Argentina pode regulamentar divisão de lucros entre trabalhadores

Empresas argentinas poderão ser obrigadas a dividir 10% dos lucros entre seus funcionários. A proposta, do deputado Héctor Recalde, foi enviada ao Congresso e causou alvoroço entre os empresários, que alegam interferência no direito à propriedade privada. A participação dos funcionários nos lucros das companhias, entretanto, é prevista pela Constituição do país.

De acordo com o projeto de lei, as empresas terão de abrir mão de 10% de seu lucro anual líquido, isto é, descontados os impostos e os investimentos na própria companhia. Do montante arrecadado, 80% terá de ser distribuído entre os trabalhadores, o que exclui aqueles que já ocupam cargos gerencias ou de diretoria. O restante deverá ser utilizado para formar um fundo solidário de assistência a trabalhadores informais e desempregados. Se aprovada, a lei valerá apenas para as empresas com mais de 300 funcionários.

Para Recalde, que enviou o projeto à Câmara no último dia 18, não se trata de uma iniciativa antiempresa, já que ela estimulará os funcionários a quererem que a companhia em que trabalham cresça. “Essa motivação vai fazer com que as empresas aumentem sua margem de produtividade”, explicou o deputado, que também é advogado da Central Geral dos Trabalhadores, a maior organização sindical da Argentina. “Dessa maneira, as companhias vão melhorar sua rentabilidade e contratar mais trabalhadores, o que vai impactar positivamente no mercado de trabalho e no consumo”, concluiu Recalde, em entrevista ao jornal El Día.

Mas o que é boa notícia para muitos, é fator de preocupação para outros. Para o titular do Instituto para o Desenvolvimento Empresarial Argentino, Gustavo Ripoll, a lei pode afugentar os investidores, que estão sempre de olho na legislação trabalhista dos países. “Precisamos debater profundamente o projeto no Congresso, para chegarmos a uma lei que não afete os investidores”, advertiu.

O presidente da Câmara de Comércio do país, Carlos Vega, também questionou o projeto. Para Vega, é preciso impor “limites” ao avanço das reivindicações sindicais que, segundo ele, estão “cada vez mais enérgicas”.

Nem todos os empresários, no entanto, são contra o projeto. Em nota oficial, a Confederação Geral Econômica afirmou que chama a atenção o fato de outras associações empresariais se oporem dessa forma à proposta. “O dinheiro que chega ao bolso dos assalariados se injeta de forma rápida na economia”, declara o comunicado. “Queremos lembrar que a prática de distribuição de riquezas foi levada a cabo nos anos de maior prosperidade de nosso país.”

Projeto tem amparo constitucional

Apesar das críticas de grande parte do empresariado, o projeto de lei na verdade apenas regulamenta um artigo da própria Constituição argentina, que prevê a distribuição obrigatória dos lucros das empresas entre seus funcionários.

Mesmo assim, para o advogado Héctor Rossi, cujo escritório atende a várias companhias brasileiras no país, é preciso haver equilíbrio entre o direito das empresas e o direito dos trabalhadores. Ele admite que a lei regulamentaria um direito constitucional que nunca foi regulamentado, mas acredita que o projeto chega em um momento inoportuno. “Todos os analistas coincidem em que a economia vai bem, mas que faltam novos investimentos”, disse ele em entrevista ao Valor Econômico. “Deveríamos analisar, em profundidade, se estamos na hora mais adequada de regulamentar esse direito.”

Recalde, no entanto, explica que as empresas que decidirem reinvestir todo o lucro no próprio negócio não terão de pagar a bonificação aos funcionários. Ele, que garantiu que  o projeto está aberto ao debate, recebeu amplo apoio de ministros e líderes governistas na Câmara. “A iniciativa contará com o aval de todos os deputados de origem sindical”, assegurou.

No Brasil, os principais veículos de informação do país não deram destaque à notícia. Entre estudiosos da Comunicação, corre a ideia de que a mídia estaria tentando abafar o caso, em função da falta de interesse na divulgação de um projeto que “beneficia os trabalhadores e enfrenta a força do empresariado”.