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ARGENTINA: CONDENAÇÃO A CRIMINOSOS MILITARES

 

Argentina: Condenação a Criminosos Militares

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Ontem foi um dia importante não apenas para a Argentina, mas para todos os países que sofreram ditaduras militares cujos autores ainda não foram processados por seus crimes. Também para os governos democráticos, mesmo os de direita, que tiveram cidadãos sequestrados e assassinados pela última ditadura Argentina. A sinistra canalha uniformada destruiu, entre outros milhares, a vida de estrangeiros de 32 países diferentes. Desses países, alguns colaboraram com a ditadura (como o Brasil, o Chile e a Itália), mas outros moveram céu e terra para que se fizesse justiça com seus cidadãos vítimas, como a Suécia, a França e a Alemanha.

Mas também foi um dia emocionante para qualquer país civilizado. Pela terceira vez na história moderna, após Nuremberg e o julgamento dos coronéis gregos, foi realizado um processo judicial profundo, não condicionado, dentro dos mais rigorosos princípios do direito humanitário, de 18 antigos membros da última ditadura Argentina. Deles, 16 foram condenados, 12 a prisão perpétua, e outros 4 a períodos de 18, 20 e 25 anos de reclusão.

É verdade que todos os países que tiveram ditaduras, salvo o Brasil e a Honduras, instalaram comissões de verdade ou tribunais para julgar os carrascos. A mesma Argentina fez isto em 1984, e levou perante os juízes quase uma dúzia de oficiais. Mas as condenações geradas nesses julgamentos acabaram sendo anuladas.

Antes do julgamento de ontem, a Argentina já tinha condenado 209 criminosos militares e cúmplices civis e eclessiais, mas isso foi conseguido pela administração Kirchner, num esforço minucioso e esforçado desde 2002. Todavia, nenhum desses processos tinha atingido tal quantidade de genocidas, e tampouco seu simbolismo era tão forte. Todos os condenados no dia 26 foram chefões da Escuela de Mecánica de la Armada (Escola de Mecânica da Marinha, ESMA), a mais emblemática instituição dos carniceiros argentinos, e o mais destrutivo dos 360 campos de extermínio que a demência assassina dos fardados, junto com seus muitos cúmplices civis, ergueram ao longo do país.

Há numerosas notícias publicadas hoje (27 de outubro) em português. (Vide.)

O Julgamento do 26 de Outubro

As sentenças pronunciadas em 26/10/2011 pelos juízes Daniel Obligado, Ricardo Farías e Germán Castelli, no 5º Tribunal (Oral) Argentino são o resultado de 22 meses de julgamento oral e de numerosos problemas e sabotagens.  A promotoria apresentou 250 testemunhas e numerosas provas, mas deveu suportar o jogo sujo da defesa, as falsidades, os incidentes provocados, a campanha surda da Igreja e das corporações militares e civis, o assassinato ou sequestro de testemunhas e a intimidação através de atos de terrorismo.

Foi uma luta duríssima contra o espírito da Inquisição, o militarismo, o estado policial, a mídia mercenária, e os advogados sem escrúpulos. Se os algozes foram julgados e condenados, isso foi graças ao enorme esforço da comunidade nacional e internacional de direitos humanos, da minoria de juristas humanitários, e de ativistas compromissados que arriscaram suas vidas numerosas vezes. Vários deles, como Jorge Júlio Lopez (vide) e Víctor Martínez (vide) desapareceram, e outros, como Silvia Suppo (vide), foram assassinados.

Os militares da ESMA foram acusados de oitenta e seis casos comprovados de sequestro, tortura, assassinado e desaparição, mas a dimensão de seus crimes é muito maior. Cálculos muito bem fundamentados estimam entre 4.500 e 5.600 o número total de vítimas do sinistro campo de extermínio. Seria absurdo dizer que, entre os condenados ontem, alguém não fosse cúmplice de todos esses crimes, cuja execução foi resultado de um projeto tão doentio como o que implementaram os nazistas. Se as quantidades são menores, é porque os militares argentinos não tiveram a decisão nem a capacidade dos nazistas, mas não, com certeza, porque fossem menos truculentos.

O jornalista argentino Jacobo Timerman, que fora inicialmente cúmplice dos militares, e que acabara sendo preso e torturado por eles (porque, afinal, os militares não confiavam em judeus, mesmo de direita), disse em seu livro Preso sem Nome, Cela sem número, que a ditadura argentina foi pior que o nazismo, no sentido de crueldade, sadismo e aberrações.

Os 12 condenados a prisão perpétua pelo Tribunal Federal 5º da Argentina são:

Alfredo Astiz – “herói” das Malvinas, assassino de várias freiras, de mães de Praça de Maio e da adolescente sueca Dagmar Hagelin.

Jorge “Tigre” Acosta, célebre psicopata que obrigava suas vítimas a rezar.

E os seguintes: Ricardo Cavallo, Antonio Pernías, José Montes, Raúl Scheller, Jorge Rádice, Adolfo Donda, Alberto González,  Néstor Savio e Julio César Coronel e Ernesto Weber.

Os “feitos” destes genocidas “menores” não merecem ser lembrados. Sua condenação é necessária como amostra da culpabilidade da quase totalidade dos membros das forças armadas do país, salvo quatro coronéis reformados que tentaram se opor à ditadura e foram punidos. Mas, há milhares de oficiais e subordinados que foram responsáveis de crimes desse estilo, e dúzias de milhares de civis que, como no nazismo, foram cúmplices ou omissos face aqueles crimes.

Quem não tem medo de comprometer sua saúde mental lendo a história destes tristes teratomas, pode ver um artigo bem detalhado aqui.

Os crimes não devem ser esquecidos (daí o nome de “comissões de memória”), mas será mais saudável se as distorcidas personalidades de seus autores fossem desterradas de nossas lembranças. Afinal, é fundamental entender que, enquanto existam corporações armadas e superstições que as alimentem, as atrocidades militares não serão extintas. Como dizia Santo Agostinho, há 16 séculos, “a espada e a cruz são duas faces do mesmo espírito”.

Até que a sociedade vire realmente civil e secular, seja adotada uma ética humanista e seja respeitado o direito natural e o conhecimento objetivo, casos como este voltarão acontecer, e acontecem ainda na África e na Ásia.

Por que Agora?

Em dezembro de 1983, o advogado Raul Alfonsín, líder de uma corrente do antigo partido Radical (aqui, “radical” não quer dizer esquerda; o nome tem origem desconhecida), foi eleito presidente. Ele foi o único que se opôs à guerra das Malvinas, mas não por humanismo, pacifismo nem espírito democrático. Ele sempre disse que pensava que a guerra ia-se perder. (Se tivesse possibilidade de ganhar, teria apoiado.)

Quando subiu ao governo, encontrou quase meio milhão de pessoas que tinham perdido parentes ou amigos durante a repressão, das quais muitas exigiam, com enorme resistência, o julgamento dos carrascos. As Mães de Praça de Maio conseguiram forte apoio internacional, e países como a Suécia pressionaram o novo governo de maneira incansável.

Apesar do excecional da situação, os políticos e as pessoas públicas argentinas jamais se colocaram (nem mesmo como projeto de altíssimo risco), o que o presidente da Costa Rica tinha feito em 1948: dissolver definitivamente as Forças Armadas. Na Argentina teria sido mais difícil, mas qualquer preço é pouco para eliminar uma doença social tão nefasta como o crime legalizado. Os golpistas da Costa Rica não tinham sido vencidos por um inimigo externo, como os da Argentina. A derrota do exército argentino pela Grã Bretanha poderia ter sido aproveitada.

Mas, essa possibilidade não foi sequer cogitada, e a única pessoa que falou nisso quase foi linchada.

Alfonsín e seus assessores (que encontraram uma lucrativa atividade na indústria dos falsos direitos humanos) fizeram todo o possível para tranquilizar os militares. Inclusive, deram a eles a oportunidade de julgar seus membros que tivessem atuado “ilegalmente”, deixando sempre claro que os crimes tinham sido abusos, exageros, e não um plano sistemático de genocídio. Aliás, salvo os grupos de DH, todos diziam que a repressão tinha sido necessária, porém descontrolada. Os militares deram uma gargalhada e mandaram os servis políticos enfiar sua proposta no bolso.

Finalmente, não podendo adiar mais a questão, o governo considerou inocentes os que obedeceram ordens, mesmo que tivessem cometido as maiores atrocidades, e apenas decidiu julgar os principais comandantes. Os magistrados, profundamente identificados com os militares, se recusaram a participar, salvo o Promotor Strassera, que tinha subido durante a ditadura, e pensou que, para salvar a maior parte dos militares, era preferível condenar alguns poucos. Anos depois, Strassera tirou a máscara e acusou de “revanchismo” os que continuavam lutando contra o militarismo. Foi assim que só os chefes militares mais altos e mais comprometidos nos crimes foram condenados, quase todos eles com penas simbólicas, salvo em três casos.

Apesar de tanta bajulação e covardia dos políticos (ou talvez por causa disso), os militares se sublevaram quatro vezes em 1987 e 1988, e todas essas vezes suas demandas foram atendidas servilmente pelo governo, cujo presidente chamou os carrascos de “heróis” das Malvinas. Finalmente, Alfonsín mandou ao Congresso duas leis que são atualmente modelos jurídicos de atos infames: essas leis proibiam a investigação de crimes de estado e justificavam (e, indiretamente, também estimulavam) os que tivessem cometido crimes, mesmo aberrantes, por causa de ter cumprindo ordens. Ou seja, além de enaltecer os crimes atrozes, as leis também premiavam a covardia dos que obedecem por medo.

Passaram 15 anos não apenas de absoluta impunidade para os criminosos militares, mas também de silêncio e de perseguição para suas vítimas. Apenas em 2002, com a crise da corrupta classe política argentina, as coisas mudaram. O peronismo clássico, liderado por Menem, tinha perdido as eleições de 1999 para Fernando de La Rua, uma sórdida figura ao serviço do Opus Dei. Mas, em 2001, a população de Buenos Aires se revoltou pacificamente. Quando 29 pessoas foram assassinadas pela polícia durante as passeatas, De La Rua fugiu, mas o país passou meses de instabilidade até a vitória de Néstor Kirchner. A partir desse momento, foi recomeçada a procura por justiça, e as infames leis do governo Alfonsín foram consideradas inexistentes.

O Ovo da Cobra

Toda a América Hispânica foi colonizada por espanhóis que em 1492 constituíram a monarquia dos Reis Católicos. A Espanha foi o único país que teve uma Inquisição própria, foi a sociedade mais repressora da história, e a mais mística e racista de Ocidente. Esses traços se mantiveram em vigência até 1975, e só lentamente se foram atenuando.

As colônias receberam de legado a cultura sanguinária, militarista, carola e etnofóbica da metrópole, mas, como se isto fosse pouco, incrementadas. Com efeito: os colonizadores eram criminosos violentos, estupradores, torturadores, traficantes de escravos, todos eles protegidos pelo imenso poder das congregações religiosas. Entretanto, na maioria dos povos das Américas, os espanhóis encontraram grande resistência dos índios que, apesar dos massacres de indescritível crueldade,  formavam populações de tal tamanho que seu aniquilamento se tornava impossível… ou quase

Não foi impossível na Argentina. Aí, as nações autóctones foram aniquiladas de tal maneira que, hoje, os descendentes de índios ou mestiços são aproximadamente 0,8 % da população total. Os afro-argentinos, que ultrapassavam os brancos em 1850, foram enviados a operações suicidas na Guerra do Paraguai e, nas décadas seguintes, “empilhados” em bairros pobres açoitados pela febre amarela. Eles simplesmente desapareceram.

Em 1992, Carlos Menem foi muito criticado na Europa quando, numa conferência bicontinental, proclamou que “A Argentina pode orgulhar-se de ser um país sem negros”. Antes disso, em 1981, a junta genocida manifestou oficialmente que a Argentina era  “o país mais branco do mundo”, e propôs ao Brasil e à África do Sul a formação da Organização do Pacto do Atlântico Sul (OTAS), uma paródia da OTAN, para consolidar “o domínio branco e cristão na região”. O Brasil não aceitou.

Argentina é o último país do planeta que ainda não conseguiu anular o concordato que unifica Estado e Igreja, apesar dos esforços dos últimos dois governos.

O primeiro golpe nazista argentino foi em setembro de 1930, dirigido pelo general Uriburu, mas não conseguiu consolidar um equivalente do Terceiro Reich, como pretendia. O Segundo Golpe militar também de natureza fascista foi em junho de 1942, e o 3º, de estilo misto fascista-conservador, em 1955.

A 4ª ditadura, instalada em 1962, com um civil como presidente marionete, foi tão cruenta que durante vários meses houve falta de luz elétrica em alguns bairros, produzida pelo gasto de energia das máquinas de tortura. A 5ª. ditadura, em 1966, foi liderada pelo General Ongania, que ficou famoso por proferir seus discursos… de joelhos!, como homenagem à padroeira do país.

Mas, a 6ª. ditadura, cujo caminho tinha sido preparado pelo governo mafioso da viúva de Perón (assessorado e treinado por policiais e terroristas italianos, entre eles, o famoso Stefano Delle Chiaie), tinha um plano especial: voltar aos valores e à estrutura da sociedade teocrática hispânica. Este projeto parece delirante, mas é similar ao de Hitler.

Como o Führer, os militares argentinos queriam recuperar todas as terras que, segundo eles, teriam sido argentinas. As ameaças contra Chile em 1978 não terminaram em Guerra, porque o Papa João Paulo II, para quem a ditadura de Pinochet e a argentina eram “filhas de seu coração”, fez um acordo para evita-la. Mas ele não interveio em 1982, quando Argentina invadiu as Ilhas Falkland/Malvinas, pois, afinal, Inglaterra era um país protestante. A derrota militar nessa guerra foi um fenômeno único, cuja história ainda não tem sido escrita com neutralidade.

Salvo os militantes de Direitos Humanos (e não todos eles), o resto do país apoiou a bravata militar. Um fato que comoveu todo Ocidente, e despertou alarma até em governos conservadores, foi que os militares queriam reviver a época de conquistas (ou reconquistas) territoriais, ainda após a experiência do nazismo.

Produzida a derrota, a mesma turba que ovacionou os militares, manifestou todo seu ressentimento contra eles, que deveram, lentamente, deixar o governo. Os políticos, em mais de um 95%, apoiaram a aventura militar e, antes dela, tinham sido cúmplices dos crimes da ditadura, tentando negociar um pedaço da torta que os militares comiam sozinhos junto com os padres e os civis mais íntimos, deixando os partidos políticos (todos eles de direita ou centro direita, incluindo nesta qualificação o PCA) a ver navios.

Mas, os políticos não clandestinos (Peronistas, Radicales, Democrata Cristãos, Conservadores e afins), não queriam beneficiar os amigos e defensores das mais de 30 mil vítimas da ditadura. Por tanto, os políticos não pressionaram. Limitaram-se a negociar com os militares os termos da transferência de poder.

E a Prisão Perpétua?

Os crimes contra a humanidade são especiais: não são políticos, como os delitos que se cometem durante a resistência contra a opressão, mas tampouco são comuns, como assalto, latrocínio ou assassinatos não organizados. O problema é que os especialistas em direito ainda se guiam pelas Pandectas.

Desde Nuremberg, os crimes contra a humanidade são considerados uma categoria especial, que merece critérios especiais para seu julgamento. O direito de defesa, a aplicação de normas claras, e as condenações humanitárias e não vingativas devem ser iguais para quaisquer crimes, inclusos os crimes contra a humanidade, pois estes são princípios do direito natural que, como disse no século 2º o jurista Ulpiano “valem para os homens e para todos os seres vivos”.

Mas os crimes contra a Humanidade não prescrevem, e isso ficou demonstrado no julgamento de ontem na Argentina, acontecido 35 anos após os fatos. O direito humanitário é contrário à prisão perpétua, e erradica-la é fundamental, mas a condenação a prisão perpétua de autores de crimes contra a humanidade não é, como torpemente pretendem os bajuladores das casernas, um ato de vingança.

Por um lado, na Argentina existe prisão perpétua, e até que esta bárbara punição seja abolida, se ela for aplicada a outros crimes (como de fato acontece) e não a crimes contra a Humanidade, ficaria o sentimento de que existem criminosos que são piores que os genocidas militares. Criar essa mentira seria confundir a opinião pública. Deve-se lutar contra a prisão perpétua em geral, mas não pode argumentar-se que, existindo a prisão perpétua, os militares merecem uma pena menor.

Por outro lado, sabemos que esses homens tem uma probabilidade quase zero de se recuperar, pois, nos 26 anos de investigação sobre o caso Argentina, nunca se viu algum militar e policial que estivesse arrependido das torturas e assassinatos cometidos.

Vários deles, em julgamentos anteriores, choraram no tribunal, mas não por motivos nobres. Um velho general, que se movimentava em cadeira de rodas, olhou os juízes e a audiência e disse:

Eu me arrependo… de não ter podido matar mais, de não ter matado todos vocês. Em vez de 30 mil deveriam ter sido 3 milhões…

 

 

ITALIA: LIVRO RECENTE REVELA PRATICA DA TORTURA

 

Itália: Livro Recente Revela Prática da Tortura

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Tortura e Coação nas Últimas Décadas

Durante a repressão da esquerda dos anos 30 na Itália ( Anos de Chumbo), foi constatado por numerosas organizações e pessoas individuais a aplicação sistemática de tortura contra membros de grupos alternativos, mesmo pacíficos, e ainda contra grupos de luta assimétrica, como as Brigadas Vermelhas.

Já em 1977, Anistia Internacional tinha comprovado a prática de tortura contra 13 militantes dos PAC, um dos quais, Sisinnio Bitti, aparece relatado em seu calvário no excelente livro da época de Laura Rinaldi: Processo all’ Instruttoria. Posteriormente, AI descobriu muitos outros abusos e torturas, não apenas contra “guerrilheiros”, mas contra cidadãos pacifistas, especialmente os membros da seita bíblica Testemunhas de Jeová.

Em 1981, ano de seu 20º aniversário, AI recebeu um pesado presente de seus chefes em Londres: fazer a primeira investigação sobre a tortura num país Europeu. A investigação incluiu o maior team que jamais AI tinha preparado.

Nos anos seguintes, novos livros foram publicados, e centenas de denúncias foram lançadas, numa amostra de coragem singular, pelas próprias organizações italianas de Direitos Humanos. A organização Antígone, que defende os direitos humanos de pessoas sob a custódia do estado (e cujo depoimento dirigido ao Presidente Lula foi absolutamente essencial para que este recusasse a extradição de Cesare Battisti), estudou os casos de tortura física e psicológica, o abandono médico e a indução ao suicídio nas prisões.

A extensão e brutalidade das torturas fizeram com que até o complacente poder judiciário italiano aceitasse algumas denúncias dos prisioneiros, porém, várias delas foram em seguida arquivadas por juízes mais graduados. O juiz instrutor Giuliano Turone, que nestes dias tornou-se popular com um livro contra Cesare Battisti, foi responsável do arquivamento dos processos de tortura contra os PAC.

Em fim, essas torturas hoje não são um mistério para ninguém. Entretanto, não se tinha ainda um documento baseado em depoimento dos próprios atores. Apesar dos anos passados, o clima de omertà (silêncio cúmplice) se manteve rigorosamente na Itália, enquanto em outros países agentes do estado envolvidos em tortura acabaram, por diversas razões, contando os crimes que tinham conhecido. Apesar desse longo silencio, num novo livro publicado em 2011, se usam os testemunhos de dois atores diferentes: o líder combatente Antonio Savasta, um membro das Brigadas Vermelhas, e o delegado Rino Genova, um dos líderes do principal grupo de tortura.

“Golpe ao Coração” e sua Resenha

Nicola Rao é jornalista e escritor, nascido em Latina em 1962, autor de vários artigos e livros sobre política, cujas simpatias pessoais são consideradas como claramente de direita. Parece pertencer a uma direita moderada que não demoniza os inimigos de esquerda e, portanto, sua obra sobre a luta assimétrica não pode ser considerada parcial. De qualquer maneira, se fosse parcial, não seria, com certeza, em favor da esquerda. Isto dá a sua pesquisa um caráter que não se pode contestar aduzindo, como sempre, desvio ideológico do autor.

O livro reconstrói os últimos meses de existência das Brigadas Vermelhas, após o sequestro de um militar americano, James Dozier, num período em que as forças públicas italianas usam pesadamente a tortura como único meio para encontrar o esconderijo dos sequestradores, entre maio de 1981 e outubro de 1982.

Colpo al Cuore foi editada pela casa Sperling & Kupfer, que pertence ao grupo editor de Silvio Berlusconi, e apareceu no começo de  outubro de 2011, tem 208 pp., e IBSN 978882005126.

Logo de aparecer, o livro foi resenhado por vários jornais e magazines, mas temos escolhido para apresentar ao leitor a resenha escrita por Aldo Cazzullo, colunista do prestigioso jornal Corriere della Sera, que tampouco pode ser qualificado de simpatizante da luta armada.

Em síntese: Um livro escritor por autor de direita, resenhado por um jornal de centro, reproduz as confissões de um guerrilheiro e de um policial, nas quais se reconhece o uso sistemático da tortura na democracia italiana!

Aos alcoviteiros da máfia peninsular sempre ficará um recurso: ambos, autor e resenhistas mentem, como, segundo eles, mentia Anistia Internacional, Antígone, HR Watch, a Comissão de DH da ONU, a Corte Europeia, Oxfam, e todo o mundo que não simpatiza com o fascismo-stalinismo.

Alguns Conceitos Prévios

Para os pouco familiarizados com os crimes de estado nos anos de Chumbo, muitas das menções que aparecem nesta resenha do Corriere podem não ser inteligíveis. Vou esclarecendo alguns conceitos na lista que segue, exatamente na ordem de aparição do texto do jornal.

Os grifos são do próprio jornal.

Em geral, as Brigadas Vermelhas serão indicadas pelas iniciais BR e não “BV” por causa do nome em italiano “Brigate Rosse”.  A sigla BR é mais conhecida inclusive por leitores de outras línguas.

Antonio SAVASTA ¾ Foi o líder da seção do Veneto das BR e um dos organizadores do sequestro do militar americano DOZIER. Transformado em delator, após ferozes torturas, descreveu a organização interna e as conexões externas das BR. Entretanto, nunca tinha falado sobre as torturas, por medo a ser executado. Mas, neste livro de RAO, pela primeira vez, ele revela a existência de tormentos.

James DOZIER ¾ James Lee Dozier (nascido em 1931) era vicecomandante da aliança Atlântica, o organismo intercontinental que incubou o famigerado plano megaterrorista Operação Gladio, cujo objetivo na Itália era produzir megamassacres (com até 85 mortos), para colocar a culpa na esquerda. Dozier foi sequestrado pelas BR em dezembro de 1981. Esta foi a primeira vez na história americana que um militar de alto rango era capturado por um grupo de resistência anti-imperialista. Tanto italianos como americanos ficaram desesperados pelo que parecia uma amostra de capacidade de luta contra a suposta invencibilidade ianque-neofascista. Portanto, os americanos exigiram, e os italianos realizaram, a maior campanha de torturas já vista em algum país Europeu após a Segunda Guerra.

NOCS ¾ Acrônimo de Nucleo Operativo Centrale di Sicurezza, uma esquadra de choque, tortura e extermínio pertencente ao escritório de Anti-Terrorismo do departamento da Polizia di Stato.

Caso Di Lenardo ¾ Cesare Di Lenardo foi membro das BR que participou no sequestro do militar americano. Di Lenardo foi barbaramente torturado no pior estilo das ditaduras latino-americanas, o que contribuiu ao desprestígio dos NOCS.

Céltica ¾ De croce céltica (cruz céltica). Cruz utilizada por algumas seitas cristãs primitivas, e depois adoptada pelo fascismo e, especialmente, por grupos neofascistas após a segunda Guerra para enfatizar sua fraternidade e afinidades com o cristianismo.

Esquadrão Móvel ¾ Esquadrão de ataque da Polícia de estado que se movimenta em viaturas. Foi usado durante os Anos de Chumbo quase exclusivamente contra os movimentos de esquerda.

NAR ¾ Núcleos Armados Revolucionários, organização neofascista com perfil quase exclusivamente terrorista, que atou em vários megaatentados (como o da estação de Bolonha, que matou 85 pessoas e feriu mais de 200). Giorgio Vale foi um dos fundadores e chefes dessa organização. Apesar de que os atentados megaterroristas foram planejados pela OTAN junto com os governos italianos e o neofascismo, o atentado de Bolonha (que aconteceu em dezembro de 1980) cobrou uma quantidade inusitada de vítimas, e recebeu críticas de alguns setores fascistas que tinham perdido parentes no atentado. Além disso, os verdadeiros executores se supõem que foram altos quadros fascistas, que foram “cobertos” com a acusação de outros menores, como Mambro e Fioravanti, que atuaram como “laranjas”. O livro de RAO não se detém sobre isto, mas várias fontes acham que Giorgio Vale foi morto pela polícia como queima de arquivo, aproveitando o massacre contra a esquerda, o que, de passagem, criava um clima de confusão.

Salvatore Genova ¾ Chefe policial que capturou Savasta.

Giovanni Senzani ¾ Um dos líderes das BR, nascido em 1942.

Coronel Varisco ¾ Coronel dos Carabinieri (Polícia Militar) na época do sequestro de Dozier.

Engenheiro Giuseppe Taliercio ¾ Diretor do oligopólio MONTEDISON, executado pelas BR com o argumento de que seria, como muitos outros altos executivos na Itália e também nas ditaduras latino-americanas, financiador da repressão e das torturas. Não conheço provas desta acusação no caso particular de Taliercio.

Asinara ¾ Ilha sarda onde existia um presídio.

Bad’ e Carros ¾ Nome de um presídio na província de Nuoro (Núgoro) na Sardegna. O nome significa, em sardo, “passagem (vau) das carroças”.

Barbagia ¾ Região montanhosa da Sardegna central.

Potere Operaio ¾ Movimento de esquerda alternativo, que floresceu na década de 70, que procurava difundir a cultura mais avançada na classe operaria e se diferenciava dos grupos militaristas, como BR, e dos burocráticos, como o PCI

MSI ¾ Movimento Social Italiano. Nome que adoptou o Partido Nacional Fascista em 1947, após a Constituição proibir (art. trans. 12º) partidos que tiveram o nome ou o símbolo do fascismo. O MSI gerou numerosos grupos fascistas com diversas estratégias.

Mario Zicchieri ¾ Adolescente membro do MSI, morto em 1975 pelas BR em Prenestino, bairro de Roma.

Morucci, Maccari, Seghetti ¾ Militantes das BR, alguns deles tendo passado depois a uma fração armada de Potere Operaio.  

Autonomos ¾ Nome genérico dado à esquerda alternativa, que incluía Lotta Continua, Potere Operaio, Autonomia Operaia e outros grupos.

Ano 1977 romano ¾ Foi um ano de grandes revoltas sociais em Roma, e de apogeu dos movimentos sociais e culturais da esquerda. Também foi o ano em que PCI assumiu explicitamente a repressão em aliança com a direita.

 

 

 

 

A Resenha do Corriere della Sera

CORRIERE DELLA SERA

10 outubro 2011 – Pagina 27

Os últimos 500 dias do grupo de terroristas contado em “Golpe ao Coração” de Rao. Fala o delator Savasta: “Dozier estava para ser morto”

Aquele Esquadrão Especial contra os Brigadistas

Os chamavam os “Quatro da Ave Maria”. As Revelações de um ex policial.

Na Itália de há 30 anos, na culminação do terrorismo e, ao mesmo tempo, no começo de seu final, um esquadrão de torturadores se movia entre os cárceres. Não os agentes do NOCS, acabados pelo processo do caso Di Lenardo; um esquadrão de profissionais especializado em extrair indicações e confissões. Eles foram os que capturaram Antonio Savasta. Os que encontraram o escondereijo de Dozier. Os que desmantelaram a colônia napolitana. E os que aplicaram aos BR aquele “golpe ao coração” que no decorrer de poucos meses decretou seu final.

Intitula-se exatamente Golpe ao Coração: dos arrependidos aos “métodos especiais”, como o Estado matou as BR. A história nunca contada o ensaio-pesquisa de Nicola Rao que amanhã Sperling & Kupfer entrega nas livrarias. Pela primeira vez, Savasta fala. Também fala o comissário Genova, que o capturou, e fala o misterioso funcionário do UCIGOS (l’ Ufficio centrale per le investigazioni generali e per le operazioni SpecialiO escritório para as investigações gerais e para as operações especiais, um organismo da polícia do Estado que foi operativo dos Anos de Chumbo), indicado pelos seus colegas com o significativo nome de “professor De Tormentis” – que contribuiu de maneira determinante a destruir as BR, praticando um estilo de waterboarding, a tortura do sufocamento com água.

Na estória que a gíria da época batizou com o nome de filme B, o esquadrão era chamado de Os Quatro da Ave Maria, que nos desloca a uma época dramática de nosso passado recente, que o autor indaga com o mesmo método que seu livro de sucesso, dedicado, inversamente, à extrema direita, A Chama e a Céltica. Constituída logo após a morte de Moro, o esquadrão do UCIGOS era composto de ex oficiais do Esquadrão Móvel de Nápoles, que tinham conhecido o “professor De Tormentis”, quando estava na liderança daquele escritório, entre o fim dos anos 60 e o início dos 70. O grupo de ação, mantido durante alguns anos em descanso, foi retornado à atividade quando se fez mais violento o ataque das BR, com o sequestro do General Dozier, e as pressões de Washington sobre a Itália.

Graças aos métodos especiais daquele esquadrão, no desenrolar de poucas semanas foram desmanteladas as duas almas das BR. Preso Senzani, chefe do “Partido Guerrilha”, individualizado e liberado Dozier, prisioneiro do “Partido comunista combatente” (PCC).

Savasta decide falar e destruir, com suas revelações, o PCC, fazendo prender dezenas de “rivais”. Os “métodos especiais” são logo introduzidos também em Nápoles, na primavera-verão de 1982, para capturar os sobreviventes da última coluna BR ainda em atividade. Sempre com estes “tratamentos”, a polícia chega à guarida romana onde se encontra o terrorista dos NAR, o Giorgio Vale, que morre durante o tiroteio com os agentes. O delegado Genova (junto com outros funcionários) explica ter assistido pessoalmente, durante a investigação do sequestro Dozier, a dois “tratamentos” em Verona – o segundo consente em arrancar a indicação da guarida onde está recluído o general americano – e outro tratamento a Nápoles. O “professor De Tormentis” confirma, e conta de ter-se ocupado também de Enrico Triaca, o tipógrafo das BR preso após a morte de Moro, e de dois brigadistas que lhe indicaram onde estava escondido Senzani. Logo está o testemunho di Savasta.

Algumas páginas são, às vezes, terríveis. O arrependido conta como matou o coronel Varisco. E como participou de outras ações: o sequestro e o assassinato do engenheiro Taliercio; a viagem até a Sardenha para liberar o núcleo histórico das BR detido em Asinara e na Bad’ e Carros, com a cumplicidade de bandidos-pastores, a travessia noturna na Barbagia, o tiroteio com os carabineiros e com a polícia.

Com revelações inéditas sobre o sequestro de Dozier, começando pela reação do general no momento da captura, quando com socos e cabeçadas estava neutralizando os dois brigadistas que tinham entrado na casa, e só ficou quieto quando viu Savasta apontar a pistola à cabeça da esposa. Nem sequer a blitz dos NOCS aconteceu na realidade como foi contado: os brigadistas perceberam a chegada dos agentes; um deles, como prevê o protocolo das BR, mira com a pistola a têmpora do refém; depois se produz um átimo de dúvida, não há coragem para ir bem até o fundo, e os homens da divisão especial se arriscam a liberar o general; mas a operação, que passou à história como um exemplo de ação fulminante, esteve perto de transformar-se em derrota.

Savasta conta também as origens do terrorismo. E indica num grupo “proto-brigadista” do ex Potere Operaio, os responsáveis pela morte do jovem militante do MSI Mario Zicchieri em Prenestino. Já Savasta tinha acusado Morucci, Maccari e Seghetti, que tinham sido absolvidos.

Todavia, fornece novos detalhes. Por exemplo, conta que, na tarde do homicídio de Zicchieri, Seghetti ordenou a ele e a outro companheiro ficar na casa e sintonizar a rádio frequência da polícia para verificar as posições e comunicações das forças da ordem. E acrescenta, sem dar o nome, que um dos componentes do grupo armado era um companheiro morto logo depois num acidente de trânsito.

Da discussão interna da coluna romana sobre o perigo representado pelos fascistas da seção Acca Larenzia, de Tuscolano e de Cinecittà, surge o assalto ao comitê do MSI que acabou em tragédia. Savasta conta sobre as armas distribuídas pelas BR aos Autonomos durante as manifestações do ano 1977 romano. E sobre a investigação que conduz sobre Aldo Moro, que inicialmente devia ser morto ao interior da universidade, como depois teria acontecido a Bachelet.

E ainda: o dia-a-dia ao interior da organização, os medos dos brigadistas, o terror das mulheres de serem torturadas e estupradas, as traições, os amores, as antipatias. E sua relação conflitiva com seu pai: um agente de polícia.

Aldo Cazzullo

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CASO SUDER-GAUGER: CHRISTIAN FOI LIBERADO

 

Caso Suder-Gauger: Christian foi Liberado

 

No dia 20 de outubro, o juiz da comarca de Frankfurt decidiu a soltura de Christian Gauger, que foi acompanhado por seu advogado na saída da prisão.

Esta foi uma grande notícia para todos os setores progressistas e antifascistas da Europa, mas deve ter-se em conta  que Sonja Suder continua detida e agora é necessário lutar pela liberdade dela.

Os ativistas que estamos aqui, na América do Sul, agradecemos aos amigos que contribuíram com seus protestos a ajudar nossos irmãos europeus na luta contra a barbárie fascista, neoliberal e stalinista.

Pedimos a todos que continuem se manifestando até liberar Sonja Suder, e que contribuam com sua luta solidária a conter o agressivo fascismo europeu e sua sede de sangue, especialmente na Itália, na Espanha e na Alemanha. Nestes países, que durante a guerra e depois dela estiveram dominados pelo fascismo, fica ainda, com intensidade e violência diversas, a perseguição contra todos aqueles que, nos anos 70, lutaram contra a continuidade do nazifascismo, contra o sistema prisional e repressivo e o militarismo.

A cooperação no nível de protesto internacional é eficaz, já que, fora da Itália, os países da União Europeia, mesmo aqueles cujos governos são pró-fascistas, respeitam em alguma medida o direito natural.

Nossos povos, do Cone Sul das Américas, passaram por experiências iguais ou até piores. Temos, portanto, obrigação moral de entender os amigos europeus e de ajuda-los.

Fraternalmente

Carlos a. Lungarzo

VIDE: www.stopextraditions.org

AMBIENTALISTA DENUNCIA RACISMO E É AMEAÇADA POR EX NAZISTAS

 

Ambientalista Denuncia Racismo e é Ameaçada por Ex-Nazistas

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Agradeceremos dar a este comunicado a máxima difusão, e aos nossos contatos no exterior, traduzir às suas respectivas línguas se for possível.

Se vocês ficarem ombro com ombro

Eles vos matarão.

Mas, Vocês devem ficar ombro com ombro!

Se vocês lutarem

Os tanques vos esmagarão.

Mas, vocês devem lutar!

Essa luta será perdida

E quiçá a seguinte também o será

Mas a luta vos ensina

E vocês ficam sabendo

Que, se não for à força, não dá

E também não dá se a força for dos outros.

Bertold Brecht: Die heilige Johanna der Schlachthöfe (Santa Joanna dos matadouros, obra de teatro escrita em 1929 contra a repressão dos operários da carne.)

A ambientalista Monica Lima está sendo ameaçada por ter denunciado empresas que são fortemente suspeitas de envenenar gravemente o meio ambiente no estado do Rio de Janeiro, denuncias que foram apoiadas por especialistas brasileiros, universidades, ONGs ecológicas e de direitos humanos, partidos políticos, membros de alguns poderes públicos, e especialistas de outros países, incluindo da Alemanha onde estas empresas têm sua matriz.

Na impossibilidade de calar todos os que protestam ou de exercer censura direta, como os ancestrais destas empresas fizeram entre 1930 e 1945 em seus locais de origem, recorrem ao poder judiciário, que não se furta de ajudar aos grandes capitais. Afinal, o que sobrará do país após a devastação empresarial incluirá os paladinos dos autores. Para praticar esta forma de censura indireta, a 34ª vara cível da cidade do RJ abriu o processo

# 0367407-59.2011.8.19.0001

ajuizado pelos demandantes. Estes requerem indenização por danos morais.

Não sabemos qual é a formação exata do juiz que aceitou esta descabida demanda, mas devemos ter em conta que existe uma figura jurídica chamada “crime impossível”. Ninguém pode cometer um delito contra uma vítima inexistente: por exemplo, ninguém pode ser acusado de matar o rei da França. Da mesma maneira, não pode prejudicar-se uma moral inexistente.

O Contexto dos Fatos

Mônica Cristina Brandão Dos Santos Lima é uma bióloga do Rio de Janeiro, comprometida com problemas ambientais, que tem denunciado, junto com outros ativistas, ONGs e movimentos sociais, o papel nocivo para o médio ambiente das grandes empresas, que, movidas pelo lucro desorbitado e, em boa parte, por um forte sentimento de racismo contra os povoadores pobres de certas regiões do país, empreendem um genocídio químico-biológico, ao despejar no ambiente milhões de toneladas de produtos tóxicos. Esta política de genocídio ambiental foi impulsada já no fim da Segunda Guerra Mundial pelos países da OTAN, que entenderam que seria vantajoso tratar os países pobres como latas de lixo, nas quais poder instalar fábricas poluidoras que não poderiam funcionar nas matrizes de origem.

O problema pelo qual Monica está sendo atacada através do judiciário é ter denunciado, como milhares de outras pessoas e organizações, o estrago causado pela fábrica de aço montada pelo grupo Thyssen/Krupp + Companha Siderúrgica do Atlântico (CAS), conhecido pelo acrônimo TKCSA, no bairro Santa Cruz do Rio de Janeiro.

Uma boa descrição da situação geral do conflito entre este truste e a população da cidade, pode ser lida em muitos locais, especialmente num relato do Partido Socialismo e Liberdade, aqui.

Em Santa Cruz, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, fica o empreendimento da TKCSA, cujo capital predominante é do grupo Thyssenkrupp, do qual falarei na próxima seção. Uma participação minoritária tem a Vale do Rio Doce, a que fora Siderúrgica Nacional, privatizada em 1997 na fase de arremate do patrimônio brasileiro.

O projeto inicial da CSA inclui dos altos fornos de alta capacidade para produzir aço de exportação, mas o negócio parece ser tão lucrativo que a empresa anunciou já a duplicação do projeto original.

Durante a década passada, acompanhando a construção da planta, foram feitas denúncias gravíssimas em, pelo menos, os seguintes casos:

  • Agressão ao meio ambiente.
  • Violação de normas de licenciamento
  • Importação clandestina de trabalhadores chineses.
  • Ameaças a 8 mil pescadores, que perderam seu trabalho por causa da contaminação das águas durante a construção de um porto particular. Alguns deles foram procurados para serem “apagados” e atualmente se encontram sob a proteção judicial. Um número não revelado deles foi vítima de atentados dos quais parece que sobreviveram.
  • Construção de um porto e uma usina hidroelétrica privada, o que está em selvagem contradição com a Constituição Federal sobre a propriedade do estado das águas e das fontes de energia. Aqui não se trata de privatização da geração de energia, mas da própria fonte.

Este é provavelmente o mais iníquo projeto de capitalismo selvagem já montado no Brasil, incluindo na comparação até as empresas beneficiadas pela ditadura de 1964-1985. Por exemplo, o contrabando de trabalhadores chineses, que são vítimas, em grande parte do mundo, de submissão ao trabalho escravo, mostra que até a infame teoria de que os piores atos de vandalismo seriam lícitos para criar empregos é falsamente aplicada neste caso. Os trabalhadores estrangeiros são contrabandeados, porque nesses postos no são contratados trabalhadores brasileiros ou residentes no país.

Ainda antes da entrada em operação da companhia, foi avertido que ela seria responsável pela elevação em 76% da emissão de gás carbônico na cidade e seu entorno. Isto é muito mais brutal que qualquer outro caso nas Américas, e provavelmente só comparável ao que acontece em empresas chinesas.

Na terceira semana de junho, o complexo começou a funcionar em forma de teste, ligando apenas um alto-forno. Isto, porém, foi suficiente para inundar o ambiente com resíduos metálicos que afetaram a respiração de parte da população. Veja um vídeo onde uma moradora comenta detalhadamente o fato, aqui.

Apesar das respostas sarcásticas dos executivos da empresa, e das tentativas de intimidação contra os populares, os protestos continuaram (vide), mas, junto com eles, foi aumentando densamente a contaminação ambiental.

Entrevista pela Internet

Monica Lima é uma das figuras líderes dos protestos e tem atuado em inumeráveis programas, entrevistas e apresentações sobre este dramático caso. Vou reproduzir agora apenas uns fragmentos significativos publicados pelo site Portogente (vide). Todos os grifos são meus.

PORTOGENTE – Como a CSA está prejudicando o meio ambiente e a saúde dos moradores?

Monica Lima – A área antes era massa densa e manguezal, área de proteção ambiental. Estava sendo ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e a licença não foi concedida. Mas para a CSA os critérios foram diferentes. Quanto à saúde, há alergias dermatológicas, respiratórias e oftalmológicas, sangramento no nariz, feridas na pele, falta de ar, asma, renites. Há o comprometimento psíquico e psicológico devido ao estresse, ruídos, insegurança e instabilidade, o que provoca má qualidade de vida. Em longo prazo, devido à poluição com particulados e gases tóxicos também, podem ocorrer câncer e aborto espontâneo. É UM VERDADEIRO RACISMO AMBIENTAL. [Grifo meu]

PORTOGENTE A siderúrgica argumenta que o pó emitido por ela é apenas grafite e não prejudica a saúde.

A literatura de siderúrgicas evidencia que metais como zinco e alguns outros, causadores de câncer, são eliminados junto ao grafite. A Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) está coletando amostras para avaliar esse material, assim como um dossiê está sendo preparado para denunciar os danos à saúde, ao meio ambiente e a questão cultural-ideológica. Mesmo que fosse só grafite, não é normal as pessoas viverem respirando grafite, e não estamos quantificando isso, o quanto está sendo respirado não está sendo avaliado. E o próprio grafite, dependendo do tamanho da partícula, também pode causar câncer.

PORTOGENTE – A CSA é resultado da parceria entre o grupo alemão THYSSENKRUPP e a brasileira Vale. O que está sendo feito para denunciar a siderúrgica também no exterior?

Temos denunciado ao Parlamento alemão e aos acionistas da Vale, e isso tem dado bastante resultado. Há uma deputada, Grabiele Zimmer, da esquerda alemã, que tem nos ajudado muito nas denúncias em instituições na Europa. Não podemos esquecer que há também a poluição sonora e de pó de minério do trem da Vale.

 

Observe que Monica Lima usa o termo “racismo” muito propriamente, para se referir à discriminação contra diversos povos (neste caso, contra a classe popular brasileira), que são usados como habitantes indesejáveis do depósito de lixo em que a empresa transforma os bairros pobres da cidade. De fato, a ambientalista não faz a comparação com o genocídio nazista, talvez por gentileza, mas essa comparação é perfeita, como vou mostrar em seguida.

Quem é a ThyssenKrupp

A família Krupp faz parte de uma antiga dinastia da região de Essen, na atual República Alemã, dedicada desde o século 17 a mais suja de todas as atividades humanas, sejam individuais ou empresariais: a fabricação de armas. Amassaram uma fortuna incalculável ajudando nas muitíssimas guerras, invasões, depredações e sabotagens contra outros países deflagradas pelo Império Germânico, para pesadelo de países vizinhos que suportaram as agressões da mais violenta força militar da história.

Durante o nazismo, a fábrica Krupp fabricou tanques Panzer, submarinos U-Boat, armas e munição de todos os estilos, e até o enorme cruzeiro Prinz Eugen. A mente doentia dos Krupp os levou a fabricar enormes canhões que se moviam sobre ferrovias, cujo uso foi quase impossível porque a enorme energia do disparo, que lançava projéteis de várias toneladas criava uma perigosa força de recuo, que punha em perigo os próprios atiradores.

Durante a ocupação de países vítimas do nazismo, os Krupp se beneficiaram do trabalho escravo e recrutaram milhares de operários que eram obrigados a trabalhar até a morte. O conhecido Adolf Hitler, de cuja qualidade humana não há muita dúvida, num discurso a juventude alemã fez o seguinte elogio:

O jovem alemão do futuro deve ser esguio e esbelto, tão veloz como um galgo, tão rude como o couro, e tão forte como o aço Krupp [Tradução e grifo final meus]

Veja-se uma relação breve sobre estes fatos aqui e no livro The Arms of Krupp. Os trabalhadores escravos recrutados pelos Krupp eram, segundo os cálculos mais moderados, mas de 100 mil, dos quais 23 mil eram prisioneiros de guerra e os outros (pelo menos 80 mil) cidadãos escravizados dos países ocupados. (Vide)

Alfred Krupp, o líder da família durante a 2ª. Guerra Mundial foi o décimo indiciado durante os chamados Julgamentos Subsequentes de Nuremberg, ou seja, os 12 julgamentos que tiveram lugar nessa cidade logo após dos Julgamentos Principais, em que foram condenados (e, em vários casos, enforcados) os chefes políticos e militares. Os julgamentos subsequentes foram conduzidos exclusivamente pelas forças americanas, e não por um tribunal misto que incluísse os representantes dos outros governos aliados (Grã Bretanha, França e a URSS). Hoje em dia, ninguém acredita seriamente que os EEUU ignoravam a enorme responsabilidade dos criminosos empresariais, mas voltaram todo seu esforço apenas sobre os criminosos militares e políticos, que eram os mais visíveis e odiados. Entretanto, é fácil imaginar que Hitler poderia ter produzido um dano quase tão enorme como o que ele fez, mesmo sem ter como oficiais todos os que foram executados em Nuremberg.

Ora, Alemanha nem poderia ter começado a guerra, se não tivesse Alfred Krupp.

Em 31 de julho de 1948, a Corte de Nuremberg condenou Alfred Krupp, que era um dos 12 indiciados (os outros 11 eram seus principais cúmplices). Apesar da pressão internacional e dos outros aliados pela execução do sinistro fabricante, o tribunal americano o condenou a “vender suas possessões” (!). O objetivo dos EEUU era tonar os nazistas da Alemanha, como de fato aconteceu, seus grandes aliados contra o comunismo. Os efeitos desta aliança, como todos sabem, foram mais visíveis na Itália, pois Alemanha sempre esteve fortemente vigiada pela URSS e outros países que, como Israel, tinham sofrido enorme quantidade de vítimas.

A fortuna dos Krupp que cresceu numa proporção não apurada durante o regime nazista, continuou crescendo durante a democracia.

Friedrich Thyssen (1873-1951) pertence a uma dinastia menos ilustre e mais curta, e bastante menos rica, mas ainda assim poderosa. O poder econômico da família se tornou importante como fator político por volta de 1850. Thyssen foi menos relevante que Krupp para o nazismo, pois seu fábrica de aço era apenas a segunda e mantinha grande distância com a primeira. Mas, em compensação, foi um ativo militante do partido Nazi e um generoso doador de uma verdadeira fortuna para os exércitos nazistas. Ele teve a má idéia de discutir com o ditador, e foi enviado a um campo de concentração. Não se sabe se fez autocrítica de sua relação com o nazismo, mas, finalmente se exilou em Buenos Aires, em 1951. Antes disso, ele também foi julgado em Nuremberg, pois foi um membro distinto do partido nazista e usou mão de obra escrava judia em sua fábrica. Mas ele não foi condenado a prisão; em sua defesa, ele disse que os únicos trabalhadores que teve em seu poder eram judeus. Em 1950 foi condenado a pagar uma multa e liberado.

Em 1999, a velha afinidade entre as duas famílias, foi selada por meio da fusão das duas redes industriais, formando a Thyssen Krupp. Esta é a TKCAS que transformou numa enorme câmara de gás o bairro de Santa Cruz, uma espécie de Auschwitz a céu aberto.

Entre as reações contra o genocídio legal de Santa Cruz, foi convocada uma audiência pública na Assembleia do Rio de Janeiro (vide), numerosas passeatas e atos públicos, e pedidos de colaboração a outros países. Na própria Alemanha, os representantes da empresa Thyssen foram sabatinados no Parlamento (vide).

Brasil é o único país Latino-Americano que se comprometeu durante a 2ª Guerra Mundial na luta contra o nazismo e o fascismo, e também é uma das nações não europeias cujos habitantes possuem o mais baixo uso de armas. É uma ofensa a esses atributos pacíficos do Brasil que se ceda território brasileiro e se entregue sua população a um novo holocausto justamente nas mãos dos maiores contribuintes à catástrofe da Humanidade na década de 30 e 40.

Ação Jurídica e Resposta

Não tenho ainda os termos exatos da demanda contra Monica Lima, pois tomei conhecimento do fato no dia de hoje e, pelo que eu entendi, o processo ainda não tinha sido entregue. Sabe-se que é uma ação pelos assim chamados “danos morais” que o clube de genocidas ecológicos consideram ter sofrido por causa das denúncias dos ambientalistas. Não sabemos se a ação se refere a uma denúncia específica, a várias delas, ou a algum ponto forjado para justificar a ação.

Seja o que for, é fundamental que a população tenha consciência do dano múltiplo que produzem estas empresas nos países pobres, ante a indiferença ou a falta de decisão de seus líderes.

A fabricação de aço tem tantas aplicações pacíficas como militares, como o mostra o histórico das duas empresas alemãs aliadas para a construção da TKCSA. Durante a dita “desnazificação” na Alemanha, os americanos apenas inverteram o intuito criminal dos fabricantes de armas, fazendo com que seus esforços deixassem de estar ao serviço dos derrotados nazistas, e estivessem ao serviço de seus sucessores na política de agressão mundial.

Entretanto, mesmo se as empresas poluidoras produzissem apenas produtos de uso positivo para a humanidade, como alimentos, remédios ou bolas de futebol, a população sofre o genocídio lento, que as empresas produzem colocando venenos no ar, nas águas e na terra, gerando doenças de todos os estilos, e contribuindo ao massacre em massa de enormes segmentos que não servem como consumidores e não são europeus.

A diferença que às vezes se pretende entre os nazistas tradicionais ou os sádicos genocidas das prisões americanas, e que os empresários devastadores como a TKCSA não usam câmaras de gás.

Ora, qual é a diferença entre ser asfixiado por gases colocados numa câmara fechada, dentro de um campo de extermínio, e ser gradativamente envenenado pela injeção no ambiente de substâncias nocivas que produzem distúrbios letais?

Pode argumentar-se que, a morte por envenenamento gradativo com substâncias que fazem parte de lixo das grandes empresas é MAIS LENTO e, para os que têm dinheiro e uma boa medicina, haveria possibilidade de parar o genocídio antes da morte massiva.

Isso é verdade. O Zyklon B demorava uns dez minutos em matar. Atualmente, as vítimas do envenenamento ambiental têm possibilidades de viver muito mais, pois o processo de ir perdendo aos poucos sua capacidade física e mental é demorado. Será que isto é uma grande vantagem, e faz tanta diferença entre os novos e os anteriores nazistas ou os atuais carrascos ianques? Lembrem que os dois Zyklon, A e B, eram inicialmente pesticidas, ou seja, substâncias letais usadas com fins aparentemente pacíficos.

É necessário ter em conta que organizações ambientalistas como Greenpeace têm demonstrado grande coragem ao lutar “braço a braço” com navios pesqueiros predadores da fauna oceânica. É necessário que os ambientalistas de todo o mundo adotem métodos de resistência pacífica contra este neonazismo ecológico.

É muito frequente afirmar (e setores pacifistas e ativistas de direitos humanos compartilhamos essa opinião), que a força é um recurso que só pode ser usado racionalmente e em circunstâncias extremas, pois sempre existe o risco de militarizar a sociedade civil, degradando o cidadão à condição de soldado. É por isso que uso interrogativamente como epígrafe o poema de Bertold Brecht.

Apenas, porém, me permito uma reflexão. Os que resistiram de diversas maneiras o nazismo, na França, na Noruega, na Holanda, a Dinamarca, na Polônia e na ex URSS deveram optar entre a resistência ou a destruição? O famoso pacifista Mahatma Gandhi foi considerado otimista demais quando propôs aos povos atacados pelo nazismo se defender com a oposição pacífica. Entretanto, este novo nazismo não é dono (de maneira explícita) das forças armadas e policiais. Então, ainda é possível fazer muitas ações puramente pacíficas, desde que as instituições compreendam a justiça destas reclamações. É necessária a pressão internacional dos grupos ecologistas, e até daqueles cidadãos que só atuam por interesse pessoal.

Já nos anos 60, os capitães do capitalismo selvagem consideravam o Brasil como o melhor depósito de lixo industrial de Ocidente, graças a seu enorme território, sua grande floresta, e a facilidade de criar portos. Se o Brasil for contaminado, será difícil aos outros países salvar-se do contágio da devastação.

http://jorgepellegrini.blogspot.com/2011_03_01_archive.html

http://www.youtube.com/watch?v=TgsoxalWYik

Caso Suder-Gauger: Progressistas Europeus Apelam à Justiça Alemã

 

Caso SUDER-GAUGER: Progressistas Europeus Apelam à Justiça Alemã

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Como publiquei num de meus blogs (A Luz Protegida) no dia 29 de setembro, o casal de ex-ativistas alemães Sonja Suder e Christian Gauger foram extraditados da França à Alemanha, onde viviam e trabalhavam pacificamente desde 35 anos antes, e onde tinham perfeito status legal nos últimos 10 anos. O juiz da vara correspondente da cidade de Frankfurt ordenou a soltura de ambos no dia 6 de outubro, mas o MP da comarca apresentou um recurso com argumentos que não são de meu conhecimento.

Por causa disso, o casal continua preso, apesar do extremamente antigo da denúncia (1978), da absoluta socialização de ambos, e de seu estado de saúde. Os progressistas europeus de diversas nacionalidades (especialmente franceses e alemães, mas também muitos outros), preocupados pelo renascimento do fascismo na Europa, tem mandado uma petição ao juiz.

Pedimos a todos os que compartilham a luta contra o retorno do fascismo, a defesa do direito humanitário, e o fim da repressão em qualquer parte do planeta, que difundam esta comunicação e, se puderem, adicionem sua demanda ao pedido que segue. Devemos ser conscientes que a humanidade vive um momento muito difícil em quase todo o mundo, mas que focos poderosos de fascismo continuam abertos desde há mais de 80 anos na Itália, na Espanha, nos países Balcânicos e, em menor medida, na Alemanha. Quanto mais força estes movimentos adquiram, mas perto estarão de repetir as aventuras dos anos 30, como tem sido rigorosamente constatados por números sociólogos, cientistas políticos, comunicadores, historiadores e políticos.

Os dados estão em meu blog no link indicado.

http://aluzprotegida.blogspot.com/2011/09/uniao-europeia-continuam-os.html

Agradeço a todos.

NOTA: A comunicação seguinte foi gentilmente traduzida do francês pela professora Amparo Ibáñez.

Chamado ao Senhor Juiz da Vara Penal de Frankfurt, Alemanha.

N° de Arquivo : 6150 J s 25777/94 – 931

SONJA SUDER (79 anos) e CHRISTIAN GAUGER (70 anos) foram extraditados pela França no dia 14 de setembro de 2011, após 35 anos de residência pacífica (contando com mais de 10 anos no total conhecimento das autoridades francesas, ja que o pedido de extradição da parte da Alemanha tinha sido rejeitado no ano 2001, considerando as leis francesas em vigor.)

Mesmo assim, Sonja Suder e Christian Gauger foram entregues às autoridades alemãs que os detiveram logo.

Esta extradição contradiz princípios fundamentais do direito :

‘  Respeito da Coisa Julgada,

‘  Prazo final “razoável” para a possibilidade de um “processo justo”, levando em conta a idade e a saúde dos acusados.

Por todas estas razões, pedimos a libertação deles.

Com motivos de sua saúde, e tendo conhecimento dos resultados dos exames médicos e neuropsicológicos, feitos pelos médicos franceses e alemães ao pedido da chancelaria francesa, o transporte de Christian Gauger foi feito em ambulância e ao chegar na Alemanha foi colocado em departamento de hospital à prisão de Kassel, à150 kms de Frankfurt.

Porém, foi transferido à prisão de Frankfurt no dia 22 de setembro para ser apresentado ao Tribunal. Christian Gauger está desde então em detenção sem cuidado médico nem acompanhamento psicológico.

A decisão do juiz na quinta 6 de outubro, de liberar Christian Gauger com isenção de prisão, está suspensa por causa da apelação feita pelo departamento do Ministério Público.

Mais hoje, cada dia que passa conta. O relatório da perícia médica dos médicos franceses, confirmando as perìcias anteriores de outros médicos, apontam claramente os riscos, vinculados à detenção, de uma confusão mental e um colapso psíquico, agravados pelas dificuldades a seguir corretamente o tratamento para seus afetos cardíacos, o que poderia pôr na maior brevedad, a vida dele em perigo.

As pessoas autorizadas para visitar-lhe (meia hora cada 2 semanas!) e o advogado dele o acharam, 15 dias atrás, muito desorientado e fisicamente esvaziado.

Manter este homem em detenção seria, de fato, someter Christian Gauger a sofrimentos físicos e psicológicos, degradantes e inaceitáveis.

Por todos estes motivos, pedimos a libertação imediata.

Itália e Battisti: Crise não é Diversão Suficiente

 

 

 

 

Carlos A. Lungarzo

O Estado Italiano e todos seus colaboradores parecem não ter suficiente “lazer” com as manifestações anticapitalistas dos últimos dias, onde grupos de cidadãos desesperados observam a desaparição dos poucos benefícios europeus que a Itália ainda conservava. Os violentos mascarados, que apareceram numa operação típica dos arditi de Mussolini, serviram para desviar a atenção da supressão dos últimos vestígios de democracia social na península e (como na famigerada chacina de Génova de 19 a 22 de julho 2001) para tratar a indignação popular, deturpada por infiltrados vandálicos da própria direita, como caso de polícia.

Também serviram como pretexto para que quase uma centena (a mídia não coincide em suas informações) de pessoas seja massacrada.

Os atos pacíficos, que os fascistas e (antes deles) os “finiseculares[i]” sempre sabotaram com provocadores infiltrados, é uma das grandes tradições da Itália, que ajudou na manutenção de democracias precoces e efêmeras em diversas regiões. Mas, essa tradição é atacada desde há três décadas, no que os especialistas entendem como um nítido ressurgimento do fascismo.

O sindaco (prefeito) de Roma, Giovanni “Gianni” Alemanno, megalómano esportista membro do partido fascista MSI desde sua adolescência, e o veterano presidente Giorgio Napolitano, stalinista desde a mesma idade, estiveram novamente juntos como nas “gloriosas” épocas do Pacto Von Ribbentrop – Molotov para deplorar a violência, que eles atribuem à esquerda.

Mas, nem sequer estes problemas abalam as manobras tortuosas da Itália no Brasil, algo que não surpreende, pois é típico das culturas mafiosas e conspiratórias. Em outra época ou local poderia acrescentar-se “acredite se quiser”, mas não farei isto. Nada que provenha daquele estado e seus mercenários pode ser alvo de surpresa.

A Itália quer embargar parte do acórdão do STF sobre a extradição número 1085, que encerra definitivamente o caso Battisti, e que representa, em forma escrita, a decisão da maioria na sessão de 8 de julho desse ano. (Vide)

Petulância Mafiosa

Recentemente, os advogados[ii], do Estado Italiano na causa da extradição 1085, reclamaram do STF a modificação de alguns pontos do acordão redigido pelo Ministro Luiz Fux. Observem a gravidade desta pretensão: a Itália quer que o judiciário brasileiro modifique uma sentença, já que acordão é simplesmente uma sentença coletiva de um corpo colegiado.

Um desses pontos é o seguinte, que se encontra na Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República (RD 11.243, a partir do ponto-§ 53)

Compete ao Presidente da República, dentro da liberdade interpretativa que decorre de suas atribuições de Chefe de Estado, para caracterizar a natureza dos delitos, apreciar o contexto político atual e as possíveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente, o que é permitido pelo texto do Tratado firmado (art. III, 1, f). O Supremo Tribunal Federal, além de não dispor de competência constitucional para proceder a semelhante exame, carece de capacidade institucional para tanto. Aplicável, aqui, a noção de “institutional capacities”, cunhada por Cass Sunstein e Adrian Vermeule (Interpretation and Institutions. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28. Disponível em: acesso em 27/05/2011) – o Judiciário não foi projetado constitucionalmente para tomar decisões políticas na esfera internacional, cabendo tal papel ao Presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior. [O grifado é meu]

Esta declaração do ministro Fux não é apenas impecável desde o ponto de vista jurídico, mas contém implicitamente uma importante questão sociológica. Com efeito, o judiciário, pelo menos teoricamente, deve defender os direitos dos habitantes; quando fixa limitações a alguém, é porque o réu é passível de ameaçar os direitos dos outros. Por esse motivo, o STF tem a prerrogativa de proibir a qualquer funcionário, por importante que seja (incluído o próprio chefe de Estado), de efetuar uma extradição. Entretanto, a justiça não tem poder para forçar uma extradição, quando a autoridade competente (no caso do Brasil, o chefe de Estado que é, ao mesmo tempo, o chefe do executivo) decide recusá-la. Mas, quando o presidente e seus assessores justificam sua recusa, obviamente, devem formar-se uma opinião sobre o caso. Ninguém pode seriamente dar um parecer “no escuro”. Nesse momento, o chefe de estado interpreta, segundo seu critério, os delitos em apreço, como Fux faz notar na parte grifada do texto.

O ponto que mais parece ter incomodado os bersaglieri é aquele que reconhece o direito do chefe de estado a interpretar a natureza dos delitos. Observemos que, se tivesse acontecido o contrário, o presidente não teria direito a qualificar os delitos. Se, por exemplo, o STF tivesse proibido realizar a extradição e tivesse reconhecido que os delitos são políticos (como disse, no dia 9 de setembro de 2009, Marco Aurélio de Mello, se baseando nas próprias fontes italianas), Lula não poderia ter executado a extradição, aduzindo, por exemplo, que os delitos eram comuns.

O STF tem exclusividade constitucional para qualificar a natureza dos crimes nesse sentido protetor que deve caracterizar a justiça. Justamente, esta cláusula introduzida na Constituição, que é mais avançada que as de alguns países desenvolvidos, tem por objetivo evitar que um governo pouco sensato extradite um estrangeiro lhe acusando de crimes comuns.

O ataque contra este irretocável acordão deve dar uma idéia do tamanho das provocações do Estado Italiano. Não há motivo para pânico, pois estas provocações sucessivas, feitas diretamente pela Itália ou por seus alcoviteiros, que incluem Haia, o problema do visto e agora isto, são simplesmente amostras de impotência e ressentimento vingativo. Isso não significa, porém, enfraquecer qualquer dos estados de alerta da rede de proteção.

Aqui há dois problemas diferentes.

(1)   No caso do escritor italiano, devemos perceber que a Itália está decidida a multiplicar estas provocações ao infinito. Isto não deve ser considerado impossível, pois a crise que o país atravessa não é motivo para afastar-se destas atividades dispersivas, mas, muito pelo contrário, é causa de que as forças dominantes tentem distrair a atenção com outras questões (como aconteceu nos anos 30). Outro fato que não deve ser confundido é a relação entre governo e estado. Muitos ativistas, incluso alguns esclarecidos, insistem em carregar toda a culpa no atual governo italiano, e acreditam que uma mudança política mudaria também esta cruzada inquisitorial.

É fácil observar que não é assim: Battisti foi sequestrado no Rio de Janeiro, em março de 2007, por forças policiais multinacionais que contavam com o apóio da Itália, na época do governo Prodi, inimigo da atual administração Berlusconi. Além do governo, quase todo o judiciário e todo o parlamento (desde que Rifondazione perdeu suas vagas) participam da orgia linchadora. Deve lembrar-se que em novembro de 2009, quando se anunciou a vitória do voto em favor da extradição no STF brasileiro, os parlamentares italianos aplaudiram e muitos deles brindaram à próxima morte de Battisti, o que provocou mal-estar até em outros membros da máfia parlamentar, que pediram desculpas à família de Cesare, e criticaram aos colegas que mostravam o jogo. Nessa época, o ministro La Russa disse que não deviam “assustar o governo brasileiro” porque a decisão final estava com Lula.

Ainda, o chefe de Estado, o presidente Napolitano, figura egrégia do stalinismo, é o mais eficiente propugnador da extradição, embora, por sua condição de homem culto e refinado, não exiba a rudeza dos membros do governo.

(2)   O outro problema nada tem a ver com Battisti nem com extradição: trata-se da soberania brasileira. O direito humanitário é consciente de que a soberania, num sentido absoluto, é um típico valor da direita, mas existe uma soberania relativa que consiste na capacidade de um estado de decidir sem interferências sobre ações que defendam as pessoas que estão dentro de seu território, sejam ou não nativos. De fato, a oposição ao imperialismo é uma oposição à pretensão de outros estados de estender sua soberania escravizando outros povos. Por isso mesmo, a limitação de soberania é necessária para a defesa dos direitos humanos, como aconteceu recentemente na Líbia.

Apoiar a Justiça

Brasil é um país que têm alguns grandes juristas, mas eles são poucos em relação com o tamanho e as necessidades do país. Aliás, muitos juristas foram badalados por razões que não parecem propriamente jurídicas. Um exemplo catastrófico é o de um dos “papas” do direito brasileiro, que escreveu um artigo sobre Battisti onde começa assim:

Cesare Battisti, condenado pela justiça italiana à pena de morte [sic] pela prática de quatro homicídios, fugiu para o Brasil.

[Se não acreitar, veja]

Qualquer humano pode cometer erros, mas existem erros de diferente tamanho. Qualquer criança que assista à escola já sabe no 3º ano que a Itália está na Europa. Nem falar então, de muitos outros charlatães togados.

É fundamental que a sociedade civil faça chegar seu mais forte apóio ao ministro Luiz Fux e também aos ministros Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa. Este apelo não vai dirigido apenas à rede de solidariedade com Battisti, pois o que está sendo explodido não é só o direito a justiça de uma pessoa, mas qualquer possibilidade de justiça. Num país onde máfias nacionais ou estrangeiras são capazes de alterar sentenças, não há nenhuma possibilidade futura de justiça.

Se estimularmos os magistrados honestos e lúcidos, talvez dentro de algumas gerações o Brasil e outros países da América Latina tenham realmente um sistema judiciário humano. Se estes dignos juízes não recebem apoio da cidadania, podem acabar isolados pelo peso do corporativismo e a irracionalidade do sistema que eles tentam melhorar.

Por causa deste caso paradigmático, percebemos que agora a justiça não está apenas ameaçada pela mídia, por leguleios, por politiqueiros, e pela própria legião de medíocres nela enquistados, mas também pela máfia internacional. Não cometamos o erro de reagir quando seja tarde.


[i] Nome dado ao movimento irracionalista de fin de siècle, que se tornou extremamente forte na Itália após a Unificação, cujos principais representantes foram Gabriele d’Annunzio e Enrico Corradini. A partir de 1870 eles propugnavam o irracionalismo romântico, a luta contra a democracia, o racismo, o antifeminismo, e a inutilidade da paz.

[ii] O chefe da equipe de defesa da Itália já foi advogado de Collor, de PC Farias e de outras figuras análogas cuja lista não caberia neste artigo.

PROJETO CONTRA A TORTURA NO BRASIL

 

 

 

tortura 01

Este é o primeiro artigo de uma série composta por várias matérias. Nelas, analisaremos os atuais projetos oficiais contra a tortura, seus aspectos técnicos, práticos e éticos.

 

 

Projeto contra a Tortura

Carlos A. Lungarzo

Amnesty Int. EUA

A ministra chefe da secretaria especial de Direitos Humanos do Brasil, Maria do Rosário, enviou ao Congresso Nacional, no dia 30 de setembro, o projeto de lei (PL) que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, composto pelo o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, integrado por 23 pessoas (a maioria delas, membros da sociedade civil organizada), e o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, que terá 11 peritos indicados por esse Comitê. (Vide Lungaretti e as notícias oficiais).

Contrariando a máxima do tudo ou nada, este PL merece a colaboração de todos os setores saudáveis da sociedade (e não apenas das organizações de direitos humanos), pois, se julgarmos pelos poucos dados que já se conhecem, esta proposta parece a mais séria iniciativa governamental sobre DH na história do país.

Cabe ressalvar que a tortura no Brasil é uma prática cotidiana, intensa, de extrema perversidade, que constitui uma rotina para a grande parte da polícia e dos militares, e para a totalidade de grupos parapoliciais, carcereiros, custódios de internatos, asilos e outros lugares de reclusão, esquadrões de execução, jagunços, e seguranças empresariais.

Essa rotina é também uma necessidade patológica, que, como o provam algumas centenas de pesquisas na América a na Europa, deve satisfazer a ansiedade de sangue dos algozes com regularidade. Quando isso não acontece, as famílias dos torturadores apanham duramente, porque a catarse sádica, não tendo vazão para o lado dos prisioneiros, deverá exercer-se sobre outras pessoas próximas ao carrasco.

Nos EEUU, as denúncias sobre esposas espancadas por seu maridos militares ou policiais é 6 a 7 vezes major que denúncias análogas formuladas por mulheres de civis, sendo que todas os outros fatores são mantidos constantes (faixa de idade, estrutura familiar periférica, número de filhos, religião, grau de instrução formal, nível financeiro, tipo de entorno demográfico, hobbies e atividades complementares). Estudos contrastados foram feitos em bairros militares e civis das mesmas cidades nos estados de Georgia, Florida e Virginia.

Mesmo assim, essas denúncias estão por baixo do verdadeiro número de ocorrências, embora, por causa do próprio índice de ocultamento, não seja possível saber quanto. Um comandante que não assina seu comunicado diz: “Eu seria rico se recebesse um dólar por cada esposa de militar que me disse: ‘meu marido me bate e me tortura, mas não quero denunciá-lo porque se ele perder o emprego, eu e meus filhos ficamos no olho da rua’”. (Vide) Nos EEUU, apesar do acobertamento da tortura e os maus tratos, por causa de forte ideologia messiânica e militarista desse país, há vários centenas de pesquisas realizadas com bastante rigor por pequenas agências de estatísticas que se autofinanciam. Casos ainda mais impressionantes envolvem o abuso de crianças em famílias onde o chefe e militar o policial (Vide um clássico estudo de 2006).

No caso de militares, apesar de ter um contato menos contínuo com situações de violência que os policiais, a intensidade do abuso sobre seus familiares é cada vez maior nos países mais beligerantes, mas as estatísticas mais abundantes são as dos EEUU. (Vide as estatísticas de 2010, e a curva de crescimento desde 2001).

Já no Brasil, as poucas estatísticas que se possuem são calculadas por ONGs internacionais, que podem conter erros devido ao clima de perigo em que trabalham estes pesquisadores, mas os dados oficiais se desconhecem, pois mulheres atacadas por seus maridos militares ou policiais costumam ser objeto de abuso ao fazer as denúncias.

Entre policiais e, sobretudo, entre militares, tem diminuído o número dos que se gabam de aplicar tortura (pelo menos, em público), o que, há alguns anos, era a norma geral, sendo, por exemplo, que o ditador Geisel aconselhava em suas “memórias” a tortura como método para obter informação. Hoje, um moderado grupo de líderes da repressão qualifica de “maus militares” ou “maus policiais” os que aplicam tormentos. Este ato de demagogia visa dissimular que as patologias sádicas fazem parte essencial da profissão, salvo (e nem sempre), numa dúzia de pequenos países ultrademocráticos, como a Islândia e o Mônaco. Esta farsa maniqueísta é um obstáculo para a erradicação da tortura, pois os corregedores da polícia que se sentem acuados quando alguma pessoa importante foi torturada, se limitam a “afastar o responsável do caso” e colocam-no num lugar onde possa torturar apenas sujeitos marginais que ninguém protege. Aliás, essas medidas impedem perceber que os corpos repressivos estão baseados no terror, e que, se realmente se deseja erradicar a tortura (o que, por enquanto, não é nada óbvio), o único possível é a reconstrução completa do sistema de segurança.

Também é fundamental ter em conta que a tortura é encoberta parcialmente pela grande imprensa, é enaltecida e glorificada por programas policiais de Rádio e TV, cujos psicopáticos apresentadores possuem enorme audiência, tolerada por uma parte significativa (mas, talvez não maioritária) da oposição parlamentar de direita, e estimulada por extensos setores do Ministério Público e do Judiciário, aos que os tormentos lhes oferecem um método rápido para encher as prisões com pessoas marginalizadas, sejam inocentes ou culpáveis, e ganham prestígio como supostos esclarecedores de crimes difíceis, cuja autoria é “carregada” em prisioneiros torturados até um nível em que aceitam todas as culpas. Aliás, tormentos e chacinas são estimulados por fabricantes e armas e importadores de aparelhos de tortura (máquinas de choque, tasers, etc.) cujos produtos são propagandeados em revistas especializadas mas não aparecem na grande mídia.

Quando, numa proporção de uma vez em 10.000 ou menos, um policial é repreendido por torturas ou chacinas de presos, usualmente o juiz (isto acontece especialmente no Estado de São Paulo, mas parece comum a todo o Brasil) dá a entender ao infrator que ele lamenta ter de repreendê-lo, mas que a culpa é dos “legisladores de esquerda” que propõem leis para favorecer bandidos.

O mais tétrico testemunho de interesse do Alto Judiciário em manter a impunidade de torturadores foi a deliberação do STF de abril de 2010, onde a realização de tormentos, chacinas e estupros durante a ditadura militar foram encobertos com a lei de Anistia de 1979 pela esmagadora maioria de 10 a 2. Até foi dito (pelo presidente do tribunal), que esses delitos eram absolutamente conexos com los crimes políticos. Aliás, o magistrado objetou a “insegurança jurídica” que a acusação de tortura criava aos membros das forças armadas e de segurança. Isso, no entanto, não significa que os poucos juízes que respeitam os valores humanitários, tenham votado positivamente porque fossem propugnadores da tortura, mas por preconceitos anticientíficos, como o positivismo jurídico e, possivelmente, também por medo.

Se descartamos os 3 ministros que parecem entender que a tortura deve ser estimulada, a maioria diz repudiar seu caráter aberrante. Entretanto, votar em favor do acobertamento dos criminosos oficiais do estado totalitário é uma amostra da dificuldade do problema. Até o relator, Eros Grau, ele próprio vítima de torturas nos anos 70, e tido geralmente como pessoa bem intencionada, mirabolou uma série de pretextos para votar em favor da anistia.

Isto é uma prova forte da dificuldade de lutar contra um sistema para o qual a crueldade e a violência é uma condição vital, tanto como comer ou respirar. Em adição, este sistema aparelha o estado, mantendo controle sobre numerosas atividades essencialmente civis (bombeiros, energia, monitoração de catástrofe, preservação das florestas), que estão discretas mais quase totalmente militarizadas. Em épocas recentes, somou-se a isto a militarização das comunidades pobres, onde favelados são tratando em função do Direito Pena do Inimigo pelos militares que atuam como força de ocupação no território inimigo. Como se sabe, na lógica militar, quem habita território inimigo, nunca é tratado como vítima, mas como cúmplice.

Diante deste panorama, o PL enviado pela ministra Rosário deve ser julgado sob, pelo menos duas perspectivas:

(1) Formalmente, o PL é a primeira proposta aparentemente séria sobre a eliminação dos tormentos no Brasil. (2) Pela gravidade do quadro da tortura no Brasil (maior que em quase todos os países ocidentais), este PL deve ser visto como o motor de partida para uma ação muito mais geral, que deve incluir todas as organizações sociais e progressistas. Sua implementação requer publicidade permanente, no Brasil e no exterior, e precisa também que os ativistas de DH adquiram o hábito de denunciar às Organizações Internacionais qualquer incumprimento. Esta é uma prática quase ignorada no Brasil, que (apesar da coleção de violações que compõem um triste cartão postal do país no mundo civilizado) tem recebido até hoje, apenas cinco condenações da CIDH da OEA.

Para vocês terem uma idéia: há menos de duas semanas que o PL foi anunciado e já algumas entidades sérias e de grande trajetória, como Justiça Global, e a Pastoral Carcerária, fazem críticas à proposta (Vide). Eles entendem que a exclusividade do chefe do estado para nomear os membros do Comitê introduz um “ranço autoritário”. Dependerá de todos os setores civilizados do país, de qualquer condição e inserção social, mobilizar-se de maneira organizada para que essa autocracia não degenere num resultado altamente provável: a final absolvição dos torturadores, especialmente quando estes são agentes do estado.

Mas, a dimensão do problema é enorme, e vamos a desenvolver em diversos artigos os aspectos mais importantes vinculados com o projeto.

A Atual Lei Contra a Tortura

O Brasil tem uma lei, a número 9455/97, onde se “define” o que é “tortura”, segundo o entendimento do estado, e se enunciam as punições contra os que a aplicam. Um estudo muito breve foi feito por mim em Congresso em Foco (Vide). Esta lei foi assinada em abril e 1997 por Fernando Henrique Cardoso e Nelson A. Jobim, e corresponde a um esquema que se fez popular nessa época, quando se aprovaram muitas leis progressistas para entrar em harmonia com as tendências internacionais, e melhorar a antiga imagem negativa do estado, como modelo de repressão, autoritarismo e racismo.

A direita moderna, formada nos ambientes cultos e palacianos, tenta diferenciar-se do feudalismo apoiado por jagunços e ruralistas, e teve sucesso em oferecer um rosto civilizada do governo, com base na produção de leis e a assinatura de acordos que evidenciavam um acatamento puramente formal aos direitos humanos, exigidos (de maneira algo menos formal) pelas organizações internacionais.

Embora esta intenção tenha sido muito clara, há outras motivações dos governos que desconhecemos. Todavia, se não é justo avaliar as intenções, podemos sim julgar os fatos. O mais marcante é que a lei 9455 foi aplicada um número ridículo de vezes. Tenhamos em conta que, salvo os poucos detentos de alto poder econômico, qualquer pessoa colocada sob a custódia do estado, mesmo que seja pela maior banalidade, recebe alguns tormentos que podem ir de “inofensivas” pancadas, a mutilação, pau de arara, choque e morte.

Muitos se lembram do caso de Maria Aparecida, uma jovem deficiente, paupérrima e solitária, que esteve vários anos presa pelo furto de um xampu, sendo torturada ao extremo de perder um olho, sob o nariz do TJSP, que negou sua soltura. (Vide)

Então, podemos calcular que os exemplos de efetiva aplicação da lei e de punição real com base na mesma, não chegam a 1 caso em 50 mil, mas esta proporção é ainda menor se considerarmos apenas os agentes do estado.

A lei 9455 tem ainda outras vantagens para as elites (tenham sido ou não propositais). Ela permite os mesmos truques (e até mais fáceis) para livrar-se de punição que uma lei municipal sobre barulho noturno ou estacionar em lugar proibido. Ainda mais: esta lei realiza parcialmente o desejo das elites de punir cruelmente qualquer delito famélico, pois o conceito de “tortura” apresentado na lei 9455 é tão vago e impreciso, que bater a carteira de um cidadão distraído, sem nenhuma violência, poderia ser “tortura psicológica”.

Em 3 novembro de 2005 (vide), quando o então secretário brasileiro de Direitos Humanos, Mário Mamede, reuniu-se com o Comitê de Direitos Humanos da ONU, a mídia que cobria o evento qualificou o desempenho da comitiva de 17 pessoas de shameful: a Secretaria não soube responder perguntas básicas sobre a situação da tortura no país, que qualquer criança de uma favela poderia contar com detalhes. O comitê da ONU, apesar de ser usualmente sisudo, perdeu a parcimônia a falou do “descontrole” e “impotência” da situação dos DH no Brasil.

Uns dias antes desta sabatina, Anistia Internacional tinha difundido alguns resultados alarmantes publicados pela Folha de S. Paulo de 25/04/2005:

“[informou o] promotor Afonso Presti, com dados do SMA (Sistema de Movimentação de Autos) do Ministério Público de São Paulo: até abril de 2005, em todas as varas criminais do Estado, havia apenas 12 sentenças de condenação por tortura desde a promulgação da lei, em 1997. Dessas 12, apenas cinco puniam agentes do Estado, e dentre estas cinco, apenas três puniam policiais militares”

O pesquisador Tim Cahill, responsável pela equipe de análise de Anistia Internacional para o Brasil, comentou um grave paradoxo: as pouquíssimas pessoas condenadas por tortura são alheias ao aparato do Estado. Ou seja, mesmo sendo a tortura o mais típico crime (junto com o genocídio) de lesa humanidade, e sendo ainda o instrumento principal do terrorismo de estado, a lei se aplica, na ínfima medida em que é usada, a delinquentes comuns, por exemplo, homicidas ou autores de lesões.

Dificuldade das Punições

No Brasil, na Argentina e em vários outros países da América Latina, a dificuldade de punir a tortura se deve, principalmente, a que o Estado é uma instituição profundamente militarizada e, embora seja conceitualmente errado chamar de “fascista” a todo elemento de direita, há um aspecto no qual estes dois países (e outros), coincidem com os regimes fascistas: a estrutura do poder público é típica de um estado policial, seja a Alemanha do Reich, a Itália do Fascio ou a URSS de Stalin. Obviamente, a modernidade e a mudança dos tempos colocam aos governos atuais certas limitações que aqueles estados não tiveram.

No Brasil e na Argentina, a brutalidade repressiva e a aplicação “recreativa” da tortura têm várias causas, que em outros países do continente são menores: uma é o racismo. Outra, muito importante, é a existência de uma classe média e alta branca, católica, com forte identidade européia (proporcionalmente, enorme na Argentina e menor no Brasil), que promove atos de sadismo contra setores marginalizados. Por sua vez, o lumpen branco é devoto seguidor de atos de tortura e linchamento. As raízes psicossociais deste tipo de barbárie foram muito estudadas pela Escola de Frankfurt, especialmente por Wilhelm Reich (vide), mas sua análise nos distrairia do aspecto principal deste artigo.

No Brasil, o corporativismo e a existência residual do escravismo tornam muito difícil punir a autoridade. O exemplo mais dramático o oferece o TJSP, que comete as mais ruidosas violações aos regulamentos para isentar policiais ou militares autores de centenas de crimes aberrantes, como foi, entre outros, o caso de Carandiru, quando os desembargadores alteraram (!) a decisão do júri.

A luta pelo começo de uma campanha eficiente contra a tortura é dificílima, porém possível. No caso de que o PL seja aprovado (!), a lei deve ser vista essencialmente como ensejo para que a sociedade civil, em todos seus setores, participe da maneira mais intensa, sem esquecer que os direitos humanos são universais e que, portanto, sua defesa não deve ser restrita aos recursos legais ou comunicacionais do país onde os fatos acontecem. A colaboração internacional com setores humanitários e progressistas do planeta é tão importante como a luta internacional contra os regímenes truculentos.

Este artigo continuará com outros sobre O Crime de tortura, Os Comitês de prevenção, Punições possíveis, Prevalência da tortura no Brasil, Métodos de erradicação em outros países, etc.

 

Democracia? Perguntem a Wikipedia

 

 

 

 

 

 

Democracia? Perguntem a Wikipédia

Carlos A. Lungarzo

A Wikipédia em Italiano prefere retirar-se do ar, e não se submeter à censura da República Italiana, que está sendo legalizada no Parlamento desse país.

 

Neste artigo, apresento aos leitores de nossa rede e especialmente aos bloggers, administradores de sites, e a todos aqueles concernidos ativamente com a liberdade de expressão, a explicação dada pelos administradores italianos da Wikipédia, em relação com a ameaça de censura que decorre de uma nova lei que reproduz o antigo sistema dos anos 30 e 40. Apresento apenas os parágrafos principais, para não desviar a atenção do leitor. O link no final deste artigo permite entrar na versão original.

Os que o desejem podem fazer como os blogueiros e jornalistas de, até agora, 21 países, que manifestaram sua solidariedade aos amigos italianos que sofrem uma das variadas formas de opressão do neofascismo e neostalinismo peninsular. Lembro que alguns legisladores brasileiros apresentaram um projeto de lei de censura na Internet, que não é exatamente igual, mas é muito similar a este.

Começo do Texto Traduzido

Cara leitora, caro leitor

Neste momento, a Wikipedia em língua italiana corre o risco de não poder continuar mais fornecendo aquele serviço que, no decorrer dos anos, tem sido útil para você, e que agora, você estava procurando, como de hábito [e se encontrou com este aviso. Nota minha.]

A página que vocês queriam ler existe e apenas foi escondida, mas existe o risco que, dentro de pouco, sejamos coagidos a cancelá-la totalmente. […]

Hoje, entretanto, os pilares do projeto (neutralidade, liberdade e verificabilidade de seu conteúdo) correm o risco de serem fortemente comprometidos pelo inciso 29 do chamado DDL Interceptação.

Essa proposta de reforma legislativa, que o Parlamento italiano está discutindo nestes dias, contempla, entre outras coisas, que, todo site está obrigado a publicar dentro de 48 horas do pedido e, sem nenhum comentário, uma retificação de qualquer conteúdo que o solicitante julgue lesivo a sua imagem.

A avaliação do caráter “lesivo” desse conteúdo não será enviada e nenhum juiz, mas depende unicamente da opinião da pessoa que se considera injuriada.

Qualquer blog ou site pode ser obrigado a uma “retificação”, para contradizer e desmentir seu conteúdo, a despeito da existência de fontes [que comprovem o afirmado no site ou blog].

Nestes anos, os coordenadores de Wikipedia sempre estiveram disponíveis para discutir e corrigir todo conteúdo lesivo do requerente. Nos raríssimos casos em que não foi possível encontrar uma solução, toda a página foi removida.

[…]

O design da lei – Normas em matéria de interceptação telefónica e outras (p. 24, letra (a) do inciso 29):

Para os sítios informáticos, compreendendo os jornais diários e os periódicos difundidos por via eletrônica, as declarações ou as retificação são publicadas dentro de 48 horas do pedido, com as mesmas características gráficas, a mesma metodologia de acesso ao sítio, e a mesma visibilidade das notícias às quais se referem.

[…]

Que fique bem claro: nenhum de nós quer colocar em discussão a proteção devida à salvaguarda da reputação, a honra e a imagem de quem quer que seja. Lembramos, porém, que todo cidadão italiano já é protegido nesse sentido pelo artigo 595 do código penal.

Com este comunicado, queremos alertar os leitores dos riscos que se geram ao deixar ao arbítrio das pessoas a tutela de sua própria imagem e seu próprio decoro, invadindo a esfera dos legítimos interesses alheios. Em tal condição, os administradores da Rede serão induzidos a evitar ocupar-se de determinados argumentos e personagens, mesmo que só seja para “não ter problemas”. […]

Os administradores da Wikipedia [italiana]

Fim do Texto Traduzido

 

 

 

Os grifados, as reticências e os comentários entre colchetes são meus. O leitor pode consultar os links em baixo para ter uma visão própria do problema.

Disegno di legge – Norme in materia di intercettazioni

http://it.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Comunicato_4_ottobre_2011/Media#In_lingua_italiana

 

A COMISSÃO BRASIL-ITÁLIA

 

A Comissão Brasil-Itália:

Expectativas

Carlos A. Lungarzo

Nestes dias, o chanceler italiano Frattini e seu colega brasileiro Patriota, após ter-se encontrado na Assembleia Geral das Nações Unidas, decidiram criar um canal de comunicação que, segundo eles, é jurídico e amigável, nos moldes da Convenção de 1954 (assinada, na época, por Fernandes e Fornari) para a resolução pacífica de conflitos judiciais.

Como o leitor deve lembrar, após a soltura de Cesare Battisti, os italianos ameaçaram com a convocação da Corte Internacional de Justiça da Haia, Holanda, mas, antes disso, propuseram ao estado brasileiro a escolha de um representante para ativar essa Convenção, que deve constituir uma Comissão de Conciliação, cujo resultado é puramente consultivo.

A Comissão deveria contar com um membro da Itália, um do Brasil, e outro neutral. Frattini tinha informado ao Brasil que deveria ter uma resposta até o dia 15 de setembro e, caso isso não acontecera, recorreria á Corte da Haia (CIJ).

Consultado por um jornal de grande influência em São Paulo, Patriota, alguns dias antes do encontro com Frattini em NY tinha dito que a Convenção não estabelecia um prazo e, portanto, respondeu a Frattini que não seria necessário dar uma resposta tão peremptória num prazo tão estrito. A resposta veio depois de 2 semanas.

Apesar de que isto possa não parecer totalmente claro, é simples explicar o que aconteceu. Imaginarei um leitor virtual que, lendo as diferentes notícias, se formula algumas perguntas, e veremos como as respostas surgem com naturalidade. De qualquer maneira, eu não tenho informação privilegiada, então pense que posso estar errado em alguma coisa.

Por que Frattini pediu a ativação da Convenção Fernandes-Fornari, sendo que ela é desnecessária quando os dois países têm tratados sobre o assunto, como, neste caso, o Tratado de Extradição?

Porque, possivelmente, ele sabe que ir direto a Haia será algo brusco que pode prejudicar internacionalmente a imagem da Itália como um “litigante de má fé”. Aliás, tem uma probabilidade de 98% de perder. Então, quer ter uma atitude simpática com o Brasil. Aliás, dizer que vai negociar como amigo, antes de ir à Haia, pode servir como pressão para que a Comissão preste mais atenção a seus pedidos.

Por que o Brasil não cumpriu o prazo de 15 de setembro?

O Itamaraty quer mostrar que não está assustado pela Itália, mas, ao mesmo tempo, usa um argumento legal correto: a Convenção não estabelece limite para a aceitação da parte requerida, dependendo isso apenas do critério dos países. O lapso de 90 dias é costumeiro mas não é obrigatório. Aliás, esta Convenção quase nunca se usa, então, o Itamaraty tem motivos para não mostrar pressa.

Por que agora o Brasil aceita?

Ao propor outra data, de maneira mais humilde e comedida, a Itália já não manifesta desejos de humilhar o Brasil, e, aceitando uma nova proposta, num estilo cordial inusitado na diplomacia italiana dos últimos anos, Patriota mostra boa vontade.

Qual é a vantagem para o Brasil de formar esta Comissão?

Pode acontecer, embora seja pouco provável (e o Brasil não pode saber de antemão), que a ameaça de Frattini de ir à Haia não seja puro blefe, que é o que todos acreditamos. Talvez, pressionado pelos stalinistas ou pelos fascistas (ele é um ex socialista do partido de Berlusconi), decidisse ir à Haia. E o Brasil não gosta do confronto, pelo menos, confronto aberto. Os mais velhos devem lembrar que, na década de 70, o Itamaraty nunca reconheceu ter fornecido informação para o que a Operação Condor pudesse sequestrar e executar no território brasileiro refugiados de outros países. O Itamaraty era, porém, quem melhor podia concentrar informação, mas sempre deu uma imagem de democrática e “compreensiva”. Agora, a política com a Itália é a mesma, sobretudo, porque o Brasil não quer conflitos com países ricos.

Qual é a vantagem para a Itália?

Se o resultado da Comissão for absolutamente inadmissível para a Itália, ele tem um pretexto para ir a Haia. Se, como é certeza, a CIJ disse que o assunto não implica a violação de nenhuma lei internacional, Frattini voltará a Itália dizendo: “Fiz tudo o que foi possível”. Aí, haverá mais uma choradeira das supostas vítimas, mas o governo ficará protegido. Eles continuarão ruminando seus rancores e fazendo homenagens a Mussolini, enquanto o mundo segue funcionando.

Mas, que é o mais provável que aconteça na Comissão?

Na maioria dos países, as grandes massas se queixam da corrupção e cinismo da política doméstica, mas isso acontece porque conhecem pouco de política internacional. O que vai acontecer é o seguinte: o representante italiano falará, mais uma vez dos 4 crimes, do terrorismo, da impecável justiça italiana (que os mesmos ministros xingam, até com palavrões) e, claro, isto não pode faltar, das feridas abertas das vítimas, que há 32 anos não param e chorar.

O representante Brasileiro dirá coisas muito simples e evidentes. O STF brasileiro, apesar de ter votado contra Battisti (o que mostra que é solidário com a dor das vítimas), reconheceu por cinco a quatro o direito de Lula a decidir sobre a extradição. Lula, que é um presidente legítimo, que tem muito respeito pela Itália, onde é muito querido pelo Partito Democrático, usou o tratado. A Advocacia geral da União e a Procuradoria Geral apoiaram o presidente. Logo, o STF reconheceu por 6 a 3 que o tratado foi bem usado. Então, não se pode argumentar ilegalidade, nem violação do tratado.

O árbitro neutral dirá que a Itália se sente justamente ofendida por não poder satisfazer a dor das vítimas, mas que o Brasil agiu de acordo com a Lei. Então, ambos estão certos. Dirá que ambos os países estão unidos por gloriosas tradições: um deles inventou o fascismo e o outro o integralismo, ambos são católicos, e nenhum deles gosta dos imigrantes africanos nem de outros países pobres. Em nome dessa fraternidade, pedirá um abraço de ambos os representantes.

O que fará Brasil após disso?

Continuará se preocupando com o pré-sal.

E a Itália?

Os fascistas e stalinistas estrilarão e tentarão preparar outra, para a qual devemos estar atentos. Aliás, dificilmente desistirão; só o tempo apagará essa história. Já Frattini, um cara de bom temperamento, levará toda a família a uma sessão de gala do Cirque du Soleil. Seus filhos ficarão gratos. É bem melhor que o circo de Napolitano.