A voz do silêncio e o silêncio da voz

Escrever sobre o silêncio é assaz complicado, principalmente na nossa sociedade contemporânea capitalista, pois vivemos sob a ótica da sociedade do barulho. Quanta poluição sonora escutamos nas ruas de nossas cidades! Além de convivermos com várias poluições que nos afligem constantemente em nosso cotidiano. Entretanto, o silêncio é necessário e salutar. O silêncio é muitas vezes mais musical do que muitas canções. É preciso silêncio para escrever, ler, estudar, compor, pintar, contemplar o céu estrelado e as boas coisas da vida, para dialogar com as pessoas que amamos e por mais paradoxal que pareça até mesmo para escutar uma música. O silêncio é catarse, lenitivo e panacéia nas horas angustiadas e depressivas de todo ser humano. Devido à cultura do barulho, o silêncio também incomoda, pois nos coloca frente a frente conosco. No silêncio a voz interior nos fala, latejando a mente e nos revelando os nossos espectros, e muitas vezes estes fantasmas nos assusta, nos amedronta! É a voz do silêncio, a voz do nosso âmago que nos revela o ser pensante que somos. O filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre nos legou que “o silêncio é reacionário”. É lógico que existem silêncios conservadores e a silêncios transformadores. Temos que ter a sabedoria de saber calar quando é necessário. Falar em momentos não apropriados é deselegante, chega até ser covardia, falar quando é para calar é insensato e muitas vezes antiético. Tem um axioma latino que diz: “falar é prata, calar é ouro”. O poeta e músico baiano Gilberto Gil em sua ode nos alerta: “Se eu quiser falar com Deus / Tenho que ficar a sós / Tenho que apagar a luz / Tenho que calar a voz / Tenho que encontrar a paz”.
A nossa cultura ocidental não nos educa para escutarmos a voz do silêncio e nem o silêncio da voz que carregamos dentro de cada um de nós, darmos ouvidos a essa voz é preciso! E a voz do silêncio tem que se manifestar para refletirmos com sapiência. E o silêncio da voz se manifesta na candura da voz, na brandura e gentileza da fala. Falar baixo é preciso, dar ouvidos é preciso mais do que emitir a nossa opinião. Por que tanta gritaria e arrogância no nosso cotidiano? Busquemos o equilíbrio entre o silêncio e o som. Busquemos a harmonia do silêncio e a melodia. Há muito tempo que penso escrever nessas mal traçadas linhas sobre a importância do silêncio, de saber calar e de falar com mansidão. Devemos ser menos loquazes, menos prolixos e mais ouvintes da voz do outro. Falar é imprescindível, até porque somos os únicos seres que usamos a fala, a linguagem como instrumento de comunicação, mas calar também se faz indispensável. Se o silêncio da voz se manifesta é o respeito ao outro que estabelece o vinculo nessa relação recíproca de tolerância ao diferente. Quando amamos calado é a voz do silêncio que dá as cartas na nossa mente cheia de sons e palavras. O silêncio das madrugadas e das noites de insônias é a mais pura expressão da voz do silêncio latejando em nossos tímpanos.
Na sala de aula, a voz do silêncio e o silêncio da voz, deveria estar permanentemente sendo cultivada entre mestres, professores, estudantes e alunos. A palavra “meditação” e a palavra “medicação” têm a mesma origem etimológica, a mesma raiz. A meditação é medicinal. Deveríamos ter nas escolas e nas universidades uma disciplina sobre a importância da meditação em nossas vidas. Infelizmente a educação nas escolas não é direcionada para que haja meditação nas salas de aulas. Existe uma cultura do escárnio, da ironia, do deboche quando se fala em meditação. Cultivar a prática do silêncio não tem nada a ver com acomodação, conformismo, apatia e omissão em denunciar as injustiças, os desmandos das autoridades, as agressões à natureza. O diálogo do silêncio perdeu o sentido de ser nas nossas relações, onde cada vez mais nos tornamos o dono da verdade, o dono da voz, bestializados e embrutecidos pelo trabalho alienado. Temos que ressaltar a educação mais nas pessoas sábias do que eruditas. Não temos o costume e nem a tradição com as técnicas de meditações das filosofias orientais. É preciso urgentemente tempo para o silêncio, para o ócio criativo, para o não fazer nada com sabedoria.
(*) Elcio Cavalcante é professor de história em Fortaleza (CE).

6 comentários sobre “A voz do silêncio e o silêncio da voz”

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  2. Acabo de me deparar com uma análise filosófica muito aprofundada sobre o silêncio. Pode não ter abraçado tudo, mas alcançou a proximidade da exaustão sobre o tema… É isso!

  3. Querido Élcio,
    Achei o seu texto um espetáculo de se ler.
    A frase “o silêncio também incomoda, pois nos coloca frente a frente conosco” tem muito a ver comigo, e sempre costumo dizer que o silêncio me incomoda às vezes me tira até sono.
    Hoje aprendi com você a importância de calar e falar na hora certa.
    Obrigada por sua amizade.
    Que presente hein?
    Beijos e parabéns por tão sábias palavras.
    Da amiga
    Aurélia Lima

  4. Elcinho,
    Parabéns pelo texto, ficou genial!!
    Sou sua fã!
    Te envio 2 frases sobre o silêncio, logo você vê que comungo com você em gênero, número e grau:
    “…Apenas no silêncio interno, a alma descobre os segredos de Deus…”
    Frederick William Robertson
    ‘A raiz dos problemas dos homens é sua incapacidade de se sentar só em uma sala, por qualquer período de tempo’…
    Quando nos calamos, tornamo-nos lúcidos, e com maior clareza distinguimos o certo do errado.
    Ouvimos com melhor clareza nosso desejo real, porque entramos em contato com a Sabedoria que reside em nosso interior.” (Pascal)
    Beijo grande, Simone

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