21 maio 2003
Auto-limitação: virtude ecológica
Leonardo Boff
 
O pavor suscitado pelo lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foi tão devastador que mudou o estado de consciência da humanidade. Introduziu-se a perspectiva de destruição em massa, acrescida posteriormente com a fabricação de armas químicas e biológicas, capazes de ameaçar a biosfera e o futuro da espécie humana. Antes, os seres humanos podiam fazer guerras convencionais, explorar os recursos naturais, desmatar, jogar lixo nos rios e gazes na atmosfera e não havia grandes modificações ambientais. A consciência tranqüila assegurava que a Terra era inesgotável e invulnerável e que a vida continuaria a mesma e para sempre em direção ao futuro.

Esse pressuposto não existe mais. Mais e mais nos damos conta daquilo que a Carta da Terra atesta: "Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e da diversidade da vida".

Esse documento, já assumido pela UNESCO, representa a nova perspectiva planetária, ética e ecológica da humanidade. Os fatos que sustentam o alarme são irrecusáveis: só temos essa Casa Comum para habitar; seus recursos são limitados, muitos não renováveis; a água doce é o bem mais escasso da natureza (só 0,7 é acessível ao uso humano); a energia fóssil, motor do desenvolvimento moderno, tem dias contados; e o crescimento demográfico é ameaçador. Ultrapassamos já em 20% a capacidade de suporte e reposição da biosfera. Querer generalizar para toda a humanidade o tipo de desenvolvimento hoje imperante demandaria outros três planetas iguais ao nosso. A grande maioria não pensa em tais coisas, pois parece-lhe insuportável lidar com os limites e eventualmente com o desastre coletivo, possível ainda em nossa geração.

Esses problemas são graves. Mas há ainda um maior: a lógica do sistema mundial de produção e a cultura consumista que ele gerou. Ele diz: devemos produzir mais e mais, sem impor limites ao crescimento, para podermos consumir mais e mais, sem limites à cesta de ofertas. A conseqüência imediata desta opção é uma dupla injustiça: a ecológica com a depredação da natureza e a social, com a gestação de desigualdades entre aqueles que comem à tripa forra e os que comem insuficientemente, caindo na marginalidade ou na exclusão.

Se quisermos garantir um futuro comum, da Terra e da humanidade, se impõem duas virtudes: a auto-limitação e justa medida, ambas expressões da cultura do cuidado. Mas como postular essas virtudes se todo o sistema está montado em sua negação? Desta vez, porém, não há escolha: ou mudamos e nos pautamos pelo cuidado, nos auto-limitando em nossa voracidade e vivendo a justa medida em todas as coisas ou enfrentaremos uma tragédia coletiva.

A auto-limitação significa um sacrifício necessário que salvaguarda o Planeta, tutela interesses coletivos e funda uma cultura da simplicidade voluntária. Não se trata de não consumir, mas de consumir de forma responsável e solidária para com os seres vivos de hoje e que virão depois de nós. Eles também têm direito à Terra e a uma vida com qualidade.
 


Leonardo Boff é teólogo e escritor, autor de Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres.

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