Mensagem do Papa Francisco na celebração do 50. dia mundial da paz – 01.01.2017



A não-violência: estilo de uma política para a paz

1. No início deste novo ano, formulo sinceros votos de paz aos povos e nações do mundo inteiro, aos chefes de Estado e de governo, bem como aos responsáveis das Comunidades Religiosas e das várias expressões da sociedade civil. Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos esta «dignidade mais profunda»[1] e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida.

Esta é a Mensagem para o 50º Dia Mundial da Paz. Na primeira, o Beato Papa Paulo VI dirigiu-se a todos os povos – e não só aos católicos – com palavras inequívocas: «Finalmente resulta, de forma claríssima, que a paz é a única e verdadeira linha do progresso humano (não as tensões de nacionalismos ambiciosos, nem as conquistas violentas, nem as repressões geradoras duma falsa ordem civil)». Advertia contra o «perigo de crer que as controvérsias internacionais não se possam resolver pelas vias da razão, isto é, das negociações baseadas no direito, na justiça, na equidade, mas apenas pelas vias dissuasivas e devastadoras». Ao contrário, citando a Pacem in terris do seu antecessor São João XXIII, exaltava «o sentido e o amor da paz baseada na verdade, na justiça, na liberdade, no amor».[2] É impressionante a atualidade destas palavras, não menos importantes e prementes hoje do que há cinquenta anos.

Nesta ocasião, desejo deter-me na não-violência como estilo duma política de paz, e peço a Deus que nos ajude, a todos nós, a inspirar na não-violência as profundezas dos nossos sentimentos e valores pessoais. Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz. Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas.

Um mundo dilacerado

2. Enquanto o século passado foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, hoje, infelizmente, encontramo-nos a braços com uma terrível guerra mundial aos pedaços. Não é fácil saber se o mundo de hoje seja mais ou menos violento que o de ontem, nem se os meios modernos de comunicação e a mobilidade que carateriza a nossa época nos tornem mais conscientes da violência ou mais rendidos a ela.

Seja como for, esta violência que se exerce «aos pedaços», de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental. E para quê? Porventura a violência permite alcançar objetivos de valor duradouro? Tudo aquilo que obtém não é, antes, desencadear represálias e espirais de conflitos letais que beneficiam apenas a poucos «senhores da guerra»?

A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado. Responder à violência com a violência leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra. No pior dos casos, pode levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos.

A Boa Nova

3. O próprio Jesus viveu em tempos de violência. Ensinou que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a paz, é o coração humano: «Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Marcos 7, 21). Mas, perante esta realidade, a resposta que oferece a mensagem de Cristo é radicalmente positiva: Ele pregou incansavelmente o amor incondicional de Deus, que acolhe e perdoa, e ensinou os seus discípulos a amar os inimigos (cf. Mateus 5, 44) e a oferecer a outra face (cf. Mateus 5, 39). Quando impediu, aqueles que acusavam a adúltera, de a lapidar (cf. João 8, 1-11) e na noite antes de morrer, quando disse a Pedro para repor a espada na bainha (cf. Mateus 26, 52), Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele percorreu até ao fim, até à cruz, tendo assim estabelecido a paz e destruído a hostilidade (cf. Efésios 2, 14-16). Por isso, quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de reconciliação, como exortava São Francisco de Assis: «A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos vossos corações».[3]

Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa aderir também à sua proposta de não-violência. Esta, como afirmou o meu predecessor Bento XVI, «é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus».[4]E acrescentava sem hesitação: «a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”».[5] A página evangélica – amai os vossos inimigos (cf. Lucas 6, 27) – é, justamente, considerada «a magna carta da não-violência cristã»: esta não consiste «em render-se ao mal (…), mas em responder ao mal com o bem (cf. Romanos 12, 17-21), quebrando dessa forma a corrente da injustiça».[6]

Mais poderosa que a violência

4. Por vezes, entende-se a não-violência como rendição, negligência e passividade, mas, na realidade, não é isso. Quando a Madre Teresa recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1979, declarou claramente qual era a sua ideia de não-violência ativa: «Na nossa família, não temos necessidade de bombas e de armas, não precisamos de destruir para edificar a paz, mas apenas de estar juntos, de nos amarmos uns aos outros (…). E poderemos superar todo o mal que há no mundo».[7] Com efeito, a força das armas é enganadora. «Enquanto os traficantes de armas fazem o seu trabalho, há pobres pacificadores que, só para ajudar uma pessoa, outra e outra, dão a vida»; para estes obreiros da paz, a Madre Teresa é «um símbolo, um ícone dos nossos tempos».[8] No passado mês de setembro, tive a grande alegria de a proclamar Santa. Elogiei a sua disponibilidade para com todos «através do acolhimento e da defesa da vida humana, a dos nascituros e a dos abandonados e descartados. (…) Inclinou-se sobre as pessoas indefesas, deixadas moribundas à beira da estrada, reconhecendo a dignidade que Deus lhes dera; fez ouvir a sua voz aos poderosos da terra, para que reconhecessem a sua culpa diante dos crimes – diante dos crimes! – da pobreza criada por eles mesmos».[9] Como resposta, a sua missão – e nisto representa milhares, antes, milhões de pessoas – é ir ao encontro das vítimas com generosidade e dedicação, tocando e vendando cada corpo ferido, curando cada vida dilacerada.

A não-violência, praticada com decisão e coerência, produziu resultados impressionantes. Os sucessos alcançados por Mahatma Gandhi e Khan Abdul Ghaffar Khan, na libertação da Índia, e por Martin Luther King Jr contra a discriminação racial nunca serão esquecidos. As mulheres, em particular, são muitas vezes líderes de não-violência, como, por exemplo, Leymah Gbowee e milhares de mulheres liberianas, que organizaram encontros de oração e protesto não-violento (pray-ins), obtendo negociações de alto nível para a conclusão da segunda guerra civil na Libéria.

E não podemos esquecer também aquela década epocal que terminou com a queda dos regimes comunistas na Europa. As comunidades cristãs deram a sua contribuição através da oração insistente e a ação corajosa. Especial influência exerceu São João Paulo II, com o seu ministério e magistério. Refletindo sobre os acontecimentos de 1989, na Encíclica Centesimus annus(1991), o meu predecessor fazia ressaltar como uma mudança epocal na vida dos povos, nações e Estados se realizara «através de uma luta pacífica que lançou mão apenas das armas da verdade e da justiça».[10] Este percurso de transição política para a paz foi possível, em parte, «pelo empenho não-violento de homens que sempre se recusaram a ceder ao poder da força e, ao mesmo tempo, souberam encontrar aqui e ali formas eficazes para dar testemunho da verdade». E concluía: «Que os seres humanos aprendam a lutar pela justiça sem violência, renunciando tanto à luta de classes nas controvérsias internas, como à guerra nas internacionais».[11]

A Igreja comprometeu-se na implementação de estratégias não-violentas para promover a paz em muitos países solicitando, inclusive aos intervenientes mais violentos, esforços para construir uma paz justa e duradoura.

Este compromisso a favor das vítimas da injustiça e da violência não é um património exclusivo da Igreja Católica, mas pertence a muitas tradições religiosas, para quem «a compaixão e a não-violência são essenciais e indicam o caminho da vida».[12] Reitero-o aqui sem hesitação: «nenhuma religião é terrorista».[13] A violência é uma profanação do nome de Deus.[14] Nunca nos cansemos de repetir: «jamais o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa, não a guerra».[15]

A raiz doméstica duma política não-violenta

5. Se a origem donde brota a violência é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da não-violência dentro da família. É uma componente daquela alegria do amor que apresentei na Exortação Apostólica Amoris laetitia, em março passado, concluindo dois anos de reflexão por parte da Igreja sobre o matrimónio e a família. Esta constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão.[16] A partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade.[17] Aliás, uma ética de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos não se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero. Neste sentido, lanço um apelo a favor do desarmamento, bem como da proibição e abolição das armas nucleares: a dissuasão nuclear e a ameaça duma segura destruição recíproca não podem fundamentar este tipo de ética.[18] Com igual urgência, suplico que cessem a violência doméstica e os abusos sobre mulheres e crianças.

O Jubileu da Misericórdia, que terminou em novembro passado, foi um convite a olhar para as profundezas do nosso coração e a deixar entrar nele a misericórdia de Deus. O ano jubilar fez-nos tomar consciência de como são numerosos e variados os indivíduos e os grupos sociais que são tratados com indiferença, que são vítimas de injustiça e sofrem violência. Fazem parte da nossa «família», são nossos irmãos e irmãs. Por isso, as políticas de não-violência devem começar dentro das paredes de casa para, depois, se difundir por toda a família humana. «O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo».[19]

O meu convite

6. A construção da paz por meio da não-violência ativa é um elemento necessário e coerente com os esforços contínuos da Igreja para limitar o uso da força através das normas morais, mediante a sua participação nos trabalhos das instituições internacionais e graças à competente contribuição de muitos cristãos para a elaboração da legislação a todos os níveis. O próprio Jesus nos oferece um «manual» desta estratégia de construção da paz no chamado Sermão da Montanha. As oito Bem-aventuranças (cf. Mateus 5, 3-10) traçam o perfil da pessoa que podemos definir feliz, boa e autêntica. Felizes os mansos – diz Jesus –, os misericordiosos, os pacificadores, os puros de coração, os que têm fome e sede de justiça.

Este é um programa e um desafio também para os líderes políticos e religiosos, para os responsáveis das instituições internacionais e os dirigentes das empresas e dos meios de comunicação social de todo o mundo: aplicar as Bem-aventuranças na forma como exercem as suas responsabilidades. É um desafio a construir a sociedade, a comunidade ou a empresa de que são responsáveis com o estilo dos obreiros da paz; a dar provas de misericórdia, recusando-se a descartar as pessoas, danificar o meio ambiente e querer vencer a todo o custo. Isto requer a disponibilidade para «suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo».[20] Agir desta forma significa escolher a solidariedade como estilo para fazer a história e construir a amizade social. A não-violência ativa é uma forma de mostrar que a unidade é, verdadeiramente, mais forte e fecunda do que o conflito. No mundo, tudo está intimamente ligado.[21] Claro, é possível que as diferenças gerem atritos: enfrentemo-los de forma construtiva e não-violenta, de modo que «as tensões e os opostos [possam] alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida», conservando «as preciosas potencialidades das polaridades em contraste».[22]

Asseguro que a Igreja Católica acompanhará toda a tentativa de construir a paz inclusive através da não-violência ativa e criativa. No dia 1 de janeiro de 2017, nasce o novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que ajudará a Igreja a promover, de modo cada vez mais eficaz, «os bens incomensuráveis da justiça, da paz e da salvaguarda da criação» e da solicitude pelos migrantes, «os necessitados, os doentes e os excluídos, os marginalizados e as vítimas dos conflitos armados e das catástrofes naturais, os reclusos, os desempregados e as vítimas de toda e qualquer forma de escravidão e de tortura».[23] Toda a ação nesta linha, ainda que modesta, contribui para construir um mundo livre da violência, o primeiro passo para a justiça e a paz.

Em conclusão

7. Como é tradição, assino esta Mensagem no dia 8 de dezembro, festa da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria. Nossa Senhora é a Rainha da Paz. No nascimento do seu Filho, os anjos glorificavam a Deus e almejavam paz na terra aos homens e mulheres de boa vontade (cf. Lucas 2, 14). Peçamos à Virgem Maria que nos sirva de guia.

«Todos desejamos a paz; muitas pessoas a constroem todos os dias com pequenos gestos; muitos sofrem e suportam pacientemente a dificuldade de tantas tentativas para a construir».[24]No ano de 2017, comprometamo-nos, através da oração e da ação, a tornar-nos pessoas que baniram dos seus corações, palavras e gestos a violência, e a construir comunidades não-violentas, que cuidem da casa comum. «Nada é impossível, se nos dirigimos a Deus na oração. Todos podem ser artesãos de paz».[25]

Vaticano, 8 de dezembro de 2016.

Francisco

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[1] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 228.

[2] Mensagem para a celebração do 1º Dia Mundial da Paz, 1° de janeiro de 1968.

[3] «Legenda dos três companheiros»: Fontes Franciscanas, n. 1469.

[4] Angelus, 18 de fevereiro de 2007.

[5] Ibidem.

[6] Ibidem.

[7] Discurso por ocasião da entrega do Prémio Nobel, 11 de dezembro de 1979.

[8] Francisco, Meditação «O caminho da paz», Capela da Domus Sanctae Marthae, 19 de novembro de 2015.

[9] Homilia na canonização da Beata Madre Teresa de Calcutá, 4 de setembro de 2016.

[10] N. 23

[11] Ibidem.

[12] Francisco, Discurso na Audiência inter-religiosa, 3 de novembro de 2016.

[13] Idem, Discurso no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 5 de novembro de 2016.

[14] Cf. Idem, Discurso no Encontro com o Xeque dos Muçulmanos do Cáucaso e com Representantes das outras Comunidades Religiosas, Baku, 2 de outubro de 2016.

[15] Idem, Discurso em Assis, 20 de setembro de 2016.

[16] Cf. Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia, 90-130.

[17] Cf. ibid., 133.194.234.

[18] Cf. Francisco, Mensagem à Conferência sobre o impacto humanitário das armas nucleares, 7 de dezembro de 2014.

[19] Idem, Carta enc. Laudato si’, 230.

[20] Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium, 227.

[21] Cf. Idem, Carta enc. Laudato si’, 16.117.138.

[22] Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium, 228.

[23] Idem, Carta apostólica sob a forma de “Motu proprio” pela qual se institui o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, 17 de agosto de 2016.

[24] Francisco, Regina Caeli, Belém, 25 de maio de 2014.

[25] Apelo, Assis, 20 de setembro de 2016.

FHC sabia de tudo e não contou nada

Por Paulo Moreira Leite

Sete meses depois do afastamento de Dilma Rousseff, centenas de milhares de brasileiros que foram às ruas apoiar o pedido de impeachment têm todo direito de se mostrar indignados com as descobertas recentes sobre Michel Temer e seus auxiliares diretos.

Minha opinião é que essas pessoas deveriam pelo menos admitir que vestiram nariz de palhaço quando resolveram ignorar denúncias frequentes que mostravam que o país assistia a um espetáculo de caráter seletivo, onde objetivos de natureza política tinham prioridade sobre fatos e provas de caráter criminal.

A leitura do volume 2 dos Diários da Presidência mostra que Fernando Henrique Cardoso, tinha perfeita noção de que se preparava um embuste para iludir o país com discursos de falso moralismo mas preferiu emprestar a biografia para dar respeitabilidade a um circo político que Joaquim Barbosa classificou como “encenação” do Congresso.

Os registros das 868 páginas mostram Fernando Henrique preferiu o silêncio quando poderia ter falado — e muito. Deixou lembranças e observações para a história, aos estudiosos do futuro mas não agiu de acordo com o que conhecera e sabia, O volume 2 veio a público em maio, quando a sorte de Dilma recebia o tratamento final na Câmara de Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e as lideranças do PSDB, produzindo uma cena lamentável de barbárie política.

Compreende-se pela leitura do Diário que FHC conhecera de perto a liderança do PMDB que, em torno de Michel Temer, Geddel Lima e Eliseu Padilha, preparava-se para o assalto ao poder.

Em 1997, dezenove anos antes, Fernando Henrique encontrava-se na segunda metade de seu primeiro mandato como presidente da República, quando teve a oportunidade de redigir suas impressões opiniões sobre o triunvirato Temer-Geddel-Padilha no volume 2 dos Diários da Presidência.

Verdade que em 1997 ele não podia imaginar que estava produzindo um relato precioso para se examinar o comportamento de cada um desses personagens, quase vinte anos mais tarde. Até por isso, o texto tem um caráter especialmente valioso, já que Fernando Henrique Cardoso teve uma experiência bastante concreta, digamos assim.

De olho na joia da coroa da Esplanada, o Ministério dos Transportes, tradicional ponto de negócios com grandes empreiteiras — as mesmas que em nossa época fariam delações premiadas na Lava Jato — o trio queria emplacar Padilha a frente da pasta mais disputada de Brasília. Fernando Henrique resistia. Deixou palavras que mostram uma certa bravura, o esforço de quem precisava do apoio do PMDB mas fazia questão de registrar sua preocupação com princípios e a disposição de resistir a pressões indevidas.

Está lá, na página 167, uma descrição crua da situação: “o PMDB entrou no nível da chantagem,” escreve FHC, referindo-se ao esforço de Geddel para trocar votos para garantir a provação do Fundo de Estabilização Fiscal, peça-chave do plano Real, “pela nomeação do ministro”.

Já o atual presidente da República, Michel Temer, diz FHC, com uma ponta de ambiguidade, encontrava-se “um pouco atordoado, mas também participando.” Conforme o presidente, “parece que está havendo aí um lobby muito forte (a favor de Padilha). Isso já torna a nomeação mais perigosa.”

Três páginas adiante, na noite de 29 de abril de 1997, a desconfiança fica escancarada. O presidente senta-se para relatar uma conversa com o tesoureiro Sérgio Motta, ministro das Comunicações e operador político do governo. Para FHC, a pressão é tão grande que “está cheirando mal.”

Vamos ler o trecho, na íntegra, com riqueza de detalhes: “no domingo, encontro o Sérgio Motta, ele muito nervoso, realmente nervoso. Foi a uma reunião na casa do Michel Temer, numa festa, e lá o Geddel, o líder do PMDB, dizia que se o Sérgio quisesse aprovar o Fundo de Estabilização Fiscal, tinha que nomear logo o ministro, tem que o ser o Eliseu Padilha, uma coisa explícita. Eu já tinha decidido que não vou nomear Eliseu Padilha nenhum, porque esta pressão está cheirando mal.” Em seguida, Fernando Henrique esclarece: “até tenho simpatia pelo Eliseu mas do jeito que as coisas estão se colocando, isso está mal.”

Por vários semanas, Fernando Henrique deixou registrada sua má vontade com o ministeriável, que iria se tornar ministro-chefe da Casa Civil e homem forte do governo Temer. Só se referia ao gaúcho Padilha como “aquele rapaz do Rio Grande do Sul.” (Também parece divertir-se chamado Aécio Neves pelo diminutivo Aecinho). Quem tivesse lido o diário, na época, teria certeza de que Padilha jamais se tornaria ministro de FHC.

Três semanas depois, ocorreu aquilo que costuma se passar no mundo político, com tantos personagens, de todos os partidos, mesmo aqueles que não escrevem Diários. Em 22 maio de 1997, menos de um mês depois de ter escrito que não iria “nomear Eliseu Padilha nenhum, essa pressão está cheirando mal,” Fernando Henrique lhe deu posse no ministério, permitindo que ali ficasse por até novembro de 2001, ou seja, por quatro anos seguidos. A passagem de Padilha pela Esplanada foi marcado por rumores e denúncias, em grande parte vocalizadas por Pedro Simon, voz histórica do PMDB gaúcho. A opinião corrente era que aquele ministério estava mesmo “cheirando mal”, embora nada tivesse sido demonstrado contra o ministro. Em qualquer caso, é bom admitir, a oposição não tinha força política para isso. Sequer foi capaz de convocar o ministro para dar explicações no Congresso. “O Geddel se mobilizou para comandar a tropa de choque que protegeu o Padilha, ” lembra um parlamentar presente, bastante ativo, na época, referindo-se ao futuro ministro cuja permanência no Planalto tornou-se insustentável quando se revelou seu empenho para salvar um apartamento milionário em Salvador num investimento condenado pelo patrimônio histórico.

Duas décadas mais tarde, em julho de 2015, quando especulou-se sobre a possibilidade de um encontro entre FHC e Dilma Rousseff, pois eram claros os sinais de que a democracia encontrava-se em situação de risco, o ex-presidente usou sua página no Facebook para recusar qualquer contato com uma presidente eleita por 53,5 milhões de votos, que no dia de seus 80 anos redigira uma carta-homenagem de reconhecida generosidade, muito além de todo protocolo e toda conveniência política.

“O momento não é para a busca de aproximação com o governo mas sim com o povo”, escreveu Fernando Henrique. “Qualquer conversa não pública com o governo pareceria conchavo na tentativa de salvar o que não deve ser salvo.”

Na verdade, o que não deveria ser salva era uma articulação que produziu a mais grave ruptura institucional desde abril de 1964, abrindo um processo de destruição de direitos e permanente instabilidade — cuja origem se encontra na quebra da soberania popular. Repetindo 1997, quando acabou cedendo a uma operação que estava “cheirando mal”, em 2016 ficou em silêncio e fez o que se sabia que não deveria ser feito.

Fonte: Brasil 247
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/272738/FHC-sabia-de-tudo-e-n%C3%A3o-contou-nada.htm

O jogo de cena no TSE

Por Tereza Cruvinel

Não nos iludamos. O que está em curso no TSE, na ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, é um espetáculo farsesco destinado a manter Temer no governo, seja pela absolvição, seja pelo decurso de prazo para as providências de sua substituição. O país continuará sendo sangrado pela instabilidade e a incerteza mas, como no golpe, dane-se o país.

A ação da Polícia Federal nas gráficas que trabalharam para a campanha Dilma-Temer não é indicativa de que o TSE pretenda ir fundo nas investigações e endurecer no julgamento, condenando Dilma, já deposta, e cassando Temer, o que levaria à sua substituição por um presidente biônico, eleito pelo Congresso. Ou, na melhor hipótese, à realização de eleições diretas, se a pressão popular compelir o Congresso a aprovar uma das emendas constitucionais que preveem diretas mesmo faltando menos de dois anos para o fim do mandato. Muito pelo contrário, a diligência nas gráficas vem ao encontro do plano B de Michel Temer.

Seu plano A, deflagrado ainda antes do golpe, foi pedir a separação das contas de campanha, dizendo que ele e Dilma tiveram finanças não comunicantes. A tese esbarrou na jurisprudência já firmada pela cassação de governadores e vices em processos semelhantes. Com presidente e vice, esta é uma ação inaugural no TSE. Depois, surgiram provas de que despesas de Temer e sua equipe foram pagar pelo comitê financeiro da campanha. Vice pode até montar esquema de arrecadação à parte mas o que se gasta é para a eleição da chapa. Vice não faz campanha sozinho. Isso acontecia no passado, com regra que permitiu, por exemplo, a eleição de Jânio em 1961, e a do vice João Goulart, da chapa oposta.

Veio então o plano B, que está em curso. Ele se baseia na procrastinação do julgamento até pelo menos o segundo semestre de 2017. E aí o TSE, tal como o STF já fez no caso Renan, pode absolver a chapa, mesmo havendo provas de ilícitos, invocando a governabilidade, a estabilidade político/econômica do país e o diabo a quatro. A diligência nas gráficas serve como luva ao plano B de Temer. Ainda que as gráficas tenham se livrado de provas, os documentos apreendidos terão que ser analisados. A defesa terá que se pronunciar. Haverá pedido de vistas e recursos. O próprio Temer já disse que, em caso de condenação recorrerá ao STF. Então, a novela vai longe.

Passemos à encenação. O ministro relator, Herman Benjamin, por suas entrevistas, parece sinceramente determinado a aprofundar as investigações e a emitir um parecer consistente, pedindo a condenação da chapa. Pelo que já foi divulgado, de tudo o que ele ouviu de delatores, de tudo que examinou nos autos, certamente já tem indícios e provas suficientes para pedir a cassação. Mas Benjamin, que é ministro do STJ e caminha para a aposentadoria, já externou seu desejo de produzir uma peça “histórica”, irrefutável e exemplar. Ele terá o voto de alguns de seus pares mas dificilmente os de Luiz Fux e Gilmar Mendes, presidente do tribunal, claramente alinhados com o atual governo. Ótimo para a biografia de Benjamin. Otimo também para Temer.

Ainda no primeiro semestre de 2017 ele apresentará o parecer e aí teremos o segundo pulo do gato. Entre abril e maio, Temer vai indicar dois novos ministros para o tribunal, que substituirão Luciana Lóssio e Henrique Neves. Os nomes já começam a ser avaliados. Diferentemente de Lula e Dilma, que indicaram ministros de tribunais superiores garantindo-lhes ”independência republicana” (colhendo depois votos severos contra petistas na ação penal 470 e a omissão diante do golpe contra Dilma), Temer não dará ponto sem nó. Quem indicar, votará a seu favor. Estes dois votos, mais os de Fux e Gilma, garantirão a maioria, num tribunal de sete votos, para absolver a chapa. Ou para absolver apenas Temer, aceitando a tese da separação de contas, se tiverem coragem para tanto.

Não nos iludamos, portanto. O “pacto pelo alto” que poderia vir através da ação no TSE, com a pré-escolha pactuada de um presidente biônico conciliador, tipo Nelson Jobim, não deve prosperar. A menos que Temer e seu governo consigam levar o país a um patamar de crise e degradação econômica ainda mais agudas, levando as elites econômicas a exigirem da elite política uma saída.

Por isso a palavra de ordem das oposições, para 2017, tem que continuar sendo “diretas já”. Uma estratégia que também só dará certo se forem capazes de despertar a sociedade de sua letárgica desilusão, produzindo um grande movimento de massas. Neste exato momento, não há sinal disso nas ruas. Vide o fraco panelaço durante o pronunciamento de final de ano de Temer, apesar de sua popularidade de um dígito.

Estamos porém, no meio de um rito de passagem, em que os ruídos políticos cessam para dar lugar a sinos e fogos. Virado o ano, e mantido o atual estado de devastação das vidas das pessoas pelo desemprego, a queda na renda e a degradação dos serviços públicos, tudo pode acontecer. A palavra de ordem é esperança.

Fonte: Brasil 247

Após morte violenta, Ruas torna-se nome preferencial para logradouros na cidade

Ambulante assassinado na região central é um dos que serão lembrados preferencialmente nas próximas nomeações. Ele passou a integrar banco de referência em direitos humanos

O nome do ambulante Luiz Carlos Ruas, assassinado no último domingo (25) na região central de São Paulo, passou a integrar o chamado Banco de Referências em Direitos Humanos e tornou-se preferencial para futuras alterações de denominação de logradouros e equipamentos públicos. Ele fez parte de uma lista de dezenas de nomes incluídos na Portaria 159 da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, publicada na edição de hoje (28) do Diário Oficial da Cidade de São Paulo.

A relação faz parte do Programa Ruas de Memória, criado este ano pela prefeitura paulistana. O projeto prevê mudança progressiva de nomes de logradouros para homenagear “pessoas, datas ou fatos” relacionados a violações dos direitos humanos ou à defesa desses princípios.

A portaria relaciona mais de 80 nomes que deverão ser usados preferencialmente, divididos por temas: igualdade de gênero, igualdade racial, população LGBT, criança e adolescente, políticas de álcool e drogas, juventude, memória e verdade, direito à cidade, população em situação de rua, imigrantes, trabalho decente, pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, educação em direitos humanos e cultura.

Consulte aqui a relação completa dos nomes preferenciais

Estão ali, entre outros, nomes como a da travesti Brenda Lee, fundadora da casa de mesmo nome, o estudante Douglas Rodrigues, assassinado por um policial, Laudelina Campos Melo (fundadora do primeiro sindicato de empregas domésticas), Ruth Pistori (uma das fundadoras da Pastoral do Menor), Dom Paulo Evaristo Arns e Zilda Arns, os músicos Geraldo Filme, Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos, o urbanista Jorge Wilheim, o rapper Sabotage, o intelectual Abdias Nascimento, a ativista Maria Helena Gregori, a escritora Cassandra Rios, o psicanalista Antonio Lancetti, a pesquisadora e ex-ministra Luiza Helena Bairros, o jornalista Vito Gianotti, o educador Anísio Teixeira, o metalúrgico Waldemar Rossi, o ex-jogador Sócrates e vários ex-presos políticos. Integram a lista vítimas dos massacres da praça da Sé, em 2004, e da chacina de Unaí (MG), no mesmo ano. Também foi incluída a data de 2 de outubro, referência ao massacre no presídio do Carandiru, em 1992. A lista completa está publicada no Diário Oficial.

Fonte: Rede Brasil Atual
http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/12/ruas-torna-se-nome-preferencial-para-logradouros-na-cidade-4676.html

Luiz Carlos e a defesa do ser humano

Domingo, 25 de dezembro, dia onde a grande maioria das famílias se reúnem para confraternizar o Natal. Quem dera que, ao menos neste dia, todos agissem de forma fraterna, pacífica e harmoniosa.
É no centro de São Paulo que de forma repentina o espírito natalino desapareceu, dando vez a mais um caso de barbárie: dois rapazes agrediram até a morte o ambulante Luís Carlos Ruas, conhecido como Índio.
A vítima, inicialmente, era a travesti Raíssa.
Em defesa de Raíssa, o vendedor ambulante de doces, que trabalha na Estação Dom Pedro II resolveu interceder. Luís tentou salvar Raíssa e Pandora, que também estava sendo perseguida pelos rapazes. Por seu ato corajoso e humano, Luís Carlos acabou pagando com a própria vida. Os dois passaram a perseguir o ambulante que, após ser derrubado, foi espancado até a morte.
Nessas horas, questionamos se o ser humano é realmente dotado de inteligência e racionalidade. Será que somos dignos de sermos classificados como racionais? Inacreditavelmente, para muitos, a troca de gênero sexual é capaz de ameaçar a sociedade ou por em risco de extinção a família tradicional. Lembrando o livro de José Murilo de Carvalho, Os Bestializados, tal cena de brutalidade seria definida por muitos pela frase: “Apanhou porque mereceu”.
Morrer por defender outro ser humano de uma agressão gratuita é um ato de compaixão e humanismo.
Enquanto homens como Luís Carlos, tomados de senso de justiça e extremo humanismo, são mortos barbaramente, a sociedade anda para trás e é reconduzida a Idade Média, período repleto de brutalidades.
Fábio Nogueira Estudante de história e militante da Educafro.
Não sei com que armas a III Guerra Mundial será lutada. Mas a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras. Albert Einstein

Após repercussão, governo cancela licitação para comida em avião presidencial

Presidente pedia sorvetes, Nutella e vários itens supérfluos para viagens, em edital de R$ 1,75 milhão. Site Contas Abertas criticou gasto, afirmando que “exemplo de austeridade deve vir de cima”

O Palácio do Planalto anunciou hoje (27) o cancelamento de uma licitação, no valor aproximado de R$ 1,75 milhão, para contratação de serviços de alimentação para o avião do presidente Michel Temer (PMDB). “Por orientação presidencial, foi cancelado o Pregão 14/2016, para o dia 02.01.2017, de Serviços de Comissária Aérea”, escreveu o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, no Twitter.

A decisão foi tomada após repercussão negativa em redes sociais. O governo havia aberto licitação para contratar serviços de alimentação por um ano. A lista chamava a atenção por conter diversas “guloseimas”, como sorvetes, bolos, creme de avelã, chocolates, picolés etc. Entre os produtos solicitados, estão 500 potes de 100 gramas do sorvete tipo premium da marca Häagen-Dazs, pelo preço de R$ 15,09 cada um. O aviso da licitação foi publicado na edição do dia 19 do Diário Oficial da União.

Pelo prazo da licitação, o custo de um mês das refeições no avião presidencial poderia sustentar pelo menos 900 famílias do programa de transferência de renda criado em 2003, por Lula. Em 2015, a média mensal de recursos recebidos por cada família ficou no patamar dos R$ 161,69, segundo dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Segundo reportagem do portal G1, a lista de itens solicitados pelo Planalto apresenta os preços unitários estimados. Entre eles, estão 120 potes do creme de avelã da marca Nutella, pelo preço de R$ 39 a embalagem de 350 gramas. O valor é maior que o praticado por lojas de varejo – o G1 encontrou o mesmo produto no site das Lojas Americanas e do hipermercado Extra por R$ 20,87.

O preço do sorvete Häagen-Dazs apontado pelo governo também é mais alto do que é possível encontrar no varejo. No Pão de Açúcar, o mesmo produto custa R$ 11,25. Há na lista ainda amêndoas in natura, pelo preço de R$ 29 o pacote de 100 gramas, e farinha de linhaça dourada da marca Jasmine, por R$ 44 em um pacote de 200 gramas.

Na justificativa da licitação, o Planalto afirma que “considerando-se que as viagens da Presidência da República com utilização de meios aéreos ocorrerem, por vezes, em horários que coincidem com os estimados para a realização de refeições, faz-se mister a contratação de empresa especializada neste tipo de serviço, com fornecimento de material especificamente no Aeroporto de Brasília”.

Ainda segundo o G1, Gil Castello Branco, fundador do site Contas Abertas, afirma que “os gastos são exorbitantes”. “Diante dessa crise, o presidente deveria imediatamente cancelar essa licitação e adequá-la à realidade. Não há a menor necessidade de consumir essas iguarias durante um voo. O exemplo de austeridade tem que vir de cima, e o presidente tem agora uma ótima oportunidade de fazê-lo.”

Fonte: Rede Brasil Atual
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/12/temer-lanca-licitacao-exorbitante-para-comida-em-aviao-presidencial-2856.html

2016: o ano em que se tentou matar a esperança do povo brasileiro

A situação social, política e econômica do Brasil mereceria uma reflexão severa sobre a tentativa perversa de matar a esperança do povo brasileiro, promovida por uma corja (esse é o nome) de políticos, em sua grande maioria corruptos ou acusados de tal, que, de forma desavergonhada, se pôs a serviço dos verdadeiros forjadores do golpe perpetrado contra a Presidenta Dilma Rousseff: a velha oligarquia do dinheiro e do privilégio que jamais aceitou que alguém do andar de baixo chegasse a ser Presidente do Brasil e fizesse a inclusão social de milhões dos filhos e filhas da pobreza.

Obviamente há políticos valorosos e éticos, bem como empresários da nova geração, progressistas que pensam no Brasil e em seu povo. Mas estes não conseguiram ainda acumular força suficiente para dar outro rumo à política e um sentido social ao Estado vigente, de cariz neoliberal e patrimonialista.

Ao se referir à corrupção todos pensam logo no Lava Jato e na Petrobrás. Mas esquecem ou lhes é negada, intencionalmente pela mídia conservadora e legitimadora do establishment, a outra corrupção, muito pior, revelada exatamente no dia de Natal que junto com o nascimento de Cristo se narra a matança de meninos inocentes pelo rei Herodes, hoje atualizado pelos corruptos que delapidam o país.

Wagner Rosário, secretário do Ministério da Transparência, nos revela que nos últimos treze anos esquemas de corrupção, de fraudes e desvios de recursos da União, repassados aos Estados, municípios e ONGs e direcionados a pequenos municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano podem superar um milhão de vezes o rombo na Petrobras descoberto na Lava Jato. São 4 bilhões mas camuflados que podem se transformar, num estudo econométrico, em um trilhão de reais. As áreas mais afetadas são a saúde (merenda) e a educação (abandono das escolas).

Diz o Secretário: “A gente chama isso de assassinato da esperança. Quando você retira merenda de uma criança, você tira a possibilidade de crescimento daquele município a médio e a longo prazo. É uma geração inteira que você está matando”.

A nação precisa saber desta matança e não se deixar mentir por aqueles que ocultam, controlam e distorcem as informações porque são anti-sistêmicas.

Mas não se pode viver só de desgraças que macularam grande parte do ano de 2016. Voltemo-nos para aquilo que nos permite viver e sonhar: a esperança.

Para entender a esperança precisamos ultrapassar o modo comum de vermos a realidade. Pensamos que a realidade é o que está aí, dado e feito. Esquecemos que o dado é sempre feito e não é todo o real. O real é maior. Pertence ao real também o potencial, o que ainda não é e que pode vir a ser. Esse lado potencial se expressa pela utopia, pelos sonhos, pelas projeções de um mundo melhor. É o campo onde floresce a esperança. Ter esperança é crer que esse potencial pode se transformar em real, não automaticamente, mas pela prática humana. Portanto, a utopia que alimenta a esperança não se antagoniza com a realidade. Ela revela seu lado potencial, o abscôndito que quer vir para fora e fazer história.

Faço meu o lema do grande cientista e físico quântico Carl Friedrich von Weizsäcker, cuja sociedade fundada por ele me honrou em final de novembro em Berlim com um prêmio pelo intento de unir o grito da Terra com o grito do pobre:”não anuncio otimismo, mas esperança”.

Esperança é um bem escasso hoje no mundo inteiro e especialmente no Brasil. Os que mudaram ilegitimamente os rumos do país, impondo um ultraliberalismo, estão assassinando a esperança do povo brasileiro. As medidas tomadas penalizam principalmente as grandes maiorias que veem as conquistas sociais históricas sendo literalmente desmontadas.

Aqui nos socorre o filósofo alemão (Ernst Bloch) que introduziu o “princípio esperança”. Esta, a esperança, é mais que uma virtude entre outras. É um motor que temos dentro de nós que alimenta todas as demais virtudes e que nos lança para frente, suscitando novos sonhos de uma sociedade melhor.

Esta esperança vai fornecer as energias para a população afetada poder resistir, sair às ruas, protestar e exigir mudanças que façam bem ao país, a começar pelos que mais precisam.

Como a maioria é cristã valem as palavras do sábio Riobaldo de Guimarães Rosa:”Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve…Tendo Deus é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim, dá certo. Mas se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma”.

Ter fé é ter saudades de Deus. Ter esperança é saber que Ele está ao nosso lado, ainda que invisível, fazendo-nos esperar contra toda a esperança.

Sem tempo para recesso

Por João Paulo Cunha

O ano do golpe. O título de 2016, que envergonha o país, deixa marcas de sangue na história brasileira. O impedimento da presidenta eleita sem fundamento legal, em processo conduzido por pessoas sem o menor patrimônio moral, atendendo a uma demanda personalista irresponsável do senador Aécio Neves, inverteu os sinais da ética e pôs os canalhas no poder. As consequências não tardaram.

Objetivo maior de todo o processo, o assalto ao Estado democrático chegou amparado pelo aparato judiciário-policial e pela imprensa hegemônica, com sua construção de uma ideologia que anula a solidariedade em nome da escatologia. Um evangelismo que se titubeia entre laicismo do chamado empreendedorismo (uma metáfora para o “salve-se quem puder e quem não se salvar é incompetente”) e na escatologia do preconceito e da discriminação, com seu poder esgarçador no tecido social e nas conquistas de civilização.

Logo se viu instaurar um projeto antipopular, que fez do falso mantra da austeridade o álibi para a retirada de direitos e submissão ao capital financeiro. O Brasil retrocedeu nas conquistas democráticas, perdeu terreno na luta contra as desigualdades, instaurou um ambiente de violência contra as manifestações populares. Jogou bombas em estudantes, atacou com força policial e tiros a escola do MST, encurralou passeatas com táticas fascistas, discriminou manifestantes pela cor de suas roupas

E não parou por aí: retomou a sanha entreguista em relação ao capital financeiro, instaurou uma atmosfera venal nas negociações parlamentares, atacou direitos sociais. Está claro que esse programa jamais teria aprovação nas urnas, o que aponta para a necessidade de se retomar as eleições diretas como único caminho possível de restauração da institucionalidade. No entanto, independentemente desse caminho necessário, segue urgente o fortalecimento de todas as formas de mobilização contra os retrocessos já operados no campo político, econômico e social.

Há um conjunto de prejuízos impressionante para tão poucos meses de governo não eleito. Um sentido de urgência que só explica pelo misto do gozo em ter o poder nas mãos, ainda mais pelo acesso marcado pela ilegitimidade, e o temor que ele lhe seja arrancado pela reação popular. O golpe não era o fim, mas a estratégia para a reversão da direção do Estado brasileiro, anulando nada menos que o próprio espírito da Constituição Federal de 1988. A disputa que se observa no condomínio do poder, com suas habituais traições, mostra a voracidade do apetite dos vários artífices da reação.

O congelamento dos gastos em saúde e educação, a cruel proposta de reforma previdenciária, o retrocesso na condução da política de exploração do petróleo, a liberalidade em se desfazer do patrimônio das teles em favor de empresas privadas e estrangeiras, a ameaça de desregulamentação das relações trabalhistas, a destruição do potencial estratégico do BNDES. O desmantelamento das políticas sociais, o aparelhamento da Justiça tocado a troca de favores e benesses salariais, o recrudescimento policialesco do Estado. O arbítrio chancelado pela Justiça. A impunidade seletiva.

Resistência

Assim como o assalto ao poder se deu por vias que se somam em sua eficácia, a resistência, sobretudo das esquerdas, precisa se alimentar no mesmo espírito de ocupação de todos os campos. No âmbito institucional e político, reforçando o combate no parlamento e fortalecendo as bases de apoio dos diversos grupos que disputam a hegemonia das políticas de Estado. Na esfera pública, reacendendo a chama dos movimentos populares, ocupando as raias da sociedade e da cultura, com criatividade, ousadia e alianças ampliadas com todos os setores.

Por fim, no campo mais estrito do confronto, preparar mobilizações, protestos, passeatas e ocupações, chegando, se necessário, às estratégias de desobediência civil.

O momento é de organizar a luta, fortalecer as frentes, articular a oposição, irrigar a sociedade de espírito libertário, operar a guerrilha da contrainformação. Lutar com palavras e atitudes. Avançar ainda além se necessário.

Enquanto os projetos usurpadores, durante o recesso parlamentar, crescem no fermento da defesa de classe operada pela mídia, pelos patéticos desinformados paneleiros e ideólogos da burguesia nacional e internacional, é chegada a hora de azedar essa receita. O ano do golpe termina com seu rastro de destruição e ameaças. O ano da recuperação da resistência popular está apenas começando. Não vai ter recesso, vai ter luta.

Fonte: Brasil de Fato
https://www.brasildefato.com.br/2016/12/26/artigo-or-sem-tempo-para-recesso/

A degradação do Judiciário

Por Emir Sader

É certo que, ao compactuar com o golpe de 1964 e, assim, com a ditadura militar que durante mais de duas décadas assolou o Brasil, o Judiciário perdeu a identificação que parecia ter com o Estado de direito. Mas, ainda assim, especialmente depois do fim da ditadura, permanecia uma aura de respeitabilidade com o Judiciário brasileiro, uma expectativa de que fosse o guardião da Constituição democrática, dos direitos das pessoas, da democracia.

Junto com a perda da continuidade do processo democrático, o Brasil perdeu também, com o golpe de 2016, o respeito pelo Judiciário, a começar pela sua instância máxima, o STF. O mínimo que se pode dizer é que, diante da mais grave decisão tomada pelo Congresso brasileiro, a do impeachment, com versões polêmicas sobre os seus fundamentos, o STF assistiu tudo como se não tivesse nada a ver com ele. Como se não tivesse a responsabilidade de zelar pela Constituição, decidindo sobre se houve ou não crime de responsabilidade. Se não serve para isso, para que serve o STF?

Pior ainda. O silêncio foi acompanhado da vergonhosa negociação do aumento de 41% para o Judiciário. A FSP noticiou que, nos intervalos das gravíssimas sessões do Senado, que tomava a mais grave decisão da sua história, a do impeachment, o então presidente do STF fazia lobby a favor daquele aumento com os senadores, sem pudor, num troca-troca explícito. Buscava aumentar ainda mais os salários inconstitucionais de marajás que eles tinham recebido das mãos de Eduardo Cunha, em pleno processo de impeachment na Câmara de Deputados. Personagem poupado pelo STF até que ele tivesse feito o trabalho sujo de promover o impeachment da Dilma na Câmara.

Depois, uma vez aprovada a infundada decisão do impeachment pelo Congresso, o STF não se pronunciou sobre a sua constitucionalidade, questionada por tantos advogados. Seu papel, minimamente, de zelador da Constituição, seria o de abrir esse texto e definir se houver ou não crime de responsabilidade. Poderia até concordar com a decisão do Congresso, mas o que não poderia fazer, era ficar calado, deixando, com o seu silêncio cúmplice, que se terminasse com o mandato de uma presidente recém reeleita pelo voto popular, sem nenhum fundamento que justificasse esse ato de violência contra a democracia.

Mas fez e, com seu silêncio, sacramentou sua responsabilidade com a ruptura da democracia no Brasil, da qual deveria ser o zelador. Porém, mais do que isso, demonstrando que não se trata de um episódio fortuito, o STF participa ativamente do projeto do golpe. Impediu que o Lula, sem ser réu de qualquer processo, assumisse um cargo no governo da Dilma, mas permite que 15 ministros do governo Temer façam isso.

Aceita que a escandalosa parcialidade do Moro e dos seus comparsas, na ação unilateral contra o Lula, seja considerada “imparcial”, permitindo que ele monte os processos contra o Lula, façam as acusações, julgue e provavelmente condene o ex-presidente. O STF aceita silenciosamente as monstruosidades cometidas contra o Lula, o único líder popular no Brasil, demonstrando que deseja romper qualquer traço de legitimidade do sistema político brasileiro, compactuando com sua exclusão.

Um STF como esse tornou-se uma vergonha para a democracia brasileira. Desonra a função que deveria ter de guardião da Constituição, violada semanalmente pelo governo golpista e por seu Congresso corrupto. Degrada a função do Judiciário. Provoca a necessidade de que a restauração democrática promova a reforma profunda do Judiciário brasileiro, sob o risco de impedir que a democracia volte a reinar no Brasil, através da decisão soberana do povo.

Fonte: Brasil 247
http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/272205/A-degrada%C3%A7%C3%A3o-do-Judici%C3%A1rio.htm