A cozinha como um estilo de vida, por Julie & Julia

Bom dia. Dois filmes que assisti nas últimas duas semanas e gostaria de comentar.

Comecemos pelo primeiro: Julie e Julia.

Dirigido por Nora Ephron, conhecida principalmente por seus filmes anteriores: Sintonia de Amor e Mensagem pra você. Como o trailer, o teaser e acho que até o cartaz já diziam, é baseado em duas histórias verdadeiras, dois livros serviram de base para a inspiração: My Life in France, de Julia Child e no homônimo, Julie e Julia, de Julie Powell.

O primeiro, escrito por Julia e complementado por cartas dela e de seu marido para amigos e parentes, conta sua experiência como mulher de embaixador à procura de uma atividade em Paris e a descoberta de sua paixão pela culinária.

O segundo é uma junção dos posts do blog de Julie Powell, que resolveu fazer as 500 e poucas receitas do livro “Mastering the art of french cooking” (escrito por Julia Child) durante 365 dias.

Independente de qualquer critério artístico cinematograficamente falando, esta resenha será focada no conteúdo.

Não dá pra negar, filmes americanos, em sua maioria, e principalmente hollywoodianos, tendem a contar uma história. De cabo a rabo, com o mínimo de arestas ou nós frouxos possíveis. Um conteúdo empacotado numa forma idealmente planejada para ser discreta, suave e eficiente. Por isso, o que tenho a dizer sobre a luz, o som e outras questões técnicas é irrelevante. Bem feitos, claro. E as atuações estão ótimas. Meu chapéu para Merryl Streep, pela enésima vez, que não encarna ou se torna seus personagens, mas dá vida e cor e luz e voz a eles.

Além do mais, não foram esses aspectos que mais me chamaram atenção. O que me interessou foram essas personagens, a trajetória que seguem e as sensações que obtemos através de suas histórias.

O formato em montagem paralela é muito interessante, pois conseguimos observar as constantes aproximações entre a vida dessas duas mulheres, suas dificuldades, motivações, paixão pela cozinha e por seus maridos. Apesar das semelhanças e referências entre ambas, não creio que a montagem tenha tido a intenção de manter uma fluidez e imperceptibilidade nas transições, como alguns poderiam pensar e criticar por não alcançar, pois acredito que há uma divisão clara entre as seções que deve ser mantida não só por conteúdo, mas pela forma.

Certamente a narrativa de Merryl Streep carrega o filme, com todo seu charme e sua presença, não só em tamanho (falseado e aumentado dos 1,68 aos 1,88 em tela), mas na alegria que trasmite com seu sorriso e a graciosidade de seus gestos. Sua voz engraçada, feita sob medida para a personagem, além das caras e bocas emprestadas para Julia Child preenchem a personalidade cativante dessa mulher que superou dificuldades e preconceitos para se tornar uma cozinheira e lançar seu livro de culinária, vendido até hoje.

Julia Child pode ter sido apenas uma mulher na vida real. Pode ter tido muitos defeitos, nem ter sido tão interessante quanto vemos no filme. Mas essa Julia, a verdadeira, não é a que nos interessa, nem que interessava a Julie Powell. O que ela e nós temos é uma fantasia. Uma mulher maravilhosa que nos ajuda seja a cozinhar, seja a apreciarmos pequenas coisas da vida ou simplesmente a sorrir. A Julia Child do filme de Nora Ephron é uma inspiração idealizada, um mito, um símbolo. No caso de Powell, daquilo que ela gostaria de se tornar. Uma mulher amada, bem sucedida em sua vida profissional e em família e que pudesse praticar aquilo que gostasse no seu dia a dia. No nosso caso, uma alegoria do que um filme como esse pode nos trazer. Não importa se aquilo tudo não é verdade, contanto que nos traga conclusões boas ou úteis, reflexões, alegria. E o que mais me impressiona é termos essa revelação do mito a nosso alcance.

Quando Julie consegue finalizar seu projeto e está radiante por causa da aceitação e do respaldo que está tendo, recebe o telefonema de um jornalista que diz ter conversado com a senhora Child e que esta teria relatado sua visão negativa em torno da iniciativa do blog de Julie. Ela fica arrasada e nessa hora, seu marido, corretamente, esclarece: isso não importa. Essa Julia com quem ele falou e que não mostrou compaixão ou entendimento não importa. E sim aquela que te inspirou, que te trouxe bons sentimentos e te impulsionou a ser melhor. E é isso. Sem rancor, sem maiores explicações, sem retaliações. Simplesmente um tablete de manteiga em sua homenagem e em agradecimento por toda a ajuda.

Ao longo dessas duas horas, acompanhamos as vidas dessas duas mulheres e crescemos com elas.

É muito bom quando podemos obter tamanhas compensações através de coisas tão simples, como cozinhar. Não só há uma mensagem de seguir atrás de seus sonhos (por mais “filme da Xuxa” que isso possa soar), como de apreciar aqueles que te amam e de ter paciência e saber lidar melhor com os obstáculos que surgem em nossos caminhos, mas principalmente, nos mostra que não há necessidade de abrirmos mão da fantasia. Deixemos ela fazer parte de nossas vidas e nos enriquecer.

Então é isso. Um filme feel-good sim e assumido, mas com subtextos que chegam mais próximos de nós do que esperaríamos.

Deixe uma respostaCancelar resposta