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Não existe controle do Estado sobre a venda de agrotóxicos no Brasil

Em 2016, a venda de agrotóxicos rendeu US$ 9,56 bilhões, levemente abaixo dos US$ 9,6 bilhões recebidos em 2015 / Reprodução/Youtube
Em 2016, a venda de agrotóxicos rendeu US$ 9,56 bilhões, levemente abaixo dos US$ 9,6 bilhões recebidos em 2015 / Reprodução/Youtube

Via Campanha Contra os Agrotóxicos,
Nesta segunda-feira (3), o jornal Valor Econômico noticiou nova queda no faturamento das empresas de agrotóxicos no Brasil. Fontes do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) afirmam que, em 2016, a venda de agrotóxicos rendeu US$ 9,56 bilhões, levemente abaixo dos US$ 9,6 bilhões recebidos em 2015.
Mas o que será que este dado tem a nos revelar? Que uma avassaladora onda de consciência vem assaltando as mentes do agronegócio brasileiro e levando os fazendeiros a desistirem dos agrotóxicos e apostarem numa produção limpa? Difícil de acreditar…
Quem manda nos dados?
Em primeiro lugar, é fundamental entender como ocorre a dinâmica de produção e divulgação dos dados sobre a comercialização de agrotóxicos no Brasil. Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, que tinham por dever legal fiscalizar a venda cobrar os dados das empresas, não o fazem. O Ibama, que até pouco tempo divulgava (com anos de atraso) as informações sobre vendas de ingredientes ativos, depois do golpe mudou seu portal e não disponibiliza mais estes dados [1].
O CREA, que poderia disponibilizar um sistema de informações com dados sobre o receituário agronômico, nunca demonstrou o menor interesse em fazê-lo a nível nacional. Seria o melhor dos mundos, já que a receita contém informações sobre a substância utilizada, a forma de aplicação, o alvo, a área de aplicação, entre outros.
Assim, nossa única fonte de informação sobre a dinâmica do mercado de agrotóxicos são os próprios donos deste mercado, representados pelo Sindiveg. Pelos idos de 2009, este mesma entidade então com outro nome (Sindag) alardeou aos quatro cantos a informação de que o Brasil seria o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com 1 bilhão de litros de veneno por ano. A expectativa de exaltar o mercado nacional acabou saindo pela culatra, e o mantra “O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo” segue sendo repetido por todos e todas que se identificam com a luta contra os agrotóxicos, como sinônimo de absurdo e sinal de uma situação que chegou ao seu limite.
Até o ano de 2011, o Sindiveg divulgava em seu site e enviava por e-mail uma planilha contendo dados detalhados sobre venda de agrotóxicos por cultura, estado e classe, em relação ao ingrediente ativo, produto formulado e valor. De 2012 até 2014, as planilhas murcharam, mas ainda exibiram o faturamento e a quantidade comercializada para cada cultura. Em 2015, tivemos acesso apenas ao faturamento, o que parece estar se repetindo para o ano de 2016.
Mais veneno ou menos veneno?
Retornando ao resultado de 2016, é importante analisar a série histórica do faturamento da indústria de agrotóxicos em nosso país. Os dados a que temos acesso começam em 2000, com míseras 313.824 toneladas vendidas, e um faturamento de US$ 2,5 bilhões. Até 2014, o crescimento foi praticamente ininterrupto, alcançando 914.220 toneladas vendidas, e um faturamento de US$ 12,2 bilhões nesse ano. Ou seja, em 15 anos o volume comercializado aumentou 191% (quase 3 vezes) e o faturamento em dólares aumentou 388% (multiplicado por quase cinco). São números estarrecedores, que não encontram paralelo em nenhuma outra atividade comercial.
Em 2015, uma conjunção da fatores fez com o faturamento (em dólares) levasse um grande tombo de 21,6%. Um dos fatores mais relevantes foi justamente a alta do dólar, que encareceu o preço de importação. Não custa lembrar que cerca de metade do agrotóxicos consumido aqui é importado, e mesmo aquele produzido aqui é dominado pela multinacionais. Há dois elementos curiosos nesta “queda” observada entre 2014 e 2015:
1) O Sindiveg não divulgou amplamente, mas apesar do faturamento em dólares ter caído 21,6%, a quantidade de produtos formulados vendidos caiu apenas 3% [2]. E, pasmem os senhores e as senhoras, a quantidade de ingredientes ativos vendidos aumentou 12,3%! Ou seja: o peso do produto formulado (aquele que chega ao consumidor final) vendido foi menor, mas a quantidade de ingrediente ativo, que é a substância que faz o efeito tóxico, foi maior.
2) Quando convertemos os faturamentos de 2014 e 2015 para reais, ao preço médio do câmbio (R$ 2,35 e R$ 3,33, respectivamente), encontramos uma surpresa: o “tombo” de 20% em dólares se transforma em um crescimento de 14%.
Mercado poderoso demais
A partir do que vimos acima, podemos buscar compreender melhor as implicações do recente anúncio do Sindiveg.
A média de cotação do dólar em 2016 foi R$ 3,48, ou seja, ainda mais alta do que em 2015. Assim, fazendo uma aproximação em reais, temos que o faturamento de 2014 foi de R$ 28 bilhões, que sobe em 2015 para R$ 32 bilhões e, finalmente, alcança 2016 com R$ 33,2 bilhões.
Este não é um valor com o qual lidamos todos os dias. Para entender sua magnitude, talvez seja útil fazer algumas comparações:
Com R$ 33,2 bilhões, poderíamos, por exemplo, multiplicar o Programa Nacional de Alimentação Escolar por quatro, melhorando a qualidade do alimento fornecido às crianças. Fosse esse valor aplicado no Ministério da Saúde, este teria seu orçamento de R$ 42 bi quase dobrado. O valor faturado pelas empresas de agrotóxicos em 2016 equivale a 85 vezes o orçamento do Instituto Nacional do Câncer..
Como conclusão desta rápida análise, temos que:
1) Não existe controle do Estado sobre a venda de agrotóxicos no Brasil. Caso houvesse, teríamos dados confiáveis sobre a comercialização destes produtos em nosso país. Hoje, a única fonte de informação são as próprias empresas, que divulgam apenas parte delas, e ultimamente somente para um público bem selecionado.
2) A suposta queda no faturamento calculado em dólar não significa que houve queda do faturamento em reais, e muito menos que houve queda no uso de agrotóxico. Pelo contrário, houve um aumento da concentração de ingredientes ativos, deixando os venenos ainda mais perigosos para quem lida com eles no campo e quem come os alimentos que chegam à mesa.
3) O faturamento da indústria de agrotóxicos é exorbitante. Enquanto os vendedores de venenos faturaram R$ 33 bi em 2016, o total de gastos diretos do governo federal com o Ministério da Agricultura foi de apenas R$ 13,5 bi, e na Anvisa foram investidos apenas R$ 682 milhões. Ambos deveriam fiscalizar os agrotóxicos, mas obviamente não tem verba nem força política para isso.
4) A recente introdução no Brasil de sementes transgênicas resistentes a mais de um tipo de agrotóxico mostra como funciona a “espiral química”: mais agrotóxicos geram mais plantas resistentes, que necessitam de mais agrotóxicos e novas sementes transgênicas resistentes a mais agrotóxicos. Isso explica também a maior concentração dos agrotóxicos notada acima.
5) Finalmente, não custa lembrar que o mercado de agrotóxicos também é concentrado. Estão em curso três grandes fusões, que devem fazer as antigas seis grandes virarem apenas três gigantes – Bayer-Monsanto, Dow-Dupont e Sygenta-ChemChina.
Diante deste cenário, não nos resta outra alternativa senão resistir. Conheça a plataforma chegadeagrotoxicos.org.br e se some a nós nesta luta!
[1] Graças a um esforço de sistematização da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, estes dados ainda podem ser acessados em http://dados.contraosagrotoxicos.org/group/comercializacao
[2] O dado consta em um relatório do Instituto de Economia Agrícola de SP: http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=14033. Curioso é que a Figura 2, que traz os dados completos de 2015, aponta como fonte uma página que não mostra os dados indicados.

Globo ajudou agronegócio com novela e Basf comprou o samba da Vila Isabel, mas este ano tem resposta na Sapucaí

Foto: Reprodução Internet

Via Brasil de Fato,
Há alguns meses, publicamos neste espaço um artigo sobre a tentativa desesperada do agronegócio em salvar sua imagem perante a sociedade com a novela O Velho Chico.
Na ocasião, afirmamos que o investimento na novela tentava construir a imagem de um agro-pop-tudo em oposição ao velho coronelismo.
A motivação para esse esforço veio de uma percepção do próprio agronegócio de que a sociedade o associa ao desmatamento, aos agrotóxicos e ao trabalho escravo.
Em 2012, o mesmo agronegócio, representado pela Basf, comprou o samba da Vila Isabel.
O (lindo, por sinal!) enredo, que tinha Martinho da Vila como um dos autores, não era sobre os agrotóxicos e transgênicos produzidos pela empresa, mas sim sobre a vida camponesa cumprindo sua missão de alimentar o povo.
Por trás, havia a tentativa subliminar de associar esta linda imagem ao agronegócio.
Neste ano, é da mesma Sapucaí que vem um belo golpe na imagem do agronegócio.
Depois de um ano marcado, entre outros, por ruralistas formando milícias para atacar indígenas, a Imperatriz Leopoldinense acerta com beleza e elegância o ego daqueles que se acham donos do país.
O enredo, chamado “Xingu, o clamor que vem da Floresta”, fala basicamente sobre luta pela terra. E tudo que o agronegócio não quer ouvir.
Um dos trecho diz que “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”, e emoldura alas como os “Olhos da cobiça”, “Chegada dos invasores” e “Fazendeiros e seus agrotóxicos”.
Acostumados a olhar apenas para o próprio umbigo, sem enxergar um palmo além da sua soja transgênica, ruralistas irados lançam notas e escrevem matérias a torto e a direito.
Por mais que se procure, sempre batem nos mesmo dois argumentos falaciosos: (1) o agronegócio alimenta o Brasil; (2) o agronegócio sustenta o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O primeiro argumento é o mais débil de todos; sabemos que a grande massa de produção agrícola se concentra nas commodities de exportação (soja, milho para ração, cana-de-açúcar), e o Censo Agropecuário de 2006 mostrou que 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa vêm da agricultura familiar, mesmo tendo ela direito à apenas 24% das terras. Portanto, esse argumento é claramente falacioso.
Em relação ao PIB, a análise é um pouco mais profunda, mas o argumento não é menos falacioso. Em primeiro lugar, precisamos entender que o PIB representa o conjunto de riquezas produzidas pelo país.
Não fala sobre distribuição de renda, nem geração de empregos.
Não se importa no bolso de quem essa riqueza vai parar. Pois bem: em 2015, a produção de soja rendeu ao Brasil R$90 bilhões. Ótimo? Nem tanto.
Como vimos recentemente, a enorme dependência de insumos externos do agronegócio faz com que grande parte deste valor fique nas mãos das empresas transnacionais.
Custos com sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas podem chegar a 90% do preço final, num mercado completamente oligopolizado por gigantes transnacionais como Bayer, Monsanto, Cargill, Basf, Syngenta, Bunge, Dreyfus, ADM…
Nem no Brasil o dinheiro fica.
Não custa lembrar que o subsídio do governo no Plano Safra chegou à casa dos R$ 200 bilhões no ano passado, só para o agronegócio.
É transferência direta do governo para as transnacionais, e ainda dizem que isso sustenta o PIB.
Como nota de rodapé, poderíamos incluir ainda que o agronegócio não gera empregos: são apenas 1,7 pessoas por 100 hectare (ha), enquanto a agricultura familiar emprega 9 vezes mais: 15,3 pessoas por 100 ha.
Entre 2004 e 2013, o agronegócio reduziu 4 milhões de empregos, ou 22% do total. No mesmo período, o desemprego no Brasil caiu de 11,7% para 4,3%.
Que chorem os plantadores de soja, criadores de zebu e especuladores da fome: o Carnaval de 2017 já tem vencedor, e somos nós: povos indígenas, quilombolas, camponeses, sem terra, do campo, das florestas e das águas, todas e todos que lutam por seus territórios sadios contra o agronegócio.
Todo nosso respeito à Imperatriz Leopoldinense.
(*) Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

O golpe ruralista e o preço do feijão

Via MST,
Na última semana, fomos bombardeados pelas notícias sobre a alta no preço do feijão. O povo, chocado em ver o quilo passando de R$10, ouviu as mais diversas explicações dos analistas: geada e muita chuva no sul, falta de chuva em outras regiões, e até o boato de que uma pequena doação para Cuba feita em outubro de 2015 teria sido a causa da escassez. A solução mágica apresentada pelo ministro interino da agricultura, o Rei da Soja, foi zerar a taxa de importação para facilitar a entrada de feijão estrangeiro.
O que estranhamente não saiu em lugar nenhum foi um elemento muito simples: o agronegócio brasileiro não se preocupa em produzir alimentos para o Brasil. E isso fica muito claro quando olhamos a mudança na utilização das terras no país. Nos últimos 25 anos, houve uma diminuição profunda na área destinada à plantação dos alimentos básicos do nosso cardápio. A área de produção de arroz reduziu 44% (quase metade a menos), e a mandioca recuou 20%.
A área plantada com feijão, o vilão do momento, diminuiu 36% desde 1990, enquanto a população aumentou 41%. Apesar de ter havido um aumento na produtividade, a diminuição da área deixa a colheita mais vulnerável e suscetível a variações como estamos vendo agora.
E o agronegócio?
Os grandes latifundiários do Brasil, aliados aos políticos da bancada ruralista, à multinacionais de agrotóxicos e sementes como Bayer, Monsanto e Basf, e às empresas que dominam a comunicação no país não estão preocupadas com a alimentação da população. Este atores compõem o chamado agronegócio, que domina a produção agrícola no Brasil, e vê o campo apenas como local para aumentar suas riquezas.
Isso significa, na prática, produzir soja e milho para alimentar gado na Europa e na China, enquanto precisamos recorrer à importação de arroz, feijão e até do próprio milho para as festas de São João. Exportamos milho, e agora precisamos importar o milho. Faz sentido?
No mesmo período em que a área plantada de arroz e feijão caiu 44% e 36%, respectivamente, a área de soja aumentou 161%, enquanto o milho aumentou 31% e a cana, 142%. Somados os três produtos, temos 72% da área agricultável do Brasil com apenas 3 culturas. São 57 milhões de hectares que ignoram a cultura alimentar e a diversidade nutricional do nosso país em favor de um modelo de monocultura, que só funciona com muito fertilizante químico, semente modificada e veneno, muito veneno.
No caso da cana e da soja, é fácil entender que não são alimentos, e sim mercadorias ou (commodities) que vão ser comercializadas nas bolsas de valores pelo mundo. No caso do milho, basta ver que em 2015 foram exportados 30 milhões de toneladas de milho, em relação direta com a alta do dólar. Com o preço da moeda americana em alta, vale mais à pena exportar do que vender aqui. Assim, o que sobra no Brasil não é suficiente para o nosso consumo, e por isso temos que importar, o que também irá pressionar o preço. Hoje é o feijão, logo logo será o milho que vai explodir de preço.
Outro aspecto importante é analisar que quem bota o feijão na mesa do povo é a agricultura familiar. Os dados ainda de 2006 mostram que 80% da área plantada de feijão (e 70% a produção) são da agricultura familiar. E esta agricultura não tem espaço no reino do agronegócio.
O agronegócio ameaça a soberania alimentar no Brasil. Ao deixar de plantar comida para plantar mercadorias, ficamos extremamente dependentes do mercado externo, e vulneráveis às mudanças climáticas.
O primeiro passo: reforma agrária para dar terra a quem quer plantar comida. Com a terra na mão, precisamos de incentivo à agroecologia, para produzir alimentos saudáveis. Finalmente, essa produção deve ser regulada pelo Estado, via Conab, para garantir o abastecimento interno antes de embarcar tudo para fora.
O governo interino já admite privatizar a Conab, e pode em breve aprovar leis que facilitam ainda mais o uso de agrotóxicos e o uso de pulverização aérea nas cidades.
É, de fato, também um Golpe Ruralista.

Termina o Encontro de Diálogos e Convergências em Salvador

Mística de abertura do evento

Terminou nesta quinta, 29, o Encontro de Diálgos e Convergências, realizado entre 26 e 29 de setembro em Salvador. Partindo de experiências práticas, o encontro teve como objetivo discutir agroecologia, saúde e justiça ambiental, soberania alimentar, economia solidária e feminismo, buscando as convergências possíveis num horizonte de unificação das lutas sociais.

A construção do Diálogos e Convergências foi feita em conjunto por nove redes: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV), a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o Fórum Brasileiro de Soberania e de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).

Durante os quatro dias de encontro, foram relatadas e debatidas diversas experiências, sempre na perspectiva de denunciar a violência do capitalismo, exaltar a resistência das comunidades e apontar as alternativas de construção de outro modelo que vêm dando certo.

Riquieli Capitani apresentou a experiência do setor de comunicação do MST, relatando as estratégias do movimento para informar a sua base, a sociedade em geral, além de lutar contra a criminalização pela mídia convencional. Ao final de sua apresentação, ela mostrou a última edição da revista IstoÉ e afirmou: “Essa mídia não serve a nós”. O MST participou também das mesas sobre agroenergia, relatando o caso do Ceará, e sobre agrotóxicos, no caso da Chapada do Apodi.

Notícias, fotos, documentos e a carta final do encontro podem ser acessadas em www.dialogoseconvergencias.org

 

Da favela para as favelas, de verdade

O livro pode ser adquirido na livraria Antonio Gramsci – Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, no Centro do Rio – tel.: (21) 2220-4623, ou então pela internet clicando aqui.

Conheci o Fiell no dia 22 de maio de 2010. No IML. Pra quem não sabe, IML é o Instituto Médico Legal. É pra onde os cadáveres são levados, para verificar a causa da morte. É também o se faz o exame de corpo de delito, para atestar legalmente se alguém sofreu agressão.

No mesmo dia, um sábado, fui assistir à aula do curso de comunicação comunitária do NPC. Estava programado um debate sobre UPP, conduzido por um morador de favela pacificada. Este morador havia escrito uma cartilha de abordagem policial, motivado pelos crescentes abusos cometidos pelos policiais pacificadores na favela do Santa Marta.

Depois de cerca de uma hora de atraso, a Cláudia Santiago, coordenadora do curso, chega com uma notícia: Fiell não pode vir hoje, porque foi agredido e preso pela UPP ontem à noite. Que coincidência né? O convidado do curso para debater a questão da UPP não pode vir porque foi preso e agredido pela UPP.

Mesmo assim, Fiell saiu da delegacia pela manhã, tomou um banho e foi para o curso. Chegou machucado, cheio de hematomas, mancando. Contou para nós o que havia acontecido (leia o livro, tá tudo lá!) e participou das atividades da tarde. No final do dia, sobramos poucas pessoas.

Convencemos o Fiell de que ele deveria ir ao IML para fazer o exame de corpo de delito e processar os policiais que o haviam agredido. Eu estava de carro, e resolvi levá-lo lá.

Ficamos cerca de duas horas esperando nos chamar. A todo instante passavam homens vestidos de açougueiro, com botas de plástico brancas. Que eu me lembre, foi a primeira vez que conversei a fundo com um morador de favela.

Depois do exame, em que o que o médico atestou que ele havia sofrido agressão, Fiell me convidou para tomar uma cerveja no Santa Marta. Que eu me lembre, também foi a primeira vez que entrei numa favela.

Hoje, um ano e meio e muitas cervejas no Zé Baixinho depois, já me sinto em casa no Santa Marta. Tive a oportunidade de acompanhar de perto o nascimento, a construção e o fechamento violento da Rádio Santa Marta. A parceria musical com o Fiell, os shows de reggae e o trabalho no projeto Rio Economia Solidária fizeram com que o Santa Marta fosse minha segunda casa.

Linguagem clara, objetiva, e sempre provocadora: e você?

Por tudo isso, por esse um ano e meio acompanhando o Fiell nas palestras, shows, debates, eu imaginei que não fosse me surpreender com o livro. Imaginei que me soaria muito familiar tudo que estivesse escrito alí.

Obviamente, levei uma rasteira pra lá de prazerosa. O livro é simplesmente genial. Sua clareza e objetividade fazem do título aparentemente senso comum – da Favela para as Favelas – uma verdade absoluta.

O livro é dividido em capítulos temáticos, que abordam a favela, a comunicação, a educação, os direitos, o movimento hip-hop, o tráfico, a UPP, o trabalho e a cidadania. Em cada um deles, é contada um pouquinho da história do Fiell, do ponto de vista de cada tema.

De cantor consumista a repper-repentista, Fiell conta de forma delicada – e não por isso menos provocante – seu processo de politização e desalienação. Esta transformação lhe custou alguns empregos, ao denunciar aos colegas a exploração que sofriam: “… ele passou meu dinheiro e foi argumentando que eu não poderia mais trabalhar com ele, que eu era muito intelgente e tinha mais é que cantar rap.”

Ao perceber que sua condição de pobreza não era culpa sua, como pensava, Fiell decide revolucionar sua vida e lutar por uma sociedade mais justa para todos. E descobriu na comunicação popular – jornal, rádio, e agora o livro – um meio bastante eficaz para isso.

Fiell disse que o livro era pra ser lido no ônibus, na volta do trabalho. Foi exatamente o que eu fiz: o formato pequeno e a linguagem simples e direta fizeram com que eu devorasse as 81 páginas em uma hora de trânsito no 485. Em certo momento a luz acima do meu banco queimou. Mas era um dia de sorte. O ônibus estava vazio e pude mudar de lugar pra continuar lendo.

Se tivesse que definir o livro em uma palavra, não teria dúvidas: provocador. O livro é recheado de provocações do início ao fim. “Existe democracia no Brasil? Pra quem?”; “Eu uso o (o rap) para revolucionar o povo trabalhador das periferias do Brasil. E você?”; “Vamos nos organizar porque as remoções vão vir e toda nossa história irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas.”

Fiell escancara as contradições daqueles que se dizem do povo, mas na primeira oportunidade, fazem anúncio para televisão e escapam da favela. A questão da imagem é abordada também de forma bastante direta. “Sabemos que para ter um Nike, que a mídia nos obriga a ter através de propaganda diária, vários jovens negros e brancos das favelas e periferias do nosso Brasil matam e morrem.”

E dá-lhe provocação: neste contexto, qual a responsabilidade de um rapper famoso que usa Nike?

Por fim, ficou na minha cabeça uma indagação, que eu coloco em forma de provocação a todos nós: como fazer esse livro chegar de fato às mãos dos trabalhadores que pegam ônibus lotado, chegam em casa cansados e só têm forças para ligar a TV e dormir para aguentar o dia seguinte?

Ao descrever sua rotina antes de se mudar para o Santa Marta, Fiell diz que saia de casa às 4:30 e partia pra comprar o Extra ou Meia Hora, para ver as notícias de violência e as bundas. E se saísse atrasado, já não tinha mais jornal.

Se existe algum livro que pode competir com o Meia Hora, que o trabalhador possa ler e refletir na viagem de volta pra casa, esse livro se chama Da Favela Para as Favelas – História e Experiência do Repper Fiell.

É nosso dever divulgá-lo.

Marie-Monique Robin lança seu novo filme na Fiocruz

No auditório lotado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, na Fiocruz, a diretora de “O Mundo Segundo a Monsanto”, Marie-Monique Robin lançou no dia 12/09 seu mais novo filme: “O veneno nosso de cada dia”. Desta vez, ela tentou devendar como são calculados os valores de IDA – Ingestão Diária Aceitável – para diversos produtos como agrotóxicos, resíduos de plásticos e o aspartame.
O evento contou ainda com a presença do diretor Sílvio Tendler, cujo mais novo documentário – O veneno está na mesa – fora exibido no mesmo local dias atrás. Ambas exibições fazem parte do Ciclo de debates sobre a Rio+20 : quem sustenta o desenvolvimento sustentável?, cujo objetivo é preparar a Fiocruz para um posicionamento institucional em relação ao encontro que ocorrerá no ano que vem.
A Ingestão diária aceitável – IDA – é um valor numérico, medido em mg/kg, que determina a quantidade que se pode consumir de uma substância durante todos os dias, com segurança, por toda a vida.[1] Na prática, para os agrotóxicos por exemplo, determina qual limite máximo de resíduo aceitável em um alimento. Era de se esperar que este índice fosse calculado com um alto grau de rigor científico, para que em nenhum momento colocasse a vida dos consumidores em risco.
Mas Marie-Monique nos mostra justamente o contrário. No mesmo estilo investigador de “O Mundo Segundo a Monsanto”, a diretora percorre centros de pesquisa e agências reguladoras em vários países tentando descobrir como este índice é definido. E ela não deixa dúvidas: através de estudos científicos pagos pelas empresas, e com a ajuda diretores de agências reguladoras com ligações com a indústria, os próprios fabricantes das susbstâncias é que definem o nível aceitável.

Após a exibição do filme, Marie-Monique disse que o filme foi como uma continuação de “O Mundo segundo a Monsanto”. O trabalho de pesquisa impecável fez com que a gigante multinacional não movesse sequer um processo contra ela. Nada foi dito sem que houvesse comprovação. E da mesma forma foi feito em “O veneno nosso de cada dia”, que acompanha um livro de 400 páginas. O objetivo é mostrar que a Monsanto não é uma exceção: diversas outras multinacionais utilizam os mesmos métodos – tráfico de influência, corrupção, fraude científica – para lucrar às custas da vida da população.
Ela revelou ainda que apenas 10% das substâncias que estão presentes no nosso dia-a-dia foram testadas. E mesmo assim, esses testes sempre foram feitos com forte influência dos fabricantes. Representantes da indústria química chegaram a dizer que seu “o livro envenena a indústria química”. De fato, a análise incomoda tanto a indústria quanto as agências reguladoras. Uma das grandes dificuldades, segundo ela, foi conseguir que estes representantes falassem. Foram mais de 100 contactados, e apenas 16 falaram.
O caso da EFSA, agência européia, foi o mais emblemático. Após várias tentativas negadas, ela ameaçou dizer no filme que agência havia se recusado a falar. Então eles aceitaram, mas se prepararam bem: passaram “O Mundo Segundo a Monsanto” para todos os funcionários, para que se preparassem para o tipo de pergunta. E durante a sua visita, foi seguida de perto por vários seguranças, que filmaram todos os seus passos. Mesmo assim, o representante entrevistado fica mudo quando ela mostra, através de documentos da própria EFSA, a fragilidade científica sob a qual é baseado o IDA. Já a Organização Mundial da Saúde, órgão da ONU, respondeu simplesmente: “É o melhor que podemos fazer.”