Atenção à atenção: Julio Cortázar e Graciliano Ramos

cortázarUma das coisas que mais me chama a atenção, é a forma como os escritores e as escritoras prestam atenção à atenção. Isto é, à forma como percebemos os mundos externos e internos, a forma como nos vemos a nós mesmos e aos demais, como sentimos, pensamos, desejamos, amamos, escrevemos, lemos, etc.

Em particular, venho prestando atenção à forma como Graciliano Ramos e Julio Cortázar prestam atenção à atenção, atenção à percepção. Obviamente, outros escritores como Roberto Arlt, Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe, Howard Phillips Lovecraft, Gabriel García Márquez, Gabriela Mistral, Martha Medeiros, Henry James, também tem me chamado a atenção a este respeito.

Mas no momento gostaria de tentar me restringir ao que tenho podido observar a respeito de Gracilano Ramos e Julio Cortázar. Talvez sejam mais algumas impressões o que estou tentando partilhar, do que referências objetivas a este ou aquele trecho de alguma obra.

Provavelmente o que me permita ir me deixando levar com muita facilidade para textos destes dois autores em pauta (como também para dentro de outros textos), seja uma afinidade tal que em algum momento não sei mais quem é o autor e quem o leitor, se o que estou lendo foi Graciliano Ramos que escreveu, Julio Cortázar ou eu.

Essa fusão, essa simbiose, é o que fascina na literatura, como forma de dissolver uma suposta objetividade que aprendemos a incorporar, mas da qual mais cedo ou mais tarde, teremos que nos desvencilhar. Não é por acaso que tanto Graciliano Ramos como Julio Cortázar (e José Saramago), recorrem fortemente ao eu criança, è criança que cada um de nós é e foi.

Este é um recurso que permite o re-encontro com aquela parte do nosso ser que está em estado virginal. Esse momento primeiro da nossa vida. A percepção ainda para ir sendo moldada, e esse moldar deverá ser desfeito se algum dia quisermos voltar a ser o ser que somos, deixadas atrás as máscaras sociais, os condicionamentos, os papéis, os “devo”, os “tenho que” introjetados.

Julio Cortázar fala em libertar a linguagem, no Diario de Andrés Fava. E Graciliano Ramos, tanto em Angústia como em Infância, São Bernardo, e Caetés, volta à sua infância, e com ele, eu volto também, uma vez que essa percepção original que o autor partilha com o público, está também nos leitores e leitoras.

Agimos por mimese, frequentemente, e estes dois autores, com estilos bastante diferentes, convergem nessa mesma tarefa libertadora, libertar a percepção, recuperar a visão original do mundo, prévia à ordenação social.

Deixe uma respostaCancelar resposta