A culpa é do homem: Mais de 500 mortes já foram registradas no Rio neste verão, e não há como responsabilizar a natureza

Mais de 500 mortes já foram registradas no Rio neste verão, e não há como responsabilizar a natureza. Por Redação Carta Capital.

Em Teresópolis, área de encosta veio abaixo com a água. Foto: AFP

Desde o início dos tempos é verão nos trópicos. A estação iniciada no dia 21 de dezembro trouxe as chuvas que, marcadamente, são fortes nas primeiras semanas do ano. A novidade nessa roda natural do tempo é que a partir da ocupação desordenada das serras e das planícies nas regiões metropolitanas o temporal desse período tem provocado mortes. Hecatombes.

Tem chovido bastante na Região Sudeste. A chuva já castigou São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. No Rio de Janeiro, no entanto, a situação é quase sempre mais dolorosa. A gravidade nunca havia alcançado a dimensão de agora nas primeiras 48 horas de temporal nos dias 11 e 12 sobre a região serrana do estado, castigadas mais seriamente as cidades de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. Foram contadas 495 mortes, até o início da noite de quinta-feira, 13. Há milhares de desabrigados. O cenário é de destruição.

Não há como culpar a natureza. O País está diante de crimes cometidos pelos homens. Há uma irresponsabilidade contínua dos prefeitos de cada uma dessas cidades. Alguns por fazerem vista grossa para as ocupações desordenadas. Outros, por incentivar as moradias nas encostas. Os sucessores não fiscalizaram os antecessores, seja por camaradagem partidária, seja pela omissão provocada pela avidez de se manterem no poder a qualquer preço. E o preço é esse que se vê ao longo dos anos.

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Naturalmente, a população pobre é a principal vítima desse comportamento criminoso. Vez por outra, como agora, os mais abastados tornam-se vítimas também. Mas, em regra, não são vítimas fatais. É o caso de dois filhos do saxofonista George Israel, da banda Kid Abelha, que passavam as férias em Teresópolis. A água ilhou a casa onde estavam e o pai pôde resgatá-los de helicóptero. Felizmente, somente um grande susto.

Diferente o destino do pedreiro Juacirde Ponte Rabelo, de 65 anos. Ele descreveu para o jornal O Globo um dos momentos do temporal que destruiu a casa onde vivia: “A correnteza era forte e carregava tudo o que havia no caminho. Para não ser levado tive de fazer um buraco no teto e subir no telhado com o meu irmão”. Infelizmente, não havia helicóptero para resgatá-los.

No jogo do acaso, a tragédia maior atingiu a estilista Daniela Conolly e sete parentes dela. Todos morreram afogados enquanto dormiam, hospedados em sítio alugado de um membro da tradicional família Gouveia Vieira, no fascinante Vale do Cuiabá. “É desesperador”, lamentou o vice-governador fluminense, Luiz Fernando Pezão, na ausência do governador Sérgio Cabral, que, com a família, voltou ao Rio rapidamente, encerrando as férias no exterior.

Pezão sobrevoou a região e constatou: “É pior do que Angra dos Reis no ano passado”. O temor é o de que no ano que vem a situação seja ainda pior, a considerar que a sequência histórica tem sido assim.

A presidenta Dilma Rousseff conversou com Cabral por telefone, também sobrevoou a área atingida e visitou um desses locais. E -liberou imediatamente um repasse de 780 milhões de reais para socorrer as vítimas das chuvas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Diante da dimensão do que ocorreu no Rio, as chuvas em São Paulo, embora com consequências lamentáveis, foram gotas caídas do céu. São situações essencialmente diferentes.

O temporal na capital paulista também aconteceu na noite do dia 11 para o dia 12. Durou cerca de quatro horas. Houve 127 pontos de alagamento, o maior desde 2005, que praticamente pararam a cidade. A situação em São Paulo parece mais uma questão de má administração do que propriamente de irregularidades criminosas no processo de ocupação das áreas que circundam as cidades, como no Rio de Janeiro. Os rios Tietê e Pinheiros transbordaram, embora no ano passado tenham sido inauguradas todas as obras de expansão da Marginal do Tietê pelo governo do estado. O investimento contra enchentes foi calculado em 8,7% menor que em 2008. Em qualquer circunstância, a irresponsabilidade é a grande promotora desses espetáculos.

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2 comentários em “A culpa é do homem: Mais de 500 mortes já foram registradas no Rio neste verão, e não há como responsabilizar a natureza”

  1. Sergio José Dias – Professor do Estado e da Prefeitura da Cidade do Rio de janeiro, angustiado com a situação da educação pública brasileira e na luta por uma escola laica, universal, de qualidade e em tempo integral.
    Sergio José Dias disse:

    Palavras do Pelenegra: A questão é ambiental, mas também de cunho social. O uso do solo, a ocupação da terra não seguem o Estatuto das Cidades, que prevê a prevalência do uso social do solo urbano sobre a especulação imobiliária, no entanto, nada é feito neste sentido pelos diversos governos. Fala-se muito de reforma agrária, mas esquece-se da reforma urbana. Devemos observar como a propriedade imobiliária nas cidades está concentrada nas mãos de uns poucos, enriquecendo-os, enquanto, parcelas gigantescas da população vivem nos morros do Rio de Janeiro, como se fossem cabritos, e em São Paulo, há distâncias tão grandes do centro, que gastam horas para chegar ao trabalho, isso sem falar das outras capitais brasileiras e cidades médias.
    Reforma agrária? Muito mais séria é a questão da reforma urbana, e neste sentido, o acesso ao mercado formal de trabalho, e mesmo quando estando neste, o problema dos baixíssimos salários que recebem os trabalhadores, isso inviabiliza a sua entrada no mercado de compra e venda de imóveis e os empurra para a moradia ilegal e para a favelização. Na verdade, a cidade formal serve à especulação financeira. Este território não é para todos, mas sim para uns poucos apaniguados, capacitados financeiramente a terem acesso a todos os benefícios do capitalismo. Em uma fala da Maricato “É a terra urbana e rural. A terra está na essência da alma brasileira. A desigualdade no Brasil passa essencialmente pela questão fundiária. Campo e cidade. Só terminando a história dessa segregação, não tem nenhum mistério. Uma parte da população constrói as casas, constrói fora da lei e não tem lugar nas cidades. Às vezes os planos diretores não disseram onde os jovens iam morar, porque todo plano diretor é seguido de uma lei de zoneamento e a lei de zoneamento é lei para o mercado, e a nossa população tá fora do mercado.” E porque está fora do mercado? Porque os salários pagos por nossa elite são irrisórios, mas garantem aos donos do capital altíssimos lucros. É como nos disse há muito tempo atrás o sociólogo Francisco de Oliveira, para garantir a acumulação de capitais para nossa burguesia mantemos os trabalhadores vivendo em total ilegalidade, levando-os ao acesso irregular de todo e qualquer serviço: de energia elétrica, de telefonia, de internet, e inclusive, de moradia, ou seja, a favelização.
    Para Maricato, mexer nesta estrutura territorial urbana levaria o país a uma revolução. Ela afirma: “Se voce de repente pega todo mundo que ocupou os morros do Rio de Janeiro, que estão desmoronando, ou dos morros de São Paulo, que desmoronaram meses atrás, e proíbe de ocupar, é guerra. Mas aí alguém fala: tem que ter uma política habitacional. Tem. Metade da população do Rio de Janeiro mora em domicílios ilegais. Como é que você faz uma política habitacional para incorporar metade da população sem uma completa revolução com a terra? Sem uma completa mudança na característica do mercado imobiliário? Sem uma completa mudança no direito de propriedade? Sem uma completa mudança da forma de ação do Estado? De que jeito?”

    Para finalizar, são estas as moradias mais fragilizadas nos momentos das grandes tragédias ambientais. mas enquanto tivermos esta estrutura habitacional pouco poderá ser feito.

    http://pelenegra.blogspot.com/2011/01/fonte-viomundo-palavras-do-pelenegra.html

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