Abertura dos Arquivos: o Direito à verdade

Estava programado para o último dia, quando se completaram os 30 anos da anistia, uma Conferência Magna com a Ministra Dilma Rousseff, mas ela não compareceu. Para substituí-la, foi chamado um dos integrantes da mesa, Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, representando o Ministério da Justiça. Após a sua fala, que relatarei adiante, cerca de dez componentes fizeram suas exposições, destacarei algumas delas em seguida.
Paulo Abrão iniciou com um tom nostálgico, especulando como seria melhor o nosso país hoje se as reformas de base tivessem sido implementadas na década de 60, sobretudo no processo de alfabetização com os métodos do educador Paulo Freire: “as mazelas hoje não seriam as mesmas”.
Em relação à anistia, declarou que é necessária não só a reparação econômica como também a moral. Lembrou que a Comissão de Anistia foi criticada pela mídia na época em que foi composta, com o propósito de em dois anos atender 10 mil pessoas; no entanto, em 7 anos de atividade foram mais de 64 mil requerimentos, ao contrário do que foi propagado – isso sem contar os que não fazem requerimentos por suas convicções ou aqueles que não têm condições objetivas em função da falta de documentação por causa dos arquivos ainda fechados.
Afirmou que há hoje no Congresso um projeto para alterar a atual lei (11.111), a fim de “mudar o acesso aos arquivos dizendo que qualquer documento que tenha violações aos direitos humanos não pode ser sigiloso”. Defendeu os ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi por suas lutas dentro do governo para avançar nessas questões.
A Lei de Anistia, de 1979, para ele “não foi – idéia praticamente digerida pelo senso comum, graças aos meios de comunicação – ampla geral e irrestrita”. “Como eles estariam propondo algo que eles mesmos alegavam inexistir?”, referiu-se à anistia bilateral, pois o próprio regime da época alegava que não existiam torturas. Citou como exemplo as Caravanas da Anistia, projeto da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, através da qual constataram que em todo o Brasil os afetados pela ditadura afirmam não terem sido chamados para fazer esse “acordo bilateral” em 1979.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), este terá de se manifestar se os torturadores serão condenados ou não. A Advocacia Geral da União (AGU) enviou em fevereiro deste ano aos ministros do STF um parecer destacando que a Lei da Anistia foi “ampla geral e irrestrita” perdoando todos os crimes “de qualquer natureza”. Por isso ele defende a apropriação da sociedade nesse debate, pois a função do Supremo é interpretar segundo os marcos do ordenamento jurídico nacional, tratando-se, portanto, de uma questão política que requer o clamor e a mobilização da sociedade em sua resolução. O ministro Eros Grau será o relator da ação que deve ser levada a plenário ainda neste ano.
Finalizou dizendo que a “lei deve ser adequadamente interpretada segundo os princípios democráticos” e que, principalmente, três arquivos centrais devem ser abertos: o do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), Centro de Informações de Exteriores (Ciex) e Centro de Informações de Segurança da Aeronáutca (Cisa). Para virar essa página da história do país, destaca que chegará o dia em que “algum presidente da república terá de ir à tevê pedir desculpas pela ocorrência da infame ditadura militar no Brasil”.
Hoje à frente do Arquivo Nacional, Jaime Antunes, relatou como está caminhando o processo da abertura dos arquivos. Fez uma descrição histórica, lembrando que na década de 80 todos os documentos públicos foram retirados das delegacias, especialmente na sede do Sistema Nacional de Informações (SNI), cabeça central dos acervos da época.  Em 2005, no Fórum Social Mundial, criou-se um grupo para construir um processo de informações em diversas instâncias do nosso país: levantou-se a dispersão de 14 departamentos e 8 estados do nosso país não têm vestígios dessas documentações.
Foram formadas assessorias nos órgãos públicos e em universidades para fazer o acompanhamento, em dezembro de 2005 mapearam 250 órgãos entre divisões de segurança e assessoria de informação. Na primeira leva foram recolhidos arquivos da divisão da Polícia Federal, da divisão da segurança do Ministério das Relações Exteriores, dentre outros órgãos. Para isso formaram uma equipe de tecnologia que desenvolveu um sistema de dados que alimenta as informações online, convergindo para uma central única, com base nos padrões de digitalização internacionais (veja em http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br ). A expectativa é de atingir o maior montante de informações que sejam extremamente úteis, por isso estão fazendo uma campanha de acesso, um chamamento público, que ainda não foi publicizadado, a fim de romper paradigmas e avançar nas questões da memória do país para que nunca venha a acontecer novamente estas violações.
A professora Jessie Jane, por sua vez, defendeu que para virar essa página obscura de nossa história “é preciso construir uma cultura política democrática a partir de nossas crianças” –  já que vemos todos os dias elas sendo mortas nas favelas, com aplausos da classe média ao verem esses fatos nos jornais: uma pedagogia democrática seria fundamental nas melhorias.
Ela defendeu também a criação de um centro de memória da história política brasileira, sugerindo o primeiro prédio de polícia política, construído em 1916 com uma arquitetura neoclássica, na Rua da Relação, no Rio de Janeiro: nesse prédio ficava o Departamento de Ordem Polícia e Social (DOPS), que torturou tanta gente. Darcy Ribeiro, quando era vice- governador, tombou o edifício e em cerimônia pediu a despolicialização do lugar que hoje é novamente uma delegacia. Lá se encontra o maior acervo de repressão política da América Latina, a Comissão de Anistia foi ao governador tratar do assunto, mas ele sequer os atendeu. Também sobre a memória, Jessie Jane ressaltou a importância de o governo brasileiro reivindicar junto ao departamento de Estado dos Estados Unidos a abertura dos arquivos referentes àquela época, no intuito de trazer toda a documentação para o Brasil e torná-las acessíveis aos pesquisadores.

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