A força revolucionária dos gestos e iniciativas moleculares

“Quae stulta sunt mundi, elegit Deus ut confundant sapientes.” (1 Cor 1, 27ª)

(As coisas consideradas tolas, aos olhos do mundo, Deus escolheu para confundir os que se consideram sábios)

Em textos precedentes, temos insistido na necessidade e urgência de ousarmos passos em direção a um novo modo de produção, a um novo modo de consumo e a um novo modo de gestão societal, ao mesmo tempo em que temos tido o cuidado de insistir na adequada e orgânica articulação entre essas três dimensões-alvo. Nas linhas que seguem cuidamos de centrar  atenção mais diretamente sobre a dimensão do consumo.

Parte considerável de nossa ansiedade ou angustia, prende-se à nossa tendência a superestimar o alcance de “grandes” eventos, de acontecimentos espalhafatosos como sendo os que realmente fazem a diferença. Ledo engano! Sem ignorar ou subestimar o alcance de grandes acontecimentos, corremos o grave risco de subestimar fatos, gestos, iniciativas, acontecimentos que têm lugar em espaços pouco conhecidos, protagonizados por gente simples, em seu dia-a-dia, em mais uma prova de que o grande equívoco de nossa parte – o que sucede tão frequentemente – é o de estabelecermos um muro entre o “macro” e o “micro”, quando, na realidade, um está contido no outro, de algum modo. Em vez de uma avaliação disjuntiva  (“ou isto ou aquilo”), acabam ganhando a parada aqueles e aquelas que preferem o exercício da interconexão (salvo casos de fato antagônicos). As linhas que seguem, têm o propósito de trazer à tona a potencialidade revolucionária dos “pequenos” gestos e iniciativas praticados no anonimato do dia-a-dia, por gente simples, vivendo em lugares pouco conhecidos e realizando coisas maravilhosas.

Influenciados pelo domínio das aparências – daí o sucesso extraordinário da publicidade e da propaganda comerciais -, acabamos perdendo de contemplar a força revolucionária de “pequenos” gestos, de iniciativas moleculares portadoras de sementes de inovação, em todos os planos da realidade. Quantas vezes, graças ao barulho da propaganda oficial, somos induzidos a alimentar grandes expectativas em grandes eventos, do tipo Encontro do G-8 e similares, enquanto que bem perto de nós, estão se dando tantas coisas de grande potencial transformador, seja em relação à Mãe-Terra, seja em relação a sinais extraordinários de uma sociabilidade alternativa à barbárie capitalista!

Nesse sentido, os exemplos ilustrativos que aqui compartilhamos correspondem a apenas um pequeno aperitivo ao que cada leitor, cada leitora dessas linhas teria a acrescentar ainda com maior propriedade. Vejamos alguns exemplos.

No campo das iniciativas comunitárias ou de organizações de base de nossa sociedade civil, despontam, com efeito, impactantes iniciativas, a exemplo daquelas coletivamente compartilhadas recentemente, num dos encontros de associações ligadas à ASA.

Quanto menos afeitos  observação do que se passa nas “correntezas subterrâneas”, mais vulneráveis nos tornamos aos efeitos deletérios da publicidade e da propaganda, almas do negócio da lógica capitalista. Basta que observemos a eficácia da propaganda nababesca do agronegócio, a convencer milhões e milhões de telespectadores incautos de sua excelência, de sua tocante sensibilidade ecológica, e até de sua ética… Novos discípulos de Goebbels, seus protagonistas sabem que uma mentira – ainda quando misturada de traços secundários de verdade -, quando e se repetida mil vezes, acaba passando por verdade, ante olhos e ouvidos controlados pela normose, sem condições de perceber o que se esconde por trás de sua estratégia. Ao contrário desses efeitos, funciona  o jeito próprio das ações protagonizadas nas “correntezas subterrâneas”, desprovidas de propaganda e publicidade, acessíveis àqueles e àquelas que as acompanham de perto, no laborioso silenciamento do dia-a-dia. Só quem tem olhos para ver tais experiências frutuosas, é capaz de sentir seus impactos revolucionários. Delas pouco ou nada se ocupam os grandes meios de comunicação de massa.

A seguir, cuidamos de compartilhar algumas dessas experiências e algumas pistas voltadas a sensibilizar e a potenciar tais iniciativas. Com a mera intenção de provocar um desencadear – da parte de cada uma, de cada um, um sem-número de exemplos ilustrativos, destaquemos, de passagens, alguns casos, nas mais distintas esferas de nossa vida social e pessoal, abrangendo igualmente os mais diferentes campos da realidade.

Não faz muito tempo, sem terem muito a esperar de governos descomprometidos com pautas populares, as forças vivas de nossa sociedade colheram promissores frutos, em sua ousadia de investir o melhor de si em fortalecer as condições de protagonismo de nossa sociedade civil, tendo conseguindo proezas, em sua ação molecular, sem negar também seus limites. O Semiárido é apenas um desses exemplos. Ainda nos anos 90, graças ao investimento maciço de nossas organizações de base em empoderar nossa sociedade civil, de dotá-la de instrumentos de considerável alcance transformador, vale a pena destacar um sem-número de iniciativas de convivência com o Semiárido, haja vista o sucesso de planos voltados à construção em mutirão de centenas de milhares de cisternas, de barragens subterrâneas, de aplicação de tecnologias alternativas, na área da agroecologia, do reuso de águas, de tecnologias à base de fontes alternativas de energia, e pequenos projetos de produção comunitária nas áreas rurais… só para mencionar uns poucos exemplos. Para se ter uma ideia do alcance socioeconômico e cultural destas inciativas, basta que comparemos os efeitos deletérios de grandes estiagens no Nordeste, nas décadas 70 e 80, por um lado, e por outro lado, os efeitos de longas estiagens recentemente ocorridas no nordeste.

É curioso, a propósito, constatar que até mesmo no campo da reforma agrária, nossas organizações de base conseguiram mais ganhos, durante governos liberais do que durante governos populares…

Lamentável, contudo, é constatar que, em não poucos casos, essas lições tendem a ser esquecidas, tal a voracidade de se apostar todas as fichas apenas no confronto com as pautas oficiais, restringindo, não raramente, as tarefas de nossa organização a oporem resistência pontuais, após cada ataque vindo dos “de cima”, sem centrarem forças em projetos de alternativos. Os resultados estão aí expostos a uma comparação… Não se trata de abdicarmos do dever de enfrentarmos a pauta oficial – isto também era feito, nos anos 90!

Trata-se também, no plano pessoal, de reacendermos nossa mística revolucionária, apostando nos gestos menos perceptíveis, mas de profundo impacto revolucionário. Há, com efeito, uma enorme série de “pequenos” gestos, que precisam ser reavivados em cada uma, em cada um de nós, no chão do dia-a-dia, tais como:

Ousar dar passos progressivos em busca de um estilo de vida sóbrio. Engano, pensar que isto “é coisa de sonhador”… Por exemplo, combater – dando exemplo! – o consumismo, nas mais distintas ocasiões do di-a-dia.

Ocorre-me pensar no caso do consumo excessivo de eletricidade nas salas de aulas de nossas escolas. Tempo houve – e não faz muito -, em que nossas salas funcionavam sem esse aparato generalizado de ar condicionado por todo canto. Se antes, sabíamos conviver com o ritmo sazonais da Mãe-Terra, em mossa região, por que hoje não podemos mais? Como vamos poder criticar, com autoridade, políticas governamentais que devastam povos e florestas, alegando que precisam construir mais e mais termelétricas, para responder às demandas de “desenvolvimento”.

Quantos gestos e iniciativas considerados “minúsculos”, também no âmbito pessoal, podem (e deveriam!) ser testemunhados, em nosso dia-a-dia, como livre opção nossa, inclusive sem qualquer necessidade de fazê-las na vista de outrem. Mais valiosos  se tornam, à medida que passam a figurar como parte de nossa rotina pessoal, verdadeiras zonas de reabastecimento e de exercício de nossa mística revolucionária. Exemplos poderiam ser arrolados, “ad infinitum”. Destaquemos, de passagem, alguns como ilustrações possíveis. Comecemos por uma pergunta talvez incômoda: “quanto eu custo à Mãe-Natureza? Quanto sou capaz de repor do que consumo, do que me beneficio? Por certo, a vida é gratuidade, não é objeto de cálculo, nem mesmo da relação custo-benefício. Por outro lado, também é certo que a  vida é movimento. É um constante ir e vir, um dar e receber. Neste sentido, pode fazer-nos bem perguntar-nos: nas mais diversas relações que teço com as demais pessoas, busco ao menos certo equilíbrio na balança do dar-receber? Ou, ao contrário, mesmo podendo tantas coisas, limito-me a receber da generosidade dos outros, pouco ou quase nada contribuindo com o que eu posso e devo? E não é preciso oferecer como uma troca comercial. Isto se dá espontaneamente, até sem que as pessoas percebam, dado meu empenho no silêncio das boas obras.

De modo similar, em minhas relações com a Mãe-Natureza, é útil fazer-me perguntas do tipo: no item água, como me comporto? Sou comedido, no uso da água, debaixo do chuveiro, ou, ao contrário, sou antes perdulário, aí permanecendo cinco, dez minutos, e com água aquecida? Como me comporto no controle da torneira, ao escovar os destes, ao lavar os pratos, ao lavar roupa…? Como me comporto em fazer meu prato: enchendo de tudo, para depois jogar fora metade? E por aí seguem os exemplos didáticos, dos quais sou chamado a extrair lição, também no último dia de 2018…

Cada gesto destes vem carregado de sementes – boas ou más, de sementes de joio ou de trigo, sinalizando o tipo de revolução em que me acho concretamente engajado, a ir realizando, desde o chão do meu dia-a-dia…

Reveillon 2019

Réveillon palavra de origem francesa que significa o despertar. 

Em cada início de ano, de ciclo é sempre bom despertarmos dentro de cada um de nós valores que norteiam nossa caminhada. 

O homem que não tem presente a sua história em sua memória está condenado a repeti-la. 

Ao encerrar um ciclo temos que olhar para dentro de nós, rever nossos passos e nossas decisões para não repetir os erros e tropeços. 

Em 2019, quero… 

…Despertar em mim a compaixão pelos pobres deste país e de todo o mundo e pelas pessoas que não admiro. 

…Lembrar que sou amado pelo que sou e não pelo que faço ou deixo de fazer pelos outros. Quando atribuo o meu valor pela dedicação demasiada ao outro, termino por me isolar e padecer de solidão. O egoísmo que nos isola dos outros é tão nocivo quanto à dedicação excessiva, onde nos anulamos em nome de um amor a humanidade, gerando culpabilidades àqueles a quem me devoto. 

…Lembrar que talvez a expressão maior do amor seja a humildade de receber e aprender com o outro, considerado como incapaz de dar. Se dou é porque tenho e isso é prazeroso. 

…Despertar o potencial resiliente de cada um de nós, que consiste na capacidade para enfrentar as adversidades da vida, superar-se e inclusive ser transformado por elas. 

…Lembrar da importância de gerar dúvidas nas nossas certezas, com perguntas que nos façam pensar, pois toda certeza é uma prisão que nos fecha ao diálogo.

…Lembrar que nenhum de nós é tão bom, quanto todos nós JUNTOS.

…Despertar a esperança de cada brasileiro que este novo governo esteja a serviço da nação, de seu povo humilde, dos primeiros brasileiros os nossos indígenas e suas terras e não em conluios com outras nações poderosas geradoras de tanta miséria e injustiça no mundo. 

…Despertar a consciência que o maior desafio para cada um de nós é aceitar conviver com as diferenças, respeitando a diversidade. 

…Despertar a consciência que sou tão importante quanto o outro e desta maneira amar o outro como a mim mesmo. 

…Despertar a consciência de ser uma poderosa gota d’água no oceano da vida e que eu preciso assumir meu lugar no mundo. 

…Lembrar que sou único e especial como cada um é. 

…Lembrar que acolher é dar sem cobrar nada em troca e receber sem se sentir em dívida. E que Cuidar não é dizer o que o outro tem que fazer, mas lembrar quem ele é. O outro já sabe, mas precisa ser lembrado. 
Em 2019 eu preciso tomar consciência que Eu sou único, eu tenho o direito de ser feliz de ocupar meu espaço de ter sucesso sem prejudicar e nem explorar ninguém, de dar minha contribuição, de me sentir pertencente a esta nação brasileira e dar minha contribuição para a construção de um mundo mais justo e respeitoso. 

Morro Branco-CE Dez.2018
Rumo a 2019.

Natal ontem e hoje

Ontem, na mitologia Cristã foi uma criança nascida, em um contexto de adversidades, sem casa, fugindo de perseguições, buscando abrigo em outras terras, que nos ensinou que somos mais fortes que as adversidades. Este menino veio para salvar a humanidade e nos lembrar que tudo pode ser superado. inclusive a morte.

Hoje, o contexto é o mesmo. Violências, corrupção, guerras levando populações a buscarem refúgios em outras terras ou ainda nas drogas. Muitos perderam o rumo da vida e vivem em “favelas existenciais e afetivas” por não ter tido um lar acolhedor um pai José e uma mãe Maria protetores. Muitos já conseguiram sair das “favelas materiais” mas ainda não conseguiram tirar a “favela afetiva“ de dentro de sí. Padecem de depressões, abandonos, solidão…

Natal nos lembra que no mundo dos adultos dos poderosos, daqueles que geram pobrezas e sofrimentos, bem como daqueles que nasceram em contextos que atacam a condição humana,foi uma criança, o menino Jesus, que indicou o caminho a seguir.

Hoje, O nosso salvador não virá mais de fora para nos salvar, ele já está dentro de cada um de nós. É a nossa CRIANÇA INTERIOR com tudo que ela representa como amor, simplicidade e compaixão. É aqui que reside a mística Cristã do Natal.

Não esqueça que sua maior riqueza está dentro de você em seu coração, na simplicidade e sabedoria da sua criança. É esta criança que no natal descobre outra criança que apesar das dificuldades familiares e contextuais pode ressuscitar das mortes que a vida nos impõe. 
A morte não é o fim e sim um novo começo.

Aproveite esta oportunidade natalina para dialogar com sua criança interior. Ela precisa de atenção de afeto e cuidados que só você pode dar. Só assim você pode tirar de dentro de você todas “as favelas “ que ainda ocupam lugar em sua existência. O maior desafio não é sair das favelas materiais e ter sucesso financeiro e sim tirá-las de dentro de você.

O natal é um momento especial para exorcizar tudo que nos impede de sermos felizes e vitoriosos. E isso só se consegue com um diálogo da criança que fui com o adulto que me tornei tendo o menino Jesus como exemplo de superação. Feliz natal pra você. 

Llegando

Me sorprendo en la continuidad de rituales que me prolongan de un día a otro.
Los libros que leo, en los cuales me veo reflejado, y sigo adelante en el día recién comenzado.
Resumiendo y reuniendo el ayer y todos los ayeres que soy, y aún lo que proyecto y me incluye. 
Los pasos titubeantes sobre el mundo que sigue ahí. 
Los intentos por construir un camino que sea capaz de traerme de hecho aquí.
Los rostros queridos que llevo conmigo, y aquella fugaz belleza que la vida prodiga por todas partes.
Las letras de este escrito prefiguran lo que es y seguirá siendo.

Natal de Jesus Cristo na periferia de Belém: “Não tenham medo!”

Natal de Jesus Cristo na periferia de Belém: “Não tenham medo!” Por Gilvander Moreira[1]

Reprodução: Cartão de Natal do artista Banksy: muro de Israel no caminho da Sagrada Família.

É tempo de natal e de virada de ano. Sob a avalanche do natal do mercado idolatrado, necessário se faz resgatar o sentido bíblico do Natal de Jesus Cristo, que é revolucionário. Faz bem entendermos a narrativa bíblica do Evangelho de Lucas (Lc 2,1-20) que versa sobre o nascimento do galileu que se tornou Cristo, que testemunhou um jeito de conviver libertador e salvador. O Evangelho de Lucas não é crônica jornalística escrita sob o calor dos fatos. Escrito na década de 80 do século I da era cristã, o Evangelho de Lucas é Teologia da História a partir dos oprimidos e injustiçados e da sua fé na ressurreição de Jesus Cristo. Que beleza que os opressores não exterminaram o movimento popular e religioso de Jesus! Fizeram uma grande sexta-feira da paixão, mas as discípulas e os discípulos de Jesus Cristo, experimentando que Ele vivia nelas e neles, construíram um domingo de ressurreição com pão, terra e liberdade para todos/as. Em algum lugar, nas periferias  do mundo, do ventre de uma mulher, uma criança quer vir à luz… Uma estrela aponta para um cantinho, em um pedacinho de chão… “Olha a glória de Deus brilhando!” Não morre a utopia da vida vencendo a morte, do amor vencendo o ódio e da justiça sobressaindo sobre a injustiça. Para o evangelista Lucas foram os pastores – os trabalhadores mais discriminados da época – os que, por primeiro, reconheceram a encarnação do divino no humano. Quando nasceu Jesus Cristo? Onde? Em que contexto? Na presença de quem? E foi visitado e acolhido por quem?

Jesus nasceu em tempos de imperialismo romano com o imperador Augusto baixando decreto para aumentar o peso da tributação nas costas do povo, além de manter a superexploração, por meio da escravidão, a quem eram submetidos mais de 60 milhões de pessoas nas muitas colônias do Império Romano. Diz o evangelista Lucas: “Naqueles dias, o imperador Augusto publicou um decreto ordenando recenseamento em todo o império” (Lc 2,1). Como o pai de Jesus, José, era descendente de Davi e natural de Belém, ele teve que viajar da cidadezinha de Nazaré, na Galileia, até Belém, na Judeia, mais de 120 quilômetros, a pé ou montando em jumento, com sua esposa Maria que estava na iminência de dar à luz (Lc 2,3-5). Em uma colônia dominada pelo imperialismo romano, por governadores submissos aos interesses imperiais e com a cumplicidade de um poder religioso – o sinédrio – que usava o nome de Deus para excluir e marginalizar a maioria do povo, como trecheiro, estradeiro, “irmão de rua”, migrante, retirante, sem-terra, sem-teto, refugiado, migrante e judeu da periferia, nasceu Jesus Cristo na periferia de Belém, pequena cidade do interior. Jesus não nasceu em Jerusalém nem na capital do império, nem em Brasília, nem na Avenida Paulista e nem nos Estados Unidos. Maria e José tiveram que ocupar um curral, porque não encontraram hospedagem em Belém, certamente porque não tinham como pagar hotel nem hospital particular. Ao descrever o nascimento de Jesus, o evangelista Lucas estabelece estreito paralelismo com a morte e ressurreição do Messias. De fato, em Lc 2,7a se diz que “Maria enfaixou Jesus e o colocou na manjedoura”; em Lc 23,53a afirma-se que “José de Arimateia enfaixou o corpo de Jesus e o colocou em um sepulcro”. Ou seja, o evangelista aponta que a missão de Jesus será espinhosa, terá que enfrentar a violência de podres poderes e de opressores e, por isso, será condenado à pena de morte, mas ressuscitará.

Jesus nasce no meio dos pastores (Lc 2,8), os injustiçados e execrados pela classe dominante onde estão os senhores “de bens” que por cumplicidade reproduzem a desigualdade social. Entre todos os segmentos da classe trabalhadora e camponesa, os pastores e as pastoras eram os/as mais explorados/as, considerados/as impuros/as, principalmente porque não respeitavam as propriedades privatizadas. Para os pastores e pastoras, o território era um bem comum e, por isso, levavam os rebanhos que cuidavam para pastar em outras propriedades. Assim eram considerados invasores de propriedades privadas. Para os pastores e as pastoras, “Terra de Deus, terra de irmãos!”.

Um anjo de Deus apareceu aos pastores” (Lc 2,9), não apareceu ao imperador, nem ao governador, nem a nenhum sacerdote e nem a nenhuma pessoa considerada pura, integrada à sociedade dos “de bens”. São esses pastores e pastoras que reconhecem o nascimento do menino Deus e vêm ao encontro daquele que iria testemunhar um caminho de libertação para todos/as e tudo, a utopia “vida e liberdade para todos/as e tudo” (Jo 10,10).

Nos Evangelhos de Lucas e de Mateus, o nascimento de Jesus não é apresentado de forma neutra diante das contradições e desigualdades sociais. José, Maria, Jesus, os evangelistas e as primeiras comunidades cristãs (autoras dos Evangelhos) têm lado: o lado dos oprimidos e injustiçados. A luz divina foi experimentada pelos pastores e pastoras, em uma noite escura (Lc 2,8-9), – como a noite que se abateu sobre o povo brasileiro com a ascensão do fascismo e de um capitalismo ultraliberal. A luz e a força divina surgiram para aqueles e aquelas que eram os/as mais rejeitados/as pela sociedade hipócrita e cínica. Nas primeiras comunidades cristãs se lia naquela época o texto do profeta Isaías que dizia: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria” (Is 9,1). A primeira mensagem do anjo aos pastores e pastoras foi: “Não tenham medo! Eis uma ótima notícia para todo o povo explorado. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (Lc 2,10). Essa mensagem ganha eloquência se recordarmos que quando se elevava um novo imperador ou rei, arautos do império anunciavam a entronização aclamando o que estava sendo entronizado como novo Salvador (soter, em grego) e Senhor (Kurios, em grego).

As primeiras comunidades cristãs fazem uma revolução copernicana e subvertem a ideologia dominante que divinizava o poder e quem estava no poder. ‘Salvador’ e ‘Senhor’ não será mais o imperador e nenhum rei. ‘Salvador’ e ‘Senhor’ será aquela criança que nasceu no meio dos explorados. O anjo alerta: só quem consegue se misturar com os periféricos e com eles conviver consegue experimentar o divino se revelando no humano a partir dos porões da humanidade (Lc 2,12). Quem fica distante dos empobrecidos e empobrecidas acumula preconceitos e se desumaniza. Diz o evangelista Lucas que os anjos fazem festa ao experimentar a glória de Deus e a paz (shalom, em hebraico) no meio do povo (Lc 2,14). A glória de Deus brilha quando o humano em todas as pessoas é respeitado e valorizado. Paz como fruto da justiça, shalom acontece quando os governos com organização popular efetuam mudanças estruturais para superar a desigualdade social e promover a justiça social com respeito à imensa diversidade cultural, aos direitos da natureza, dos animais e toda a biodiversidade existente no nosso país e no mundo. “Os pastores da região foram a Belém, às pressas, participar do acontecimento” (Lc 2,15-16); não foram a Jerusalém, nem a Brasília, nem às catedrais do deus mercado e nem ao Império do capital. “E todos que ouviam os pastores ficaram maravilhados” (Lc 2,18). Quem não ouve, não respeita e nem participa da luta dos/as sem-terra, dos/as sem-teto, dos/as migrantes, dos/as refugiados/as, dos irmãos e irmãs em situação de rua, dos/as indígenas, dos/as quilombolas, das mulheres e dos nossos irmãos e irmãs LGBTTQIs[2] não conseguem compreender o divino se tornando humano a partir de Jesus Cristo.

Os pastores e as pastoras reconhecem o poder popular nascido na periferia de Belém, cidade do rei e pastor Davi. “É de ti Belém, a menor entre todas as cidades, que virá o Salvador” (Miq 5,1), bradava a profecia inspiradora de Miqueias.  Etimologicamente Belém (Betlehem, em hebraico), significa Casa do Pão. Belém é a cidade de Davi, o menor entre os irmãos, aquele que organizou os injustiçados da sociedade para lutar por um governo justo, popular e democrático. O verdadeiro “rei dos judeus” não é violento e sanguinário como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa e tendo que se exilar às pressas, como refugiado, para não ser assassinado pelo poder repressor de plantão. Segundo o Evangelho de João, o nascido na “Casa do Pão” se tornou Pão da Vida para todos/as (Jo 6,35-59). Os pastores e as pastoras intuem com sabedoria que o poder alternativo, democrático, participativo e popular vem da periferia, dos injustiçados, dos pequenos.

O natal trombeteado aos quatro ventos pelos arautos do mercado idolatrado é um antinatal, abusa do nascimento de Jesus Cristo para auferir lucro e acumular capital, promovendo gastança, viagens que resultam em centenas de mortes e comilanças; pior, humilham milhões de pessoas que não podem gastar, viajar e nem promover comilanças. Quem não se alia à luta por direitos de sessenta por cento dos brasileiros que sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês não consegue vivenciar o sentido sublime e profundo do Natal de Jesus Cristo, está sendo mentiroso/a, pois não está abraçando o projeto de Jesus, o Cristo libertador e salvador.

Não está em sintonia com o Natal de Jesus Cristo quem reproduz, direta ou indiretamente, uma das maiores desigualdades sociais do mundo: 1% mais rico, que abrange 1,2 milhão de brasileiros, com rendimento médio superior a 55 mil reais por mês, no Brasil, em 2018. Quem é discípulo/a do menino que nasceu como refugiado na periferia de Belém precisa insurgir ao lado de toda a classe trabalhadora e camponesa e das forças vivas que lutam pela superação de todas as injustiças. Ouçamos os/as anjos/as que nos dizem: “Não tenham medo!” Os poderosos têm pés de barro. O menino Deus está vivo em nós na luta por justiça social, justiça agrária, justiça ambiental, justiça urbana, direitos humanos fundamentais.

Belo Horizonte, MG, 23/12/2018.


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers e Pessoas Intersex.

Função social para a terra nos 11 Acampamentos do MST, em Campo do Meio, no sul de MG – Vídeo 5

Função social para a terra nos 11 Acampamentos do MST, em Campo do Meio, no sul de MG – Vídeo 5 – 26/11/2018.

Nos rostos as marcas da luta traduzidas na alegria de tantas felizes iniciativas de bons resultados misturam-se às marcas de preocupação pelo despejo anunciado e, por ora, suspenso. Nas mãos calejadas os sinais do trabalho diário na terra, de forma consciente, com responsabilidade social e ecológica. Da terra vem a resposta generosa com grande produção, de qualidade, saudável a alimentar as 450 famílias que integram o Quilombo Campo Grande (11 Acampamentos do MST), no grande latifúndio de Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, gerando emprego, renda, dignidade e cidadania a mais de 2.000 camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras rurais que cuidam da terra e a fazem produzir. Além disso, a produção agroecológica, orgânica do Quilombo Campo Grande faz circular a economia na cidade de Campo do Meio e região e abastece também feiras e festivais realizados pelo MST em Minas Gerais e em São Paulo. Nesse vídeo, a beleza das imagens do trabalho desenvolvido no Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, MG com o depoimento de trabalhadores sobre sua luta diária, sua pertença à terra, alguns desde o nascimento, e o porquê de não poder se aceitar a injustiça e a arbitrariedade de uma ação de despejo. Nas terras abandonadas em 1996, com a falência da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), empresa responsável pela Usina Ariadnópolis, mais de 2 mil trabalhadores e trabalhadoras puseram-se a serviço e deram a essas terras uma função social. E é ali, nessas terras da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis que vivem, trabalham, produzem as 450 famílias do Quilombo Campo Grande, e é onde devem permanecer definitivamente, com todos seus direitos legitimados.

Foto: frei Gilvander

*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 26/11/2018.

* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

Jesus vive, a pesar das nossas igrejas

Notas a partir dos capítulos finais do livro “Jesus, aproximação histórica”, de autoria do teólogo José Antonio Pagola

A menos de uma semana da celebração da festa do nascimento de Jesus, no mundo cristão, ocorre-nos refletir sobre o papel dos cristãos no mundo de hoje, à luz do que os Evangelhos relatam sobre o próprio Jesus, suas palavras, seus gestos, suas posições. Um olhar crítico sobre o que Jesus fez e anunciou, por um lado, e o que andam fazendo os que se dizem seus seguidores, por outro lado, revela um grande fosso, um gigantesco hiato, seja no que se tem observado, salvo exceções, nas igrejas cristãs, seja em parte considerável de seus membros, em especial seus dirigentes. Como a festa do Natal do Senhor também se presta para um momento propício à conversão, quem sabe se as linhas que seguem, nos podem trazer algum estímulo, nesse sentido…

As pesquisas realizadas pelo teólogo espanhol José Antonio Pagola, que lhe tomaram anos e anos de trabalho, e que culminaram no livro “Jesus, aproximação histórica”, seguem provocando, numa série considerável de edições, mundo afora, impactos significativos. Pela relevância das fontes por ele consultadas, bem como pela abordagem que priorizou, demo-nos ao trabalho de, ao longo da leitura desta obra, feita em grupo (o Grupo Kairós, por sugestão de um de seus membros, João Fragoso, nele vem trabalhando semanalmente, desde fevereiro do corrente ano), compartilhar diversos textos com notas acerca de vários pontos dele – nele colhidos. As presentes linhas têm o propósito de trazer à tona aspectos relevantes, concernentes aos últimos capítulos do livro, com objetivo, de não apenas ajudar a divulgar e a incentivar a leitura desta obra, mas sobretudo de chamar a atenção para os descaminhos e os escândalos crescentes, observáveis nas práticas de não poucos que se confessam cristãos, em especial Igrejas e/ou seus dirigentes.

Há, com efeito, episódios e acontecimentos protagonizados por Igrejas Cristãs e seus membros – em especial, seus dirigentes – que bradam aos céus, pela evidente incoerência infidelidade e distanciamento dos valores essenciais do Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus. Como entender tais desencontros e tais escândalos especialmente quando praticados “em nome de Deus” ou do Evangelho?

Diferentemente da pregação irenista (passiva, pacifista, semelhante à “pax romana”…), muito frequente, e por vezes abusiva, por parte de “televangelizadores” e dirigentes eclesiásticos, os Evangelhos nos trazem um outro perfil de Jesus, o de um profeta do Reino de Deus que, pela fidelidade ao Projeto do Pai, e conduzido pelo Espírito Santo, não hesita em defender e promover a causa libertária dos pobres, dos rejeitados, dos injustiçados dos desvalidos o que acende a ira dos privilegiados de todos os tempos e lugares. É inconcebível com efeito, pretender-se defender e promover os direitos dos “debaixo”, e, ao mesmo tempo, satisfazer aos interesses dos privilegiados: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. (Mateus 6:24)

Em seu tempo de vida pública, Jesus teve que enfrentar, com frequência, situações conflitivas, diante das quais não se omitiu, mas buscou responder à altura, sempre denunciando os privilegiados daquela sociedade – os sumos sacerdotes, os doutores da lei, os escribas, os fariseus, os representantes da dominação romana… a este respeito, várias são as passagens evangélicas que atestam a firme posição do “Profeta itinerante do Reino de Deus”, a exemplo (só para mencionar um) de suas invectivas proferidas contra a elite do seu tempo, das quais tratamos de sublinhar do capítulo 23 de Mateus alguns versículos:

– “Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. (v.2)”

– “Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens. Eles fazem seus filactérios bem largos e as franjas de suas vestes bem longas (v.5)”;

– “Mas vocês não devem ser chamados mestres; um só é o Mestre de vocês, e todos vocês são irmãos. (v.8)”;

– “Tampouco vocês devem ser chamados “chefes”, porquanto vocês têm um só Chefe, o Cristo. (v.10)”;

– “O maior entre vocês deverá ser servidor. (v.11)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo. (v.13)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês devoram as casas das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações. Por isso serão castigados mais severamente. (v.14)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas. (v.23)”;

– “Guias cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo. (v.24)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça (v.25)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. (v.27)”;

– “Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade. (v.28)”;

– “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês edificam os túmulos dos profetas e adornam os monumentos dos justos. E dizem: “Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos antepassados, não teríamos tomado parte com eles no derramamento do sangue dos profetas”. Assim, vocês testemunham contra si mesmos que são descendentes dos que assassinaram os profetas. (v.29-31)”;

A quantas situações concretas da atualidade nos remete cada uma destas invectivas! Vale a pena tomarmos um tempo mais amplo para refletirmos sobre tais situações. Convém, todavia, que, antes de apontar o dedo para outrem, tratemos de nos colocar, primeiro, como alvo dessas invectivas. De todos os modos, os contratestemunhos provocam profundos estragos à credibilidade dos que se proclamam cristãos… Num rápido balanço da ação dos cristãos no mundo atual, inclusive no Brasil, e tomando como referência o critério evangélico, segundo o qual “pelo fruto se conhece a árvore”, não nos sentimos confortados, muito menos seguros, da contribuição que se espera dos cristãos como cidadãos do Reino de Deus, em sua atuação no mundo. Chamados a ser “fermento na massa”, não raramente nosso comportamento tem sido, antes, de joio ou de cizânia, haja vista o que sucedeu no mais recente processo eleitoral, no Brasil. Sob vários pontos de vista, os critérios de escolha de parcelas consideráveis de cristãos (católicos, protestantes, neopentecostais…) pouco têm a ver com o perfil de Jesus, tal como traçado nos Evangelhos:

– Como escolher eleger candidatos e candidatas que se mostram insensíveis aos clamores dos pobres (povos indígenas, quilombolas, camponeses, operários…)?

– Como escolher candidaturas que se mostram insensíveis aos direitos e dignidade das mulheres, das pessoas homoafetivas…?

– Como escolher candidaturas de pessoas ostensivamente movidas pelo ódio e pelas constantes ameaças de violência como recurso para equacionar os problemas nacionais?

– Como eleger candidaturas comprometidas com os interesses das grandes transnacionais atuando em diversos ramos da economia, em desfavor da dignidade dos “debaixo”, e, sobretudo em desrespeito a Mãe-Terra.

Consola-nos, por outro lado, ter presentes os belos testemunhos presentes nas “correntezas subterrâneas”.

E não venham dizer que, se assim agiram cristãos e dirigentes de tantas Igrejas, o fizeram por falta de opção, até porque, neste caso, teriam, sim, a opção de votar nulo ou branco…

Escândalos e contratestemunhos de igrejas cristãs e/ou de seus membros, acentuado distanciamento dos valores do Reino de Deus se apresentam como verdadeiros e grandes desafios para as “Minorias Abrahamicas”, chamadas a serem testemunhas proféticas do Reino de Deus e Sua justiça, principalmente em tempos tenebrosos como os em que vivemos.

Várias outras passagens aludem igualmente à firme posição de Jesus, diante de situações de injustiça e de opressão praticadas pelos “de cima” contra os mais vulneráveis. Baste-nos recordar a ira profética de que Jesus foi tomado, ao observar que o templo de Jerusalém se convertera num antro de ladrões e salteadores, em nome da Lei ou em nome de Deus… (cf. Mt 21, 12-14).

Retomando aspectos relevantes do livro ora comentado, eis alguns aspectos que julgamos oportunos e relevantes, a serem destacados do capítulo XII (“Conflitivo e perigoso”). No final deste capítulo e no início do capítulo XIII (“Mártir do Reno de Deus”), o autor do livro nos traz preciosos episódios protagonizados por Jesus, como o de sua despedida, na última Ceia, em duas emblemáticas cenas: a da bênção e partilha do pão e do vinho, e a do Lava-pés. No caso da bênção e da fração do pão e da distribuição aos seus discípulos do pão repartido e da partilha do cálice de vinho, Jesus resume, de modo didático e contundente, o cerne da Boa Notícia por Ele anunciada, testemunhada, e à qual Ele foi fiel, até o fim: repartir a própria a vida, doar sua vida em resgate de muitos, de todos, testemunhando a olhos vistos que “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.” (João, cap. 15:13). Aí se condensa seu anúncio do Reino de Deus contra o qual nenhuma força humana pode impedir. Nem a própria morte, pois o Amor é mais forte do que a morte. Aí se acha o cerne do seu Evangelho, a ser seguido por seus discípulos e discípulas.

A segunda cena, à qual acima aludimos, e que se acha intimamente associada à anterior (a da bênção e partilha do pão e do vinho como memorial de Si próprio) desponta igualmente tocante, pelo teor de sua mensagem: Jesus põe-se a lavar os pés de seus discípulos, numa atitude de autêntico serviço humilde ao próximo, recomendando aos seus discípulos e discípulas que façam o mesmo. Note-se que Ele não manda que outros façam, mas é o primeiro a fazer o que recomenda aos outros.

É com esta marca tão Sua, que recebe do Pai força para enfrentar o caminho da cruz, não como uma opção sua, mas, antes, como condição de sua fidelidade ao Projeto de Deus, rejeitado pelos grandes e poderosos, que o levaram à condenação à pena máxima e mais ignominiosa – o suplício da cruz, reservado aos considerados mais perigosos e ameaçadores da ordem vigente, da “pax romana”. O processo de Jesus – perseguição, detenção, interrogação, humilhação pública, suplício, inclusive com coroa de espinhos, crucificação… – revela sinais evidentes da recusa taxativa, por parte dos setores dominantes daquela sociedade (como de todo o Projeto anunciado, proposto e testemunhado fielmente por Jesus, até o fim, a despeito do medo, do abandono de não poucos de seus discípulos). Cumpre observar que, nos momentos mais cruciais, foram as mulheres e um ou outro de seus discípulos que, solidários, se puseram ao seu lado…

Malgrado toda sorte de adversidade que Jesus teve que enfrentar, mais forte falou sua confiança no Pai. E não foi em vão: por Deus Ele ressuscitaria, e se faz presente, ontem como hoje, naqueles e naquelas que ousam testemunhá-lo.

Foi inspirado nessa confiança, que, já prevendo que seria assassinado a mando do regime de El Salvador, Dom Oscar Romero não hesita em afirmar que, se fosse assassinado, ressuscitaria na luta do seu povo. Nas “correntezas subterrâneas, esta confiança segue firme, e “A esperança dos pobres vive e viverá”…

Após contemplar diversos aspectos da Ressurreição de Jesus (cf. cap. XIV: “Ressuscitado por Deus”), o autor cuida , no último capítulo de sua obra (XV: “Aprofundando a identidade de Jesus”), de fazer uma bela sinopse de suas pesquisas, fornecendo elementos sintetizadores acerca do que foi Jesus, enquanto um judeu, vivendo e convivendo com o seu povo; acerca de como se portava o vizinho de Nazaré, como se deu seu aprendizado, desde criança e jovem, com o que observava e assimilava da vida de sua gente; sobre qual era o perfil do “buscador de Deus”; sobre como se deu a atuação inicial deste “profeta do Reino de Deus”, sobre como se revelava um curador e um Mestre de vida; sublinha belíssimas passagens deste “Poeta da Compaixão”, deste “Amigo da Mulher”. Ajuda-nos a mergulhar no cerne da espiritualidade de Jesus, este “crente fiel”. A mística revolucionária de Jesus é que o preparou e o manteve firme para enfrentar todo tipo de perseguição, inclusive o caminho da cruz, confiante, sempre, no Projeto do Pai, que o ressuscitaria, lá onde estivessem dois ou três reunidos em seu nome.  Os sinais de sua Ressurreição aparecem numerosos, em especial entre aqueles e aquelas que não se cansam em testemunhar as marcas de seu Projeto – de defesa e promoção dos “Últimos”, de denunciar toda sorte de exploração, dominação e marginalização; a partilha, a solidariedade samaritana, a ousadia de irmos ensaiando passos na construção de uma nova sociedade, alternativa à barbárie capitalista.

João Pessoa, 20 de dezembro de 2018

Reflorestamento e Produção no Quilombo Campo Grande, do MST/MG – Vídeo 4

Reflorestamento e Produção no Quilombo Campo Grande, do MST/MG – Vídeo 4 – 25/11/2018.

Há mais de 20 anos, camponeses e camponesas, trabalhadoras e trabalhadores rurais, ocuparam as terras abandonadas da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis, administrada pela Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA). Desde então, a paisagem dos 3.900 hectares de terra mudou. Onde estava tudo desmatado, sem vida, fez-se o reflorestamento e iniciou o cultivo de alimentos diversos e a criação de muitos tipos de animais.

Com produção agroecológica, orgânica, as 450 famílias que integram o Quilombo Campo Grande (11 Acampamentos do MST), em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, se sustentam com dignidade, fazem circular a economia na cidade de Campo do Meio e região e ainda abastecem as feiras e festivais do MST realizados em Minas Gerais e em São Paulo.

Nesse vídeo, o depoimento de trabalhadores e trabalhadoras, que falam com orgulho do seu trabalho na terra, da produção alcançada e falam também da sua preocupação com o despejo determinado por Juiz da Vara Agrária do TJMG e suspenso por decisão do desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, em 30 de novembro passado (2018).

*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 25/11/2018.

* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

O jovem SUS e sua história

O bebê com o nome de Sistema Único de Saúde nasceu no ano de 1988, em meio a uma família complexa que já havia tido outros filhos, mas com um fracasso em sua forma de criação. A criança foi gerada em um momento turbulento na vida dos pais, e dos conhecidos que a rodeavam. Não havia  recursos para criá-la. Não sabiam nem por onde começar. Quais seriam as estratégias? Uma vez que já estava fecundada, torcer para vir com saúde era o mais importante. O resto ia se encaixando.

Enfim, nascera o pequeno“SUS”, como carinhosamente fora apelidado. Um predestinado a passar apuros por problemas em sua saúde física. Não que ele fosse doente e de fato, mostrou-se desde o nascimento, hígido e preparado para as adversidades que a vida poderia lhe impor.

Com somente dois anos deidade,seus pais decidem registrá-lo para que fosse reconhecido como lhe era de direito. Com a lei 8080 de 19 de setembro de 1990,deram a possibilidade  do pequeno  ganhar a liberdade de ir,vir, falar quando e como quisesse, podendo ser escutado democraticamente. Um ano depois, devido ao espírito altruísta, porém de ceder e não receber nada em troca, começa uma rede de apoio para ajudar no seu processo de  crescimento. Decidem que sua guarda seria dividida por três cuidadores. Foi criada a comissão tripartite formada por três tios seus, a União, O Estado e o Município que apareceram  para não lhe deixar faltar nada. Outra ideia  que foi colocada em pratica seria a da criação do programa  de agentes comunitários de saúde  que lhe iria amparar as necessidades do jovem menino de 8 anos de idade. Estes integrantes lhe iriam auxiliar no lhe fosse necessário em sua atenção básica e dar suporte para a redução da conhecida e temida doença chamada mortalidade infantil que afetavam crianças de sua idade e menores que ele. Posteriormente, o fortalecimento desse grande apoio lhe permitiu o desenvolvimento intelectual do chamado programa de saúde da família.

Na idade escolar, o garoto conta com formações que lhe foram capacitando para as dificuldades que estariam por vir. Através de conselhos e ações que puderam mostrar-lhe por amor ou pelador, conhecimentos úteis que lhe ajudariam a lutar contra os obstáculos impostos pela vida. Como todo jovem, teve que receber Normas Operacionais Básicas que o foram ensinando que nada é tão bem feito sozinho, do que estando acompanhado.Anos mais tarde, com seus aprendizados em um nível escolar avançado, conclui como é importante a distribuição das tarefas para não cansar-se e perder o interesse pelas labutas diárias. Como estudante dedicado, apaixonou-se pelos conhecimentos aprendidos nas aulas de Normas Operacionais de Assistência à Saúde. Aprendeu a partilhar, a crescer em equipe e percebeu que na vida, é preciso sempre estender a mão.Porém, isso iria lhe custar caro pois, para  um quedá, existirá outro que pode tomar.

Ainda na sua adolescência,o SUS depara-se com  uma série de dificuldades e traições de amigos do qual ele confiava. Parcialmente fragilizado, debilitava-se diante de um novo agravante. Aos seus dezessete para dezoito anos e já sem pais, foi amparado pelos seus tios que vendo as dificuldades que o jovem ainda deveria trilhar e,que realmente não seria um adulto completamente saudável, decidem organizar algumas ações que pudessem ensinar-lhe a lidar com as adversidades diárias eque o fizesse possivelmente imune. Optam por fazer uns pactos para não deixá-lo desamparado em caso de adoecimento. A primeira e principal decisão foi o Pacto pela Vida onde visava melhorias de sua situação de saúde. Posteriormente,definem um pacto que pudesse defendê-lo e garantir a estabilidade econômica para o caso de necessidade. Outra decisão interna é a criação do Pacto da Gestão,que dava responsabilidades a quem pudesse cuidar de suas debilidades nos momentos de invalidez. Além disso, decidem criar redes de apoio para ajudar na manutenção, cuidado em uma necessidade maior. Essas atitudes criaram um ambiente de “respiro” para o jovem que aprendia com as dificuldades diárias.

Na vida, os problemas sempre existirão. Eles fazem parte de nosso crescimento. É necessário estar preparado . No caso do adulto jovem SUS, as perseguições,humilhações e os ataques patológicos continuavam rotineiros. De todos os lados vinham palavras pronunciadas de que ele não daria certo. Que seu futuro seria obscuro e, que tudo que fosse feito não surtiria resultado. Mesmo diante de tanto negativismo, o que lhe acalentava era o prazer de ter uma família além  da sua que,  apesar de semi-ausente, lhe amparava e apoiava nas decisões. O que o fazia prosseguir firmemente. Desistir, jamais fez parte de seus planos.

Hoje, ainda há quem diga que o adulto Sistema Único de Saúde não irá muito longe. O certo é que já se passaram 30 anos e, ele continua vivendo e acreditando em suas intuições. Com seu bom coração pôde ajudar em uma cobertura vacinal abrangente, a pessoas pararem de fumar com o controle do tabagismo, a outros que padecem de HIV/AIDS,na assistência farmacêutica dos que o necessitam e com isso colabora com a saúde de 60 % do total de todos os que o conhece e carecem.  Infelizmente, com  seu crescimento e adultez, seus tios, ou melhor seu tio União decidiu reduzir seus gastos nos próximos 20 anos,estabelecendo um teto para controlar tudo o que fosse necessário ser usado , o que reduziu suas necessidades diárias. Com a criação da  Emenda Constitucional 95 (EC-95/2016), o teto de gastos passou a vigorar mesmo em situação de necessidade, o  que deu poder aos que não o tinham bem quisto a analisarem a real possibilidade de sobrevivência. Deduzo que não conseguirão. O fato é que o SUS não deixará de existir.Mesmo diante de tantas impossibilidades sempre haverá um grupo de admiradores que o ajudarão a prosseguir respirando e ser o gigante que sempre foi e será. Por que seus pais o trouxe ao mundo pelo povo e para o povo.                                                                                        

Referências:

  1. Sabedoria Política;Linha do tempo do SUS. Disponível em: https://www.sabedoriapolitica.com.br/ci%C3%AAncia-politica/politicas-publicas/saude/linha-do-tempo-do-sus/.
  2. Paim,Jairnilson Silva. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, v. 23, n. 6 [Acessado 16 Dezembro 2018] , pp.1723-1728. Disponível em:<https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.09172018&gt;. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.09172018.
  3. Brasil.Ministério da Saúde. Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Secretaria Executiva, Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação-Geral de Apoio à Gestão Descentralizada.– Brasília,2006.