecomunicações, ou seja, estabelecer o decaimento das atuais autorizações em cinco anos. Com isso, não haveria mais a possibilidade de se prover o serviço em áreas maiores do que um estado sem concessão específica. Na prática, não haveria opção: se quiser continuar prestando serviço de banda larga em grandes áreas, tem de se adaptar ao regime público.

E como fazer para que isso não favoreça apenas as empresas hoje mono ou duopolistas? Isso depende da modelagem adotada. Em princípio, poderiam ser definidas múltiplas licenças por região, com diferentes cadernos de encargos (lista de obrigações a que se comprometem os vencedores das licitações), estipulando obrigações proporcionais à capacidade técnica e financeira de cada empresa. A definição de um plano geral de outorgas e desses cadernos de encargos deveria levar em conta, inclusive, o atual mapa de prestação de serviços, dividindo as obrigações entre diferentes prestadoras.

Desprivatização da Anatel

É claro que a definição de que o serviço de banda larga fixa passa a ser prestado em regime público não resolve automaticamente os problemas atuais do serviço, que é caro, lento e de alcance limitado. A telefonia fixa é um exemplo de como o regime público ajuda a induzir investimentos (não foi por vontade própria que as empresas investiram bilhões de reais no período pós-privatização) e a universalizar a oferta (a telefonia fixa está disponível em todas as localidades de mais de 100 habitantes, porque as empresas foram obrigadas a isso), mas é também exemplo de como se depende de uma ação firme do órgão regulador para poder garantir universalização e modicidade tarifária.

A assinatura fixa, por exemplo, impede o acesso de milhões de brasileiros ao serviço, e já poderia ser quatro vezes menor do que o valor atual, se a Anatel não fosse tão leniente e protetora dos interesses das empresas. Em suma, a adoção de um regime misto (público e privado) é um primeiro passo necessário para que o Governo Federal não pague para sustentar um monopólio privado que presta um serviço público essencial. Mas para fazer prevalecer de fato o interesse público é preciso também desprivatizar a Anatel e garantir que ela utilize todos os instrumentos regulatórios que têm a seu dispor no regime público, sem se dobrar às chantagens das grandes empresas.

João Brant é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Veridiana Alimonti é advogada do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Marco regulatório seguirá resoluções da Confecom

(Pedro Caribé – Observatório do Direito à Comunicação)

As resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação estão sendo validadas no projeto de reforma do Marco Regulatório. A confirmação foi de James Görgen, Assessor da Secretaria Executiva do Ministério das Comunicações(Minicom) durante seminário do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) no Rio de Janeiro no último dia 20 de maio.

“Recebemos do governo anterior as propostas da Confecom e começamos a discutir. Em final de fevereiro (2011) foi criado grupo de trabalho (GT) interno que está produzindo um relatório mais abrangente”, declarou James.

Ao legitimar a Confecom o trabalho sob coordenação de Paulo Bernardo incluiu a Lei Geral de Telecomunicações (LGT): “Agora há identificação maior com as teles que não eram abordadas, em temas como banda larga”, segundo Görgen que utilizou o termo massificação de regime privado durante a apresentação e também não adiantou se a banda larga vai tornar-se serviço com regras específicas.

Quanto a ideia capitaneada pelo ex-ministro de Lula, Franklin Martins, de interferir apenas no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) de 1962, Görgen explanou que já está bem adiantada, o que afeta a radiodifusão, o audiovisual e o arranjo institucional.

O objetivo do governo é não esmiuçar o projeto e apresentar eixos norteadores para regulação: “O marco será genérico o suficiente para sobreviver ao tempo e deixar para o Estado algumas regulações pontuais. Queremos uma declaração de princípios”, sentenciou o representante do Minicom.

Mesa de diálogo

O representante do Minicom também apresentou com maior clareza os caminhos do governo para aprovar o projeto. A experiência de participação popular da Argentina foi evocada como referência por James Görgen. Em resposta ao encontro com o ministro Paulo Bernardo em abril de 2011, as entidades que participaram da Confecom vão integrar uma mesa de diálogo permanente confirmada pelo Ministério.

Já a pressão dos grandes empresários tem sido amortecida dentro do Minicom: “Nenhum técnico recebe radiodifusor ou lobistas”, explanou James que também retirou do governo a incidência sobre as alterações que podem ser realizadas no Congresso Nacional: “Podemos enviar um pônei. Ele pode virar um dragão ou unicórnio. A responsabilidade não está com o governo”.

Porém, antes de colocar em consulta, a presidenta Dilma Rousseff irá dar seu crivo ao projeto. Entre as divergências do GT a serem balizadas pelo Palácio do Planalto, a reformulação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) foi explicitada no seminário pelo gerente executivo da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Silvo Da-Rin: “Se acontecer a fusão da Ancine com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vamos na contramão!”. Da-Rin compreende que as funções voltadas para o fomento, fiscalização e regulação do audiovisual devem permanecer na Ancine e sob orientação do Ministério da Cultura.

A coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação, Luiza Erundina, pediu que Dilma Rousseff envie proposta do GT para a sociedade e depois faça suas ponderações: “Temos que ter respostas as implicações políticas da reforma”, enfatizou a deputada que espera que os interesses do processo sejam explicitados para sociedade se posicionar.

Unidade

Celso Schröder, Coordenador-geral do FNDC, apontou o conceito da liberdade de expressão como o cerne das disputas e defendeu que os movimentos sociais já fizeram sua parte nas mobilizações da Confecom: “É o momento do Estado brasileiro mover-se”. O seminário foi referendado por Schröder como espaço de unidade: “Apesar dos desacertos, erros, e as derrotas, o símbolo da vitória dos movimentos sociais é o fato de estarmos discutindo unidade e propostas para marco legal”.

Ao final do seminário foi deliberada uma comissão para desenvolver dois documentos: um com 21 pontos fundamentais a reforma do marco legal com o objetivo de agitação e outro mais denso que apresentará um anteprojeto.

Fóruns antagônicos desvelam ‘guerra’ da liberdade de expressão

Por Cristina Charão e Lia Segre

Dois atos simultâneos e antagônicos realizados em São Paulo neste 1º de março concretizaram o tamanho da disputa envolvendo a definição do direito à liberdade de expressão. A guerra conceitual ganhou as ruas, mais exatamente a Alameda Santos, nas imediações da Avenida Paulista.

Na calçada, um grupo de 40 pessoas vestidos com roupas de palhaço e portando cartazes bem humorados lembrava, sob chuva constante, aos passantes que liberdade de expressão é “um direito de todos e todas” e que “mídia concentrada, liberdade aprisionada”. Era o Fórum de Rua Democracia e Liberdade de Expressão – Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais. “Somos várias entidades dos movimentos sociais organizados, estudantes, sindicalistas e aqui fazemos um fórum de rua gratuito para discutir a liberdade de expressão”, explicavam aos transeuntes militantes da Marcha Mundial das Mulheres, do PSOL, da CUT, da UNE/UEE, da Revista Viração, da Associação Vermelho e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Dentro da sala de convenções do hotel, o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão reunia a nata do empresariado da comunicação nacional, convidados representando grandes grupos de mídia da América Latina e alguns intelectuais que ocupam os espaços de opinião dos veículos comerciais. Organizado pelo Instituto Millenium – que tem entre seus conselheiros João Roberto Marinho e Roberto Civita, além de representantes de grandes empresas de outros setores da economia –, o evento pretendia analisar o que seriam, na opinião dos convocantes, iminentes ameaças de restrição à liberdade de expressão no Brasil.

A manifestação tragicômica que os militantes dos movimentos e organizações sociais protagonizavam na rua da chuvosa capital paulista deu continuidade à mobilização da sociedade civil por “uma mídia plural e de todos” após a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), cuja etapa nacional ocorreu em dezembro. A Confecom aprovou uma série de resoluções acerca da promoção da diversidade na mídia e contra a concentração da propriedade dos meios de comunicação.

Do lado de dentro, a maioria das empresas ali representadas fazia parte do grupo que abandonou o processo de construção da Confecom. A recusa em participar do debate público sobre os rumos da comunicação foi definida por um dos participantes do evento, o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, Sidnei Basile, como uma estratégia vitoriosa. A vitória, segundo ele, foi que “uma parte do conto do vigário [da Confecom] não se estabeleceu”. A conferência envolveu mais de 20 mil pessoas em todo o país e aprovou cerca de 500 resoluções entre 6 mil propostas apresentadas nas etapas estaduais.

Para Basile, o fato de se ter colocado como pauta central o controle social da mídia seria, em si, um ataque à liberdade de expressão que não foi tolerado pelos empresários de comunicação. O diretor da Abril esqueceu-se de dizer que duas entidades empresarias permaneceram na organização da Confecom – a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil). E que o tema, em si, não foi incluído como eixo temático da conferência, tendo sido introduzido nas resoluções por força da participação da sociedade civil não-empresarial.

Controle social

Reiteradas vezes, o tema do controle social foi citado durante o evento do Instituto Millenium. Ora, o problema era o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encampar estas idéias, como teria acontecido na convocação da Confecom. Este temor foi aplacado pela declaração do ministro das Comunicações, Hélio Costa, convidado para a abertura do fórum. Segundo ele, muito democraticamente, “em nenhum momento isso foi discutido [pelo governo], é discutido ou será permitido discutir”.

As afirmações do ministro foram bem recebidas, mas quase ao final do evento o publisher do Grupo Folha, Otávio Frias Filho, colocou novamente o governo Lula na berlinda. “Julgo que os arranques antidemocráticos do governo [Lula] se devem a esta confiança na sua alta aprovação”, afirmou.

Em dado momento, mais exatamente durante a palestra do sociólogo Demétrio Magnoli, a grande ameaça passava a ser a eleição da candidata do presidente Lula, Dilma Roussef. Para Magnoli, nesta situação, as teses “stalinistas” do PT para a área da comunicação encontrariam caminho livre para se estabelecer como políticas de governo. O “PT stalinista”, segundo Magnoli, é o que defende o controle social da mídia nos seus documentos oficiais e que apóia o fechamento da RCTV, emissora venezuelana que teve sua concessão suspensa pelo governo daquele país por descumprir a legislação e ter apoiado um golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez.

Na mesma mesa, o filósofo Dênis Rosenfield apontava como perigo os processos participativos de construção de políticas públicas, como a Confecom e o Programa Nacional de Direitos Humanos, resultado também de conferência nacional temática. Segundo ele, as conferências são espaços para os sindicatos e movimentos sociais apresentarem de “forma palatável” o “controle popular ou como queiram chamar”, quando na verdade estes movimentos “querem é cercear os meios e a liberdade de expressão”. Rosenfield ou qualquer outro palestrante não conseguiram ser explícitos em relação às razões pelas quais estes movimentos gostariam de “cercear” as mídias comerciais.

No Fórum de Rua, algumas razões para o exercício do controle social da mídia estavam explícitas. As mulheres, por exemplo, marcaram presença com suas reivindicações específicas e lembraram como a mídia retrata apenas um estereótipo feminino. “Nós mulheres sabemos há muito tempo como a mídia mostra uma única imagem da mulher: magra, loira, alta, esbelta”, diz Teresinha Vicente, da Articulação Mulher e Mídia.

O jovem estudante Leonardo Carvalho, membro do grêmio estudantil da Escola da Vila, fez uma análise mais ampla: “Os meios de comunicação são centrais na luta pela democracia. Quando você monopoliza os meios, você monopoliza também o poder sobre mentes e constrói o que as pessoas acham.”

Estado e participação

“Diante de uma realidade como esta, fica evidente a necessidade de o Estado agir de forma proativa para reverter este quadro de concentração e de falta de diversidade”, comentou Pedro Ekman, do Intervozes. Ele ressalta que esta presença do Estado defendida “por quem não é dono da mídia” nada tem a ver com censura. Ao contrário, é esperado que o Estado atue para garantir direitos a todos, não apenas “acomodar as vontades dos mercados”.

“Liberdade de expressão com garantia de direitos é o que estamos pedindo”, disse Ekamn. “Se antes no Brasil era uma junta militar – ditadura clássica – que definia o que podia e o que não podia se expressar, hoje é uma elite de poucas famílias que o faz. E esta é a ditadura que vivemos hoje na área da comunicação. Ou seja: é preciso existir mecanismos que impeçam que a vontade unilateral de um grupo econômico estabeleça como serão distribuídos os meios de comunicação ou que tipo de conteúdos serão oferecidos à população”, afirmou Ekman.

O participante do Fórum de Rua disse que tais mecanismos seriam justamente aqueles que abrem a definição das políticas públicas à participação da sociedade, de forma ampla e democrática. Ironicamente, Ekman lembra que estes instrumentos participativos serviriam também para afastar um dos medos apontados pelos participantes do fórum do Instituto Millenium, de que o governo assuma um caráter autoritário.

Os participantes do fórum do Instituto Millenium discordam. Como já vem sendo feito através de matérias em seus vários veículos, os representantes da mídia tradicional atacaram os mecanismos de democracia participativa. Carlos Alberto Di Franco, colunista e consultor de O Estado de S. Paulo, colocou mecanismos como consultas públicas e conferências como sintomas da instauração de um populismo autoritário. William Waack, apresentador da TV Globo e um dos mediadores das palestras, tentou desqualificar os participantes destes processos. “Para mim, são ONGs de fachada”, disse, querendo afirmar que as organizações seriam os braços dos partidos políticos, especialmente o PT.

No ideário do fórum empresarial, tampouco o Estado pode ser garantidor, ele próprio, da diversidade na mídia ou um regulador operando pelo equilíbrio de direitos. O diretor da Central Globo de Comunicação Luís Erlanger, fazendo uma pergunta aos palestrantes da mesa que mediava, ironizou as tentativas de restringir a publicidade de bebidas alcoólicas, alimentos ricos em açúcar e gordura e de produtos para crianças. “É muita paranóia pensar que que a tentativa de diminuir o faturamento das empresas tem também por trás uma tentativa de cercear a imprensa?”

A paranóia vale também em relação ao Estado produzindo conteúdo. O deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), ex-ministro das Comunicações, acha que “há muita mídia governamental”. “É TV Senado, TV Câmara, TV do governo federal, estadual, municipal, Voz do Brasil…”, enumerou Teixeira, para concluir que tudo isso já seria instrumento suficiente de controle sobre a mídia.

Já Di Franco, do Estadão, citou resolução contida no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos que prevê que o governo produza vídeos e filmes que reconstruam o período da ditadura militar para fins educacionais. Segundo o jornalista e um dos mentores da linha editorial do jornal paulista, o Estado não pode ter esta prerrogativa porque resultaria em uma leitura enviesada da história.

A solução para os eventuais problemas causados pela atuação da mídia, segundo os palestrantes convidados do Millenium, são o exato oposto da participação social defendida pelos participantes do Fórum de Rua. A defesa das leis de mercado e a autorregulação como padronizadores da atuação da mídia foi constante. A autorregulação recebeu, inclusive, o apoio do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e do deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP), para quem os “sistemas de autocontrole” e os “códigos de conduta das próprias empresas” já agem com suficiente eficiência para evitar abusos.

Ofensivas

O entendimento de vários palestrantes é que justamente este ideário que associa liberdade de expressão às liberdades de mercado está em jogo. Cumprindo papel de organizadores e promotores do discurso do setor empresarial, os colunistas Arnaldo Jabor (Globo) e Reinaldo Azevedo (Veja) pregaram uma ofensiva da mídia tradicional.

Jabor tratou a imprensa como sinônimo de sociedade – “é uma tradição [do Brasil] de que o Estado controle a sociedade e não que a sociedade, a imprensa é que controla o Estado” – e convocou esta a tomar “uma atitude ofensiva” contra um “populismo controlador” que pode se instalar no país, a exemplo do que já ocorre na América Latina.

Azevedo, que se apresenta como porta-voz de uma ultra-direita brasileira que tem vergonha de aparecer, foi mais explícito em relação aos valores a serem defendidos pela grande mídia: “Está na hora de a imprensa defender os valores da democracia, da economia de mercado, do individualismo, da livre iniciativa e da propriedade e deixar de lado aqueles que tentam solapar estes valores.”

O Fórum de Rua afirmou, em sentido oposto, que mercado e diversidade não dialogam. “Democracia e liberdade de expressão é desconcentração da mídia, é possibilidade de todo mundo poder falar, e não os que sempre foram privilegiados politicamente e economicamente no Brasil”, afirmou Pedro Ekman, do Intervozes, resumindo a idéia de liberdade de expressão que permeou o ato na Alameda Santos.

*** Texto corrigido em 3/3/2010, às 23h20. Carlos Alberto Di Franco não é conselheiro do Estadão, mas colunista e consultor.

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