A fogueira dos insurgentes

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Presidente Evo Morales, encerra a Campaha Política na cidade de Llallagua ( Potosí) no dia 29/11. Foto: Agência Boliviana de Informação.
 
Na matéria “Onde erramos?”, falei na talvez última tentativa da direita em tentar reduzir o tamanho do triunfo de Evo Morales e seu “proceso de cambio” (mudança) nas eleições de hoje (06/12). Foi através da Corte Nacional Eleitoral (CNE), que fez uma espécie de depuração nos 5,1 milhões de eleitores inscritos, colocando 400 mil na condição de “observados”, cujos registros no novo padrão chamado biométrico teriam indícios de irregularidades na documentação. Então, foi dado o prazo até o dia 3 para que os “observados” comprovassem sua habilitação ao voto no dia 6. Tal decisão da CNE ocorreu faltando uns 15 dias para o pleito. Falei que no sábado, dia 28, 93 mil dos 400 mil já tinham regularizado sua situação.
Esta posição da CNE, que foi aplaudida pela oposição, provocou uma reação fortíssima do governo: o próprio Evo, que não usa malabarismos verbais para dourar ataques aos adversários – fala direto como fala o povo -, chegou a dizer que Antonio Costas, o presidente da CNE, é o verdadeiro chefe de campanha da oposição; o Cambio, jornal estatal, fez um editorial tachando a atitude da Corte de “genocídio político”, uma tentativa de matar a cidadania de 400 mil bolivianos.
E aqui, ao contrário do Brasil, quando você fala de reação do governo, você está falando de reação dos movimentos sociais, dos indígenas/campesinos, dos “obreros” (obreiros, operários, mineiros, trabalhadores). Para quem tem olhos habituados à pasmaceira social brasileira, é de certo modo inacreditável (não quero desmerecer os esforços dos movimentos sociais do Brasil – os méritos do nosso MST, por exemplo, são reconhecidos internacionalmente -, mas em termos de capacidade de mobilização (de “convocatória”, como dizem por aqui), a diferença é imensa. Na minha modesta opinião, como dizem os argumentadores mais jeitosos, está aí a chave do êxito do processo revolucionário na Bolívia atual, ao contrário do jogo deprimente da política de elite no Brasil, por exemplo. Não se sente o cheiro de povo na política brasileira, no que pese – tento não ser injusto – um certo diferencial e relativo sucesso do nosso presidente Lula).
Mas voltando, ia me perdendo na digressão:
Os movimentos sociais se mobilizaram e os “observados”, os eleitores que seriam excluídos (era muita gente para ser habilitada em tão pouco tempo), correram para as filas, sobrecarregaram as linhas telefônicas da CNE: queriam porque queriam votar no dia 6.
Atenção: falei que no sábado, dia 28, já eram 93 mil os “observados” habilitados a votar. Pois, na segunda, dia 30, o número dos habilitados já chegava a 274 mil, em torno de 68% dos 400 mil “observados”.
Desfecho: na terça-feira, dia primeiro, pela manhã, a CNE decidiu revogar sua decisão: não há mais “observados”, todos estão habilitados a votar no dia 6.
Ouvi a notícia na TV por volta das 13:30 horas do mesmo dia primeiro. Logo em seguida fui à sede central da Corte (para me credenciar a cobrir as eleições e a contagem dos votos). A rua em frente ao prédio da CNE estava cheia de indígenas (uns 300), com aqueles ponchos (é assim mesmo o nome? aquelas mantas coloridas) e chapéus característicos, uma grande faixa de uma federação campesina. Gritavam: “Qué queremos, carajo?” Respondiam: “Habilitación”.
Perguntei a uma policial: “Mas a Corte não já decidiu habilitar todo mundo?” Ela me respondeu: “É, mas eles não sabem ainda”. Minha impressão é que “eles” (a grande massa do que poderíamos chamar de insurgentes populares, a maioria pobre) não querem nem saber, não acreditam no que divulgam os meios de comunicação.
À noite, vi na TV que os manifestantes, no final, lá mesmo em frente ao portão da Corte Nacional Eleitoral, fizeram uma fogueira com as listas distribuídas pela CNE contendo os nomes dos 400 mil “observados”.
(Manchete de primeira página da quarta-feira, dia 2, do jornal La Razón, considerado o de maior circulação da Bolívia: “Fim da incerteza; todos os observados podem votar”. Destaques: “Antonio Costas diz que a pressão não foi fator decisivo”; “O governo valoriza a decisão e manda uma advertência à CNE”; “A oposição duvida da transparência nas eleições”.
Observação minha: uns 300 observadores internacionais acompanham o pleito, a maioria da União Européia (UE) e Organização dos Estados Americanos (OEA). Até agora, nenhum levantou qualquer suspeita quanto à lisura do processo).
(*) Jadson Oliveira é jornalista.

2 comentários sobre “A fogueira dos insurgentes”

  1. Não, companheiro. Sempre trabalhei em Salvador, Bahia. Depois que me aposentei, há quase três anos, ando viajando por alguns estados brasileiros e alguns países da América Latina/Caribe.
    Abraços e obrigado pelo parabéns.

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