A juventude se mobiliza por uma educação inclusiva no Chile

Chile. Em maio de 2011, estudantes secundaristas e universitários chilenos, acompanhados por professores, reitores de universidades e trabalhadores em greve, sairiam às ruas para a primeira de uma série de manifestações que se estendem até hoje. Convocados a princípio pela Confech, a Confederação de Estudantes do Chile – organismo que agrupa as distintas federações de estudantes de universidades estatais, os jovens saíram às ruas para expressar sua inconformidade com o atual sistema educacional chileno e para exigir profundas reformas no mesmo.
Os estudantes de universidades públicas e privadas uniram forças pela primeira vez para dar voz às suas demandas, tomaram as vias públicas e as próprias instituições de ensino em todo país, numa das manifestações mais importantes realizadas no Chile desde a redemocratização. Segundo os organizadores, somente a marcha realizada no dia 30 de junho reuniu cerca de 400 mil manifestantes em nível nacional.
Sem dívidas nem desigualdade
Uma das principais exigências dos jovens é que se extinga o endividamento que prejudica alunos das escolas públicas e privadas de nível superior. No país, o governo concede empréstimos para a educação a uma taxa de juros de 2% a 6% ao ano, que começam a ser pagos dois anos após o ingresso na universidade. Os representantes dos movimentos, entretanto, afirmam que nenhum estudante deveria se endividar por receber educação, pois ela é “um valor fundamental e não uma mercadoria”. Os estudantes afirmam ainda que a educação é um direito e não um bem de consumo, como declarou uma vez o presidente chileno Sebastián Piñera.
Ainda assim, os jovens reivindicam que o Estado injete mais recursos para revitalizar e fortalecer a educação pública. Exigem que seja assegurada a gratuidade como um mínimo necessário e que se amplie o sistema de bolsas para os setores com menos recursos, como mecanismo para assegurar a igualdade de oportunidades em todos os segmentos da sociedade. Também exigem a revisão do atual sistema de seleção para as universidades, considerados pelos manifestantes como “discriminador e classista”. Em seu lugar, os estudantes propõem uma forma de teste que selecione os alunos de acordo com seu talento.
“O verdadeiro diálogo que o Chile precisa é aquele que se preocupe em assegurar as condições materiais para que nenhum jovem com talento e capacidades seja excluído do sistema público, aquele que garanta uma educação integral, comprometida com os valores éticos e democráticos de participação e liberdade solidária, respeito aos direitos humanos, valorização e preservação do patrimônio cultural e natural, respeito a diversidade cultural”, escreveu em seu blog pessoal a presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECh, na sigla em espanhol). Em geral, os estudantes demandam emendas de profundidade à Constituição do país, que favoreçam o ensino público gratuito, contra a exploração lucrativa do ensino, e assegurem a liberdade de expressão e organização de estudantes, professores e trabalhadores em todas as instituições de ensino.
Uma demanda histórica
As reivindicações atuais dos jovens são fruto de uma mobilização estudantil de 2006, conhecida como “A Revolta dos Pingüins”. Nesta, mais de 100 mil estudantes chilenos saíram às ruas numa sexta-feira, 26 de maio, e na terça-feira, 30 do mesmo mês, cerca de 600 mil alunos se uniram numa greve nacional. Entre queixas levantadas pelos estudantes estava a revogação da Lei Orgânica Constitucional de Ensino (LOCE, de 1990), responsável pela definição e regulação dos requisitos mínimos de qualidade da educação básica e do ensino médio. Exigiam também o fim da municipalização do ensino, considerada o passo inicial para a privatização do sistema educacional, e a gratuidade da Prova de Seleção Universitária (espécie de vestibular do País) e a tarifa zero no transporte no caso dos passes escolares.
O movimento estudantil é parte de um movimento social mais amplo que pleiteia reformas substanciais no modelo econômico e político estabelecido durante a ditadura militar que governou o Chile por 17 anos. Este modelo, supervisionado pelo guru do neoliberalismo Milton Friedman, entregou a maioria das empresas estatais aos grupos privados, gerando assim uma forte desigualdade econômica entre os habitantes do país. “A principal demanda dos movimentos sociais que têm protestado é que todos os chilenos desfrutem da riqueza e dos avanços do país, mas são apenas um pequeno setor da sociedade”, disse o sociólogo Miguel Urrutia, professor Universidade do Chile, em entrevista ao portal da rede BBC.
Sem baixar a guarda
Até hoje os protestos continuam. Eles são acompanhados por greves de fome e outras manifestações criativas como danças, performances, concertos, leituras em voz alta e representações teatrais em frente ao Palácio do Governo. Nas praças centrais, cartazes gigantes pendurados em edifícios e árvores exibem frases como “A luta é de toda a sociedade: Todos(as) uma educação gratuita”. Depois de proibir as marchas e e receber como resposta a desobediência dos protestantes, o governo de Piñera realizou por meio do Ministério da Educação algumas propostas para os estudantes, que buscam mitigar o movimento, sem cumprir as demandas reais. Os estudantes já expressaram publicamente que rechaçam estas propostas e convocaram novas manifestações.
“O senhor Ministro da Educação acredita que simplesmente nos chamando para sentar e conversar (…) iria nos convencer que estávamos “de acordo” e que poderíamos chegar a um consenso. Sabemos que seus anúncios revolucionários são apenas palavras vazias”, escreveu em seu blog Camila Vallejo. “O verdadeiro diálogo que a educação superior necessita se ergue sobre o paradigma do reconhecimento da educação como um direito universal e como um investimento fundamentalmente social, eixo estratégico para o desenvolvimento justo e harmonioso do país e para seu fortalecimento democrático”.
(*) Reportagem publicada originalmente no Desinformémonos.

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