A esperança

Seleção de extratos do livro Viver na Esperança de José Comblin, realizada por Philippe Dupriez

A esperança será a força que animará os discípulos na sua missão de fazer um mundo diferente. (Viver na Esperança – p.6)

Seria uma ilusão crer que a esperança é espontânea no ser humano. Espontâneos são os desejos, os sonhos, as projeções tecnológicas, mas não a esperança. Esta terá que ser cultivada. É uma tarefa perseverante e sistemática. Ora, o porvir de Deus é reservado aos que o esperam, não aos distraídos, nem aos indiferentes. Educa-se a esperança. Não será essa justamente a tarefa da Igreja em relação à humanidade?

A história não será repetição indefinida dos mesmos esquemas. A história tampouco chegou ao fim, como se tivesse esgotado todas as possibilidades. Pelo contrário, o tempo fica aberto, o tempo é o ambiente em que o Espírito suscita a novidade. A história reserva-nos surpresas, superação do passado e construção de novas formas seguindo o caminho da ressurreição embora o fim seja reservado à plena manifestação fora deste mundo. (p. 8)

A esperança não é desejar; é obedecer ao caminho de Deus, situar-se na trajetória do plano de Deus, reconhecer as etapas marcadas pelas promessas e permanecer aberto e disponível para a etapa seguinte até o passo final. Os nossos desejos não têm proporção com aquilo que Deus prepara. O que nos dispõe para o reino de Deus não é o desejo e sim a inteligência espiritual e a aceitação dos caminhos do Espírito. (p. 15) … A esperança é a forma humana da liberdade.

A esperança é uma nova experiência do tempo. Ela confere a todos os momentos, todas as etapas um valor de plenitude. (p.16)

Para poder manter a esperança, precisamos fixar o olhar em Jesus Cristo.(p.19) … Só subsiste o que é divino na Igreja; e divina é apenas essa missão de mostrar, de apontar para Jesus Cristo. (p. 19)

A esperança cristã é constância e, às vezes, em meio à solidão mais completa. Nem sempre a desolação será tão forte. A esperança prossegue firme apesar dos altos e baixos, dos acontecimentos, da evolução pessoal, das tentações e das perseguições, sempre como um tesouro levado em vasos de barro. (p.23)

Vigiar consiste, em primeiro lugar, em permanecer atento. Não se trata somente ou primeiramente da espera do fim deste mundo. A exortação vale em primeiro lugar para todas as vindas de Deus na nossa história. Pois, podemos permanecer cegos ou indiferentes e não perceber o que Deus diz agora. Quem não se preocupar e se dedicar aos assuntos corriqueiros, sem dar atenção ao que pode ou deve acontecer, corre o risco de deixar passar a chegada de Cristo sem perceber o acontecimento. Pois ninguém sabe a hora. Portanto é preciso estar disposto a qualquer momento. Requer-se uma atenção continua. “Como aconteceu no tempo de Noé, assim acontecerá no advento do Filho do Homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comia-se e bebia-se, casavam-se homens e mulheres, até o dia em que Noé entrou na arca. E não deram importância até que veio o dilúvio e os consumiu a todos” (Mt 24,37-39).

Com isso, Jesus não quer dizer que não podemos dedica-nos aos nossos afazeres, mas antes que, em meio a todas as ocupações tenhamos sempre o sentimento de que tudo é provisório, que outro apelo pode ressoar, que não devemos apegar-nos de tal modo a determinada atividade ou situação que não possamos deixá-la para responder a outra exigência de Deus. (p.26)

A vigilância é particularmente necessária porque é fácil não reconhecer a vinda de Cristo. Se ela viesse precedida por sinais sensíveis semelhantes aos sinais que anunciam a vinda de personagens importantes, não haveria problema. Mas acontece que a vinda de Jesus Cristo não obedece aos critérios habituais. Ele está entre mulheres e homens, passando e chamando, e muitos não o percebem. Pode ter passado sem que ninguém o tenha reconhecido. Somente quem estava realmente atento a ele o pôde reconhecer. (28)

Não basta esperar. É preciso esperar com a inteligência das coisas de Deus. (28)

De certo modo cada um de nós é responsável pela esperança de seus irmãos. “Vede, meus irmãos, que não se ache alguém entre vós que venha a perder interiormente a fé a ponto de abandonar o Deus vivo. Mas admoestai-vos uns aos outros cada dia, durante o tempo que se chama hoje, para não acontecer que alguém de vós seja endurecido com a sedução do pecado” (Heb 3,12-13). Pois, a ilusão   do poder, do conforto, da riqueza ameaça sempre até os melhores.

Dessa maneira, a vigilância torna-se um exercício comunitário. Que já houve no passado excessos de vigilância ou formas indiscretas de vigilância em relação aos demais, não há dúvida. Se a vigilância se transformar em controle ou fiscalização dos irmãos, a vigilância engendrará novamente a Inquisição. Não se trata tanto de fiscalizar a conduta, como de fortalecer e comunicar a esperança, organizando uma corrente de esperança, em que se deixa cada um com a responsabilidade das suas obras. Sabendo que as maiores tentações surgem, no fundo, do desespero, devemos assumir a esperança da Igreja e dos seus membros, não a falsa segurança dos fariseus. Nem as falsas profecias das seitas, mas a verdadeira vigilância que aguarda a chegada do Senhor na hora que ninguém sabe.

A esperança da Igreja não encontrará apoio nem na firmeza de suas instituições, nem no poder de sua influencia, nem na estima das pessoas ou na posição social que poderia ter, mas tão somente nas promessas de Cristo e na certeza da sua vinda tanto no presente como no futuro. Estejamos dispostos e reconhecer os verdadeiros sinais. (30)

Lançar-se para frente a serviço do alvo colocado por Deus, a serviço do porvir que germina neste mundo e no outro, essa é a esperança concretamente vivida. (31)

Na origem de todas as grandes obras, houve uma fermentação de sonhos, projetos e aspirações, houve uma dedicação apaixonada àquilo que ainda não existia, para que chegasse a existir, houve uma intuição de possibilidades inéditas e um lançar-se com determinação para o futuro. Não basta ter grandes desejos para realizá-los. Mas ninguém realiza grandes obras sem ter tido grandes desejos.

Assim ocorre também, e mais ainda, em relação a Deus. Trata-se de fixar os olhos na direção de um futuro invisível, de ver a realidade que ainda não existe e a maioria não enxerga, sacrificar o que existe bem concretamente àquilo que ainda não é concreto. (31)

A conversão é necessária para sensibilizar a pessoa para a vinda de Deus. Ela constitui essa esperança ativa que faz acolher, torna a pessoa atenta para perceber a chegada do Senhor. Leva a pessoa ao desprendimento de tudo o que se acumula ou que monopoliza a sua atenção. A conversão faz deixar de lado as preocupações cotidianas sem o que é impossível ocupar-se dedicadamente pelo reino de Deus. Pois a esperança é a forma humana da liberdade. A pessoa não faz a sua vida. Pode apenas e verdadeiramente dispor-se para o futuro que se aproxima, abrir-se, tornar-se receptiva.

O apelo para a conversão mostra que qualquer pessoa não é apta para acolher a vinda de Deus. Quem não fizer a sua conversão não saberá nem reconhecê-lo, nem segui-lo. Por outro lado, é interessante que os evangelhos que nos falam da conversão não definem o seu ponto de chegada. Converter-se para ser o que? Os fariseus esperariam uma definição de obras, como esse rabino antigo que afirmava que o Messias viria no dia em que todos os judeus respeitassem perfeitamente o sábado. Ao invés disso, os evangelhos não propõem nenhum programa. É preciso mudar, sem que se saiba até onde vai a mudança, onde pode parar, qual é o estado aceitável. Com certeza, o que importa é o próprio movimento de se afastar do passado para procurar um futuro diferente. (32)

Há um modo de ser que torna a pessoa insensível à luz de Deus. Há outro modo de ser que a torna de certo modo transparente. Há obras situadas num ambiente em que se reconhece a luz, outras que tornam as pessoas cegas. É o fundamento da ascese cristã. Esta não procura a satisfação do autodomínio da pessoa, nem procura apagar as paixões e nem concentrar a atenção da pessoa na sua interioridade, nem criar um ser indiferente aos acontecimentos, isolado em si mesmo ou isolado no pensamento de um ser superior pensando que assim está contemplando o verdadeiro Deus. Nada disto aparece nos evangelhos. Todo exercício ascético se justifica somente como meio para que o cristão permaneça atento à vinda de Cristo. Sendo meio para a vigilância, a ascese verdadeira significa a busca da esperança. (33)

A verdadeira esperança constrói-se acima das ruínas das ilusões perdidas, dos esforços desiludidos, dos sonhos traídos. (41)

A esperança abre a porta da caridade, porque abre para a vida, deixando de temer a morte, nem que seja por alguns momentos. (43)

 

Deixe uma respostaCancelar resposta